17/05/2017
Para Ela...

Há muito venho pensando nesse relato...

Precisei me preparar para falar novamente dela, Luzia, aquela que foi minha primeira crônica...

A dama da sociedade que um dia apareceu na minha vida, uma pessoa sincera e verdadeira, cujos olhos diziam sempre os sentimentos que viviam em seu coração.

Entendemo-nos desde o primeiro dia, vivemos por muitos anos uma amizade verdadeira, tínhamos sentimentos fraternos recíprocos, que faziam com que nossa convivência semanal, fosse momentos únicos de troca e cumplicidade.

Ela me ensinou muito sobre um mundo do qual eu nunca fiz parte, me contava os bastidores de ser esposa de uma pessoa muito conhecida e influente.

Riamos juntas dos ‘causos’ que ela me contava sobre como as pessoas bajuladoras se comportam em sociedade.

Algumas vezes, chegamos até nos encontrar em jantares e festas beneficentes, onde ela fazia questão de me convidar, e mesmo que eu preferisse ficar em meu canto, lá vinha ela toda sorridente me abraçar em público, sempre mostrando sua amizade sincera por mim.

Muitas pessoas me faziam perguntas sobre ela, já que na sua discrição e classe, era uma pessoa que muitos achavam de difícil acesso, mas não era nada disso. Apenas cumpria seu papel de dama da sociedade que lhe era exigido. Sim, eu disse ‘exigido’, mas essa é outra história...

Vinda de uma família simples, na verdade, ela sempre foi uma pessoa assim... SIMPLES.

Ela costumava dizer que mesmo que a vida tivesse mudado muito, ela continuava ‘com um pé na cozinha’, e quando falava isso ria muito.

Mãe de cinco filhos que educou com maestria, costumava falar deles, da personalidade de cada um e mesmo todos sendo adultos continuava firme, falando com eles o que pensava. Não era muito de passar a mão na cabeça. Ensinou-me sobre isso, já que eu sempre fui aquela mãe que se colocava na frente dos filhos, tentando impedi-los de sofrer os revezes da vida.

Trocávamos um pouco de tudo, experiências, receitas, temperos (Ela fazia uma mistura de ervas finas fantástica), e muitas vezes ela fez questão de me emprestar roupas, casacos para festas e viagens, dizendo:

- “Não vai comprar nada, eu tenho o suficiente para emprestar para você”.

Um dia, ela chegou com a novidade que tinha decidido fazer uma faculdade, já que agora seus filhos eram todos adultos e ela poderia se dedicar um pouco mais à sua vida. Mas fez questão de lembrar que o tal ‘pé na cozinha’ que ela tinha incomodava algumas pessoas, então ela ia estudar um pouco.

Formou-se com louvor.

Adorei vê-la vencer mais essa etapa... Ela já havia vencido muitos outros desafios na vida.

Os anos se passaram...

Eis que um dia minha amiga chega muito feliz, dizendo que finalmente seria avó...

Estava radiante! Há muito esperava por isso, mas a sua filha mais velha, estava relutante em engravidar, então um neto estava vindo de um dos seus filhos que se casara há menos tempo.

Juntas, nos divertimos muito preparando o enxoval do bebê, nesse quesito, eu era mais experiente e pude ajuda-la.

Ela então passou a cuidar de seu netinho por um período do dia, abrindo mão de suas coisas, mas com muito amor.

Lembro até hoje, o dia que ela chegou lá em casa toda apressada, trazendo o nenê no colo, dizendo:

- “Olha! vim correndo trazer ele para você conhecer”.

Ah essa minha amiga...

Seus olhos brilhavam de orgulho e de amor... Como ela adorou ser avó...

Mas a vida não é sempre alegrias e conquistas...

Um dia, ela chegou na minha sala de trabalho, na sua hora semanal, totalmente mudada, na verdade estava em choque! Uma palidez assustadora e logo após eu fechar a porta, ela disse:

- “Selma, eu preciso muito falar com você, não quero fazer a sessão hoje, quero apenas que você me ouça, estou sem chão”!

Então me contou a desilusão que estava vivendo.

Confesso que no momento fiquei sem palavras, mas como Deus sempre está presente me inspirou e consegui conversar com ela sobre a questão. Tentei ajudar na medida do possível, já que eu mesma tinha vivido experiência parecida. Embora as dores da vida a gente não deva comparar, posso dizer que no caso dela era muito difícil aceitar o que estava acontecendo.

Não me cabe contar aqui o que se passava...

Só posso dizer que a partir daquele dia minha amiga não viveu mais, apenas sofreu...

Ela era uma criatura forte, mas o que estava vivendo, jamais havia passado pela sua cabeça.

Ela foi definhando por meses e confesso que ficava desnorteada tentando faze-la sair daquela revolta. Mas o bom senso, que lhe era peculiar, fez com que fosse fazer terapia o que me deixou mais aliviada, pois tem situações nessa vida que precisamos de ajuda profissional, para sairmos do buraco que a decepção nos joga.

Foi assim, que ela começou a reagir... Eu e terapeuta estávamos ao seu lado.

Aos poucos a leoa que todas nós temos dentro da alma, emergiu de maneira surpreendente!

Mostrou suas garras, exigiu seus direitos, mudou a direção de sua vida...

Até mesmo cuidar do neto que ela tanto gostava, ela deixou. Agora queria viver para si.

Viajou sozinha, passou meses fora do país, mas nos falávamos todos os dias...

E quando ela voltou era outra. Perdera a esperança de que um dia a vida voltaria a ser igual...

Sentia que não viveria muito, e eu não gostava dessa história nem um pouco. E assim ela foi tomando algumas providências legais, e também fez questão de tirar fotos num estúdio para dar a cada um dos filhos... Estava linda!

Embora ela tivesse esse sentimento de vida curta, o tempo foi passando e ela teve mais uma grande alegria.

Finalmente sua filha mais velha, ia ter um bebe... E seus olhos voltaram a brilhar!

Curtiu a gravidez da filha, preparou o que podia, mas muitas vezes me dizia:

- “Selma, às vezes eu sinto aquela angustia de novo”.

E lá íamos nós de novo conversar, procurar ajuda e seguíamos em frente.

Até que um dia, bem próximo o parto de sua filha, ela veio no seu horário habitual, dizendo:

- “Selma, eu estou livre! finalmente entendi que posso ser feliz de novo, posso viver minha vida plenamente nessa nova situação que me encontro”.

Fiquei muito feliz, muito mesmo, ela estava livre! Estava inteira de novo. Conseguiria ser plena outra vez. Foi uma sessão como nos velhos tempos.

Mas na sua despedida aconteceu algo inexplicável, nos abraçamos forte, choramos e dissemos uma para a outra que nos amávamos como irmãs.

Ela saiu...

Foi a última vez que nos falamos...

No dia seguinte logo cedo, recebi um dos piores telefonemas de minha vida.

Sua filha mais velha, aquela que estava para dar a luz, me disse aos prantos que sua mãe, minha amiga querida, estava à morte no hospital... Fora atropelada por uma moto na noite anterior.

Escrevo isso agora, não conseguindo segurar as lágrimas...

Não consigo explicar o que senti... Desespero, revolta, medo...

Usei de meus conhecimentos e consegui vê-la ainda com vida no hospital...

Entrei naquela UTI com a esperança de que tudo não passasse de um engano... Mas não era...

Quando a vi o chão me faltou... Minha amiga querida, minha irmã de alma... Era ela sim!

Senti que ali só estava seu corpo, minha irmã já não sofria... Pude me despedir, tive esse privilégio.

Dois dias depois, ela se foi...

Espirita que sou, tenho apenas uma certeza...

Ela está bem e sempre fala em meu ouvido...

- “Minha amiga, um dia nos veremos de novo”.

Até breve.

Selma Esteticista

 


 



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