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Ficou na saudade

Desprendido corporalmente e inconsciente quanto a tempo e espaço, depois de uma viagem espiralada parecida infindável, com o corpo psíquico agora num púlpito, perante divindades cultuadas durante minha existência incorporada, conscientizo-me de estar no “dia do meu juízo final”.
Rompendo o silêncio mental, uma frase telepática enviada por uma das autoridades celeste presentes, me ordena e então, inicio meu relato:

Até onde me lembro, num dia do mês de agosto, meu espírito, talvez predestinado, pairou sobre uma modesta casa e no momento propicio, encarnou no seio de uma família simples. Na casa, incrustada na parede externa, havia até uma placa alusiva ao ano de sua construção, 1942, o mesmo ano em que eu nasci.

A Natureza recebeu-me em seus braços, propiciando-me um enorme panorama e integrou-me nele. A mata, o rio, os pássaros com seus cantos, o zumbido das abelhas e os beija-flores coloridos confundidos com as flores silvestres.
Dias quentes ensolarados com a sinfonia das cigarras e a coreografia hipnótica das borboletas e opostamente o frescor, o aroma peculiar e a paz procedentes das fortes chuvas de verão.

Da infância à puberdade, habitualmente descalço, percorrendo por suas paisagens, nadei em suas lagoas, saboreei os frutos da mata e no resvalar suas vegetações, tantas vazes roubei-lhes o orvalho.

O mundo particular que descrevo, pertenceu a um imenso coração alemão que pulsou por mais de cem anos, sendo seu nome, Indústria Melhoramentos de Papel de Caieiras.
Meu pequeno mundo chamava-se Bairro da Fábrica e ladeado por outros bairros e vilas, incorporaram o antigo Distrito de Caieiras, cujo nome, em 1958 deu origem ao atual Município de Caieiras do Estado de São Paulo.

Seus moradores formaram uma única e grande família e tinham seus clubes para entretenimento.

Seus bailes, os carnavais familiares e suas festas de 1º de maio – feriado do dia do trabalho – permanecem nas minhas lembranças e nas dos seus remanescentes.
A descontração daquele povo era revelada nos incontáveis apelidos que identificavam sua gente. Havia até um local de encontro chamado “Pau de Amarrá Égua”.

No trabalho poucos foram punidos, porque, os laços fraternais também penetravam pelos portões da indústria acompanhando os seus funcionários. Nas missas de domingo, até pelo trajar, se notava o respeito e reverência daquele povo.

Em muitos, meu olhar percorreu os ziguezagues de suas rugas, pousou nos seus cabelos brancos e os acompanhou quando seus passos foram se tornando lentos até que a vida os abandonou. A morte muitas vezes enlutou a todos! Por isso, vi lágrimas nos pais, nos filhos, nos parentes e me condoí dos seus desesperos. Minhas lágrimas também umedeceram aquele solo querido quando acidentalmente e precocemente alguns desencarnaram.

Desculpem... ... Viajei pelas lembranças e esqueci-me do porque estou aqui. Sei que devo discorrer sobre minha vida! Minhas raízes já as explanei... ...

As ambições de jovem inexperiente em busca de novas experiências, aprimoramento profissional e intelectual causou minha queda daquele paraíso. Depois, muitos dos caminhos que percorri estavam repletos de espinhos... ... Mas, mesmo caminhando por eles... ... ...
Por favor,! Se for permitido, prefiro protelar os detalhes sobre a minha vida. Inexpressivo como fui, seria monotonia. Fui feliz onde nasci e com aquele pessoal. Se havia alguma missão a cumprir... Esqueci, pois, apaixonei-me pela convivência com eles.

Portador de emoções humanas como o orgulho e a vaidade, e por relutar em desvencilhar-me delas, devo ter fracassado na minha existência incorporada.

Ultimamente sentia-me cansado por ouvir tantas conversas inúteis e conviver nas atuais circunstâncias, ouvindo os insensíveis e observando os valores da vida sendo distorcidos. Meus passos também estavam se tornando lentos e no espelho, meus olhos já brincavam de labirinto através dos sulcos do meu rosto.

Merecedor ou não, recuso recompensas e dispenso também a música das esferas. QUERO! Gostaria! Preciso tanto ouvir badalar de sinos. Desejo muito rever aquele pessoal de Caieiras, aqueles já falecidos. Em vida, eles invadiram-me pelas pupilas... Seus sorrisos e fisionomias enriqueceram-me subjetivamente... ... Eles... MEU DEUS! Eles estão surgindo, todos eles! Não consigo mais me controlar! As lágrimas... Ai quantas saudades e... ...
BLEM... BLEM... BLEM… BLEM-BLEM… BLEM… BLEM… BLEM… BLEM-BLEM… BLEM… BLEM… BLEMMMMMMM.

 

Altino Olimpio

 

Comentário:

Oswaldo Muhlmann Junior - Ordem Rosacruz - AMORC-GLP

Qua, 12/06/2019

Saudações fraternais!

Uma linda história de vida, caro Fr. Altino, muita nostalgia, mas de um “conteúdo” fantástico. Vale à pena lembrar-se de tantos feitos e realizações como as citadas pelo caro Frater, reminiscências com gratidão histórica, bem construída e vivida. Parabéns!

Grande abraço!