13/11/2012
Viagem de trem, sofrimento e saudades

Tudo mudou mesmo. Em décadas passadas sair de Caieiras e ir para São Paulo de trem era realmente delicioso e emocionante. No banheiro feminino da estação, as mulheres se enfeitavam e completavam o ritual de embelezamento. Embarcar no trem era sempre estimulante e marcado de encontros concretizados  dentro dos vagões de um  transporte muito  usado na época . As pessoas iam bem vestidas, perfumadas, com joias e adornos da melhor qualidade. Não havia assaltos ou vandalismo. Ninguém era pisoteado. As conversas, não só eram possíveis, como eram habituais. E só mesmo os mais reservados ou solitários agarravam-se aos livros e jornais, numa oportunidade única  de adquirir informação ou simplesmente distrair-se. Muitos  namoros foram impulsionados na corrida  pelos    trilhos e muitos  casamentos se planejaram  em confortáveis passeios pela linha férrea. Os caieirenses  vibravam  com estes  passeios nos finais de semana. Ia-se ao cinema e principalmente    em boas  lojas. Nós crianças, nos anos 60 ou 70  nos divertíamos muito  também. Sentávamos  próximas às janelinhas e nos deliciávamos com as curvas, morros , rios e pontes que até se  pareciam  com um  caleidoscópio  de imagens  multicoloridas. Íamos frequentemente ao  bairro da Lapa e andar pelo   Mercado Municipal, com a minha madrinha, sempre foi  um  presente dos deuses. Entrávamos  nas  lojas, caminhávamos   pela Rua 12 de outubro, íamos  à Igreja Nossa Senhora da Lapa e finalmente a uma pastelaria próxima à estação.
Por saudosismo e para preservar  o hábito,  na semana passada, fui   trem  até lá. E enquanto a viagem transcorria, fiquei na observação. Olhei, analisei e refleti sobre tudo à minha volta. Por instantes me deu uma tristeza vendo  o quanto tudo está diferente . Já não há conforto, já não existem as mesmas pessoas e a viagem de trem para a maioria não passa de um massacre diário. Pude ir sentada, felizmente. Mas notei o sofrimento dos que permaneceram em  pé. Apertados, espremidos e sem a mínima condição de curtir o trajeto. Aliás,  deslumbrar-se com o  trajeto é praticamente impossível. Os trechos percorridos são simplesmente  deprimentes. Nas encostas, a construção irregular  de conjuntos habitacionais  parecem  dependurados nos mesmos  barrancos  que,  no passado, só  acolherem    árvores e muito verde. Mesmo nas proximidades  das  estações o visual permanece ruim com muito  lixo, galpões inacabados e vagões de trem abandonados ao relento. Mas, internamente,  os trens escondem um  suplício ainda maior e  que também  trafega pelos  trilhos, punindo injustamente   todas aquelas pessoas. Olhando ao redor até  pude ver  alguns deles. Vi  homens mal educados , sentados, com as pernas totalmente abertas ocupando espaços  de  duas pessoas. Vi   um casal de jovens namorados, num “amasso” tão  explícito e ardente, constrangendo e  complicando ainda mais o viajante do lado. Vi  um jovem em pé que, apesar de bem  vestido, permaneceu  tão alienado ao ponto de não “se tocar” que, seu livro  aberto  atrapalhava ainda mais as  pessoas ao redor. Vi uma   jovem bonita, moderninha e emperiquitada , de vestido justíssimo, dando bronca  em  alguém que acidentalmente, deve ter   puxado um fio de sua meia  arrastão. E teve o casal  de gays, despreocupado,  ouvindo música por um único  aparelho celular e  cujo  fio do fone de ouvido, inconvenientemente,  enroscava-se  nas  cabeças alheias. São exemplos. Dizem ocorrer coisas piores.
Quando cheguei   ao meu destino, me senti aliviada. Em tão pouco tempo presenciei de tudo: gente batalhadora, cansada,  desrespeitada,   gente folgada, gente sem desconfiômetro e gente acima de tudo anestesiada pelo  sofrimento diário. Tive pena de todos e  em seguida, lembrei-me   de  velhos tempos, de antigos passeios e da sensação gostosa em   ir de Caieiras à São Paulo. Conclui que  desde o romantismo de uma época distante à tortura dos dias atuais, viajar de trem há muito tempo perdeu seu encanto. Concluí também que nestas condições dificilmente alguém abdicará do automóvel  E só mesmo aqueles sem opção ou “alucinados” como eu  por uma voltinha pela Lapa, farão tamanho sacrifício. O que não deixa de ser lamentável. Tudo podia ser bem diferente.
FATIMA CHIATI

Comentários:

Belo tema.As viagens de trem de antigamente tinham de fato um encanto maravilhoso,indecifravel, romantico mesmo. As despedidas tristes, as chegadas alegres. Novas pessoas Esse saudosismo de fato nos entristece hoje, lendo o que voce descreveu. E p´ra chorar. São os tempos.
Walter Ferraresi



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