10/03/2015
O Marx reacionário que poucos conhecem

AS 4 POSIÇÕES MAIS REACIONÁRIAS DEFENDIDAS POR KARL MARX

No espírito de revelar o pensador verdadeiro por trás da versão para consumo do século 21, separamos quatro aspectos de Marx que hoje causariam embaraço.

É fácil julgar as gerações passadas. E equivocado. Tomamos nossos juízos de valor como universais e óbvios, quando na verdade as mudanças de valores e opiniões requerem muito esforço e o trabalho genial de muitos indivíduos.

Do mesmo modo, é também tolice tentar pintar os pensadores de outros tempos com as cores do presente, como se eles partilhassem conosco as mesmas preocupações, opiniões e modos de pensar hoje considerados corretos. Ao fazer isso, a gente corta a possibilidade de contato com o passado, preferindo uma versão falsa e mutilada dele, como se seus atores fossem importantes apenas na medida em que ajudaram a chegar até nós.

Karl Marx é, para muitos, um herói do pensamento. Para outros, um grande vilão. Seja como for, era um pensador que em muitos sentidos surpreende quem vive no século 21, inclusive aqueles que se consideram seus seguidores. Nesse espírito de revelar o pensador verdadeiro por trás da versão para consumo do século 21, vamos olhar quatro aspectos do pai do socialismo científico que hoje causariam um certo embaraço…

Racismo e antissemitismo

São muito poucos os autores do século 19 que escapam ao racismo. Marx não fugiu à regra. A questão da raça não ocupava papel central em seu pensamento. Ele foi, ademais, defensor ferrenho da abolição da escravidão. Mas em diversas ocasiões ele revelou sua crença na superioridade do europeu ocidental sobre negros e eslavos.

Isso era quase universal em sua época. O que distingue um pouco o caso de Marx é que ele, ao menos por uma curta fase, foi um crente entusiasmado no evolucionismo de Pierre Trémaux, cientista totalmente esquecido hoje em dia. Segundo Trémaux, a evolução dos diferentes tipos humanos era determinada pelo solo. Solos mais recentes davam origem a raças superiores, e solos antigos, de camadas de rocha mais velhas, a raças degeneradas.

Numa carta entusiasmada, Marx escreve a Engels maravilhado com a obra de Trémaux:

“Em suas aplicações históricas e políticas, Trémaux é muito mais importante e frutífero do que Darwin. [...] Como ele indica (ele esteve na África por muito tempo) o tipo comum do negro é apenas a degeneração de um tipo muito superior.”

Outro detalhe curioso é que, em sua correspondência pessoal, Marx usava o termo “nigger” (escrito em inglês mesmo) para se referir depreciativamente a quem ele não gostava. Como no caso de Ferdinand Lassalle, rival intelectual seu no campo socialista, a quem ele chamava de “judeu nigger”.

Isso nos leva ao antissemitismo de Marx, outro preconceito amplamente difundido no século 19, especialmente na Alemanha. A família de Marx era originalmente judaica. Seu avô foi rabino, e seu pai, Heinrich Marx, se converteu ao cristianismo. Karl não teve nenhum grande contato com a cultura e religião judaicas.

Sendo assim, ele acabou partilhando de muito do antissemitismo de sua época, reproduzindo estereótipos comuns. Os judeus só pensavam em dinheiro, queriam enganar os outros, eram usurários, pouco confiáveis. Em A Questão Judaica, Marx elabora:

“Consideremos o judeu concreto, mundano, não o judeu do Sabbath, como Bauer faz, mas o judeu cotidiano. Não procuremos o segredo do judeu em sua religião, e sim o segredo de sua religião no judeu real. Qual é a base secular do judaísmo? A necessidade prática. O auto-interesse. Qual é a religião mundana do judeu? A pilantragem. Qual é seu deus mundano? O dinheiro.

Então muito bem! A emancipação da pilantragem e do dinheiro, e consequentemente do judaísmo prático, real, seria a auto-emancipação de nossa época.

Uma organização social que abolisse as pré-condições da pilantragem, e portanto a possibilidade da pilantragem, tornaria o judeu impossível. Sua consciência religiosa seria dissipada como uma névoa fina no ar real e vital da sociedade.”

Marx jamais defendeu nada próximo da deportação ou mesmo extermínio dos judeus, e nem de sua etnia mais detestada, os eslavos. Essa “honra” fica com seu amigo Engels. Conclui ele num artigo para o Neue Rheinische Zeitung, jornal que ele e Marx publicavam:

“Entre todas as nações e grupos étnicos da Áustria, há apenas três que têm sido portadores do progresso. [...] Os alemães, os poloneses e os magiares. Por essa razão eles são, agora, revolucionários. A grande missão de todas as outras raças e povos – grandes e pequenos – é perecer no holocausto revolucionário.”

Colonialismo
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Hoje em dia, ser socialista significa lutar contra a exploração imperialista das nações poderosas. Para Marx, a coisa era um pouco diferente.

Segundo sua teoria, o advento do socialismo dependia do desenvolvimento radical do capitalismo. Quanto maior o progresso tecnológico e a exploração do trabalho industrial, maiores as contradições econômicas que criariam as condições da revolução.

Povos e nações atrasados em nada ajudavam nesse processo. Por isso, a empreitada colonial das grandes potências de seu século era um elemento de progresso, tirando nações do atraso do modo de produção asiático e trazendo-as para o capitalismo. Nas palavras do Manifesto Comunista, a burguesia capitalista “arrasta para a civilização todas as nações, até mesmo as mais bárbaras”.

Foi por esse motivo que ele defendia a Inglaterra em sua dominação da China – e isso mesmo depois da sangrenta Guerra do Ópio –, assim como sua presença na Índia. O colonialismo, ainda que brutal, era uma força de progresso. Isso fica mais claro em seus comentários sobre a Índia no artigo “O Domínio Britânico na Índia”, escrito para o New York Daily Tribune em 1853. Marx reconhece o sofrimento causado pelos ingleses, mas os vê como importantes para destruir o modo de produção e a cultura arcaicos e obscurantistas da velha Índia.

“A Inglaterra, é verdade, ao causar uma revolução social no Hindustão, foi movida apenas pelos interesses mais vis, e foi estúpida em sua maneira de persegui-los. Mas essa não é a questão. A questão é: pode a humanidade cumprir seu destino sem uma revolução fundamental no estado social da Ásia? Se não, quaisquer que tenham sido os crimes da Inglaterra, ela foi uma ferramenta inconsciente da História em promover essa revolução.”

Trabalho infantil

Haverá causa mais unânime hoje em dia do que o combate ao trabalho infantil? Direita e esquerda se unem para proibir e coibir essa prática.

Marx vivia em outros tempos, tempos em que o trabalho infantil ainda era realidade comum, como sempre fora ao longo de toda a história. E muitas mentes humanitárias, olhando para o trabalho infantil nas fábricas, desejavam proibi-lo. Essa era uma das plataformas do Programa de Gotha, a carta de propostas do Partido Social-Democrata Alemão.

Marx, em sua Crítica ao Programa de Gotha, escolhe esse ponto para uma de suas críticas. O trabalho infantil, desde que regulamentado, é um propulsor do desenvolvimento produtivo, e não deve, por isso, ser proibido.

“Uma proibição geral do trabalho infantil é incompatível com a existência de indústria em larga escala e, por isso, um desejo piedoso e vazio. Sua realização – se possível – seria reacionária, já que, com uma estrita regulação do tempo de trabalho de acordo com as diferentes faixas etárias e outras medidas de segurança para a proteção das crianças, a combinação desde cedo de trabalho produtivo com educação é um dos meios mais potentes para a transformação da sociedade presente.”

Contra a universidade pública, gratuita e de qualidade humanas

Na mesma Crítica ao Programa de Gotha, Marx revela uma outra opinião sua que não cairia bem dentro da esquerda brasileira atual: universidade gratuita. O programa pedia educação compulsória gratuita para todos. Marx questionava a relevância disso: educação básica já era compulsória na Alemanha. Será que o programa se referia à educação superior? Nesse caso, seria absurdo. Afinal, pensava ele, quem frequenta a universidade? A elite. Universidade gratuita, portanto, era um jeito do Estado – todo o povo – financiar um privilégio da elite.

“Se em alguns estados dessa nação [os EUA] as instituições de ensino superior também são ‘gratuitas’, isso significa apenas bancar o custo da educação das classes superiores da receita geral dos impostos.”

Joel Pinheiro
Paulista, formado em Economia pelo Insper e mestre em Filosofia pela USP.


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