08/05/2012
Meu primeiro emprego- Parte 2

“Rei morto rei posto”. Meu valente Fusquinha jazia em paz num ferro velho, enquanto eu já desfilava numa Belina verde musgo zero bala. Assim é a vida, desde que o mundo é mundo, um passando a tocha para o outro.

            Aprendi muito neste meu primeiro emprego, principalmente a chorar longe de casa, sem ter um ombro amigo para me amparar. Também aprendi que só no dicionário a palavra sucesso vem antes de trabalho. A malária da qual fui vítima me judiou muito, tive alucinações e pesadelos. Fiquei dez dias internado num hospital de madeira, caindo aos pedaços, sem coragem de avisar minha família, afinal eu estava tão longe – “nortão” de Goiás – e os meus pais por mais boa vontade que tivessem, pouco poderiam fazer. Por isso preferi não incomodá-los.

            Depois de recuperado, ganhei uma viagem para o Rio de Janeiro, como recompensa, e esta seria a minha primeira num grande avião - Boeing. Adivinhem quantas mancadas eu dei? Primeiro quando anunciou o embarque dei uma “troteada” para chegar à frente dos demais e pegar a janelinha – queria ver a paisagem lá de cima. O segundo colocado - passageiro – chegou dez minutos após.        Quando acionei a descarga do banheiro, quase caí de costas, achei que aquele treco iria me sugar, só que pelo lado menos conveniente – nunca vi tamanha violência. Que susto!

             O mais cômico foi a minha hospedagem no Hotel Ambassador na Candelária (RJ). Quando desci para fechar a conta, havia um funcionário da empresa me esperando, por sinal um coroa experiente e simpático. Estranhei o valor cobrado por uma diária. Ao visualizar a comanda, notei que constava o consumo do frigobar além da diária. Constava: todo estoque de bebidas em miniatura, presto barba, chocolate, sonrizal, engov, touca de banho, pente e até duas forminhas de gelo - estas eu queria presentear minha mãe que tinha acabado de comprar uma geladeira e, - estava encantada em poder fazer picolé de Q’Suco com elas, em casa. “Tadinha da minha veinha”, até ela entrou na dança!

            Na minha santa ignorância, tudo isso fazia parte da diária. Quando resolvi falar firme, com uma segurança irritante, o coroa intercedeu e disse-me: - Doutor, o hotel tem razão, isso é cobrado à parte. Para não passar mais vergonha, do que já havia passado, me fiz de morto e levei os tarecos embora e, - feliz da vida!

            À noite fomos jantar. E este gato mestre que lhes escreve, ao invés de pedir bife a cavalo ou filé com fritas decidiu inventar, dando uma de bacana, pedindo um prato russo. Sabe o que veio? Meio acabaxi recheado com um creme doce e uns pedacinhos de carne. Comi a contra gosto para não demonstrar mais uma vez, minha “matutice”. Que coisa desastrosa querer se meter à besta sem estar preparado!  

            Como diria o Roberto Carlos: “O importante é que emoções eu vivi”. Quando mostrei o rascunho dessa crônica para um amigo, ele prontamente disse-me: - Hoje você é um empresário de sucesso, será que esta sinceridade explícita não irá interferir em sua reputação? Foi então quando me lembrei de um pensamento Oriental: “Preocupe-se mais com sua consciência do que com sua reputação, porque sua consciência é o que você é, e sua reputação é o que os outros pensam de você. E o que os outros pensam... É problema deles”.

            Aprendi nessa jornada do meu primeiro emprego, que as mancadas quando dadas com convicção Deus perdoa, afinal a ignorância também nos traz segurança.   Às vezes fico com pena dos meus ex-chefes, imaginando o quanto devem ter penado para transformar um matuto, num pseudo “pele fina”. Meu orgulho são os calos permanentes que ganhei nas mãos, advindos do cabo de uma enxada e de um facão de cortar cana, durante minha infância. Nunca mais se apagaram e serão para sempre testemunhas uma vida de luta, determinação e superação de obstáculos. É por isso que a frase mais marcante de minha vida é: “Lembre-se, só vencem os que acreditam vencer, o maior fracasso é o desânimo, persista até o fim, concentre-se”.

            E VIVA OS CALOS DA MÃOS!

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Osvaldo Piccinin

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