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Ditadura Fiscal

Além de dar violenta truncada nos prestadores de serviço, que tiveram um aumento de até 30% na base de cálculo de sua carga tributária, a medida provisória baixada para atualizar a Tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas também acabou servindo para que a Receita Federal voltasse a investir contra os Conselhos de Contribuintes do Ministério da fazenda, restringindo drasticamente os tipos e os valores dos litígios que podem ser levados a sua apreciação. Atualmente, há três órgãos desse tipo em funcionamento na esfera federal. Criada em meados do século 20 como uma alternativa às morosas e caras ações judiciais, essa bem-sucedida experiência de resolução de litígios fiscais por via administrativa sofreu assim um duro golpe, deferido com o objetivo de esvaziá-la.

Organizado com representação paritária de audiotores do setor público e de técnicos indicados por entidades classistas, como as Confederações Nacionais da Indústria e do Comércio , os três Conselhos de Contribuintes sempre atuaram como uma instância rápida e eficiente de julgamento de recursos interpostos por pessoas físicas e jurídicas contra eventuais abusos das autoridades tributárias. Quando há empate nas votações , a União costuma levar vantagem, pois um dos representantes do Fisco tem direito ao "Voto de Minerva". Mas, até recentemente, nos processos em que o governo era derrotado, a Procuradoria da Fazenda Nacional não podia acionar a parte vencedora na Justiça.

Segundo estimativas ainda preliminares, nos últimos anos cerca de 35% a 40% dos recursos impetrados nos três Conselhos de Contribuintes foram decididos inteiramente a favor do Fisco; e os recursos restantes receberam decisões parciais, em favor dos recorrentes ou da Receita. Na década anterior, a média de decisões favoráveis aos recorrentes foi de apenas 10%. Por isso, com a mesma intensidade com que pessoas físicas e jurídicas passaram a confiar nos Conselhos de Contribuintes, encarando-os como cortes capazes de tomar decisões administrativas justas e eqüitativas, nas autoridades fazendárias também passaram a lutar por seu esvaziamento.

A última ofensiva ocorreu em setembro de 2004, quando a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional modificou as regras de funcionamento dos Conselhos, emitindo um parecer que conferiu aos seus advogados a prerrogativa de recorrer judicialmente das decisões administrativas contrárias aos interesses da União. Agora, a pretexto de que os Conselhos estão abarrotados de processos e precisam ser "descongestionados", a MP 232 estabeleceu que litígios fiscais com valor inferior a R$ 50 mil, e pendências que envolvam restituição, ressarcimento, compensação, isenção e imunidade de tributos e processos relacionados ao Simples não mais poderão ser objeto de recurso administrativo.

Adotada no penúltimo dia de 2004, quando o Congresso e o Judiciário já estavam em recesso, essa iniciativa das autoridades fiscais representa uma tríplice violência. Em primeiro lugar, essas "inovações" só poderiam ser impostas por uma lei votada pelo Legislativo, e não por meio de medida provisória. Em segundo lugar, a MP 232 é extremamente perversa com os pequenos contribuintes, pois, ao lhes negar o direito de defender seus interesses pela via mais confiável e barata, a administrativa, ela os obriga a perder tempo e dinheiro com advogados e custas judiciais.

Por fim, ao exigir que determinadas pendências daqui para a frente sejam levadas diretamente aos tribunais, elas exibem um maquiavelismo primário destinado a propiciar caixas ao governo. Isto porque, enquanto nos Conselhos os recursos têm efeito suspensivo, motivo pelo qual o Fisco não pode avançar no bolso dos contribuintes que eles sejam julgados, o mesmo não ocorre nos tribunais. Na esfera judicial, os valores em discussão podem ser inscritos pela Receita na dívida da União, o que obriga os recorrentes a fazer o depósito judicial do valor da atuação, para poderem continuar operando com bancos e dispor de crédito.

Ao recorrer a expedientes acintosos como esses, depois de uma festiva encenação com as centrais sindicais, a pretexto de corrigir a Tabela do Imposto de Renda, a Receita Federal, além de engambelar a sociedade, persiste em trilhar o caminho da ditadura fiscal.

O Estado de São Paulo

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