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O rio e a infância da minha vida

Era só sair de casa e atravessar a rua, passar pela cerca e descer pelo barranco que terminava na margem do Rio Juquery. Lá sozinho sentado é quando os pensamentos fluem melhor do que quando tem alguém por perto. O sempre procurar ficar sozinho já me era comum. E o rio Juquery era o meu refúgio preferido, embora, tivesse outros lugares para me esconder do mundo (risos). Já li o que escreveram sobre o fascínio que o rio exerce sobre as pessoas, aquelas mais sensíveis. Escreveram que o rio falava com elas, mas, isso não é para ser entendido literalmente. Na realidade o rio não fala. Ele, com a sua correnteza a passar, seus redemoinhos e com as borbulhas que vem das suas profundezas e se dissolvem na superfície, ele provoca pensamentos. E aquele menino integrado com o espetáculo da natureza vendo o rio a passar e pássaros a voar, quantas vezes esteve a pensar: Quem eu serei quando crescer?

“Quando eu era pequenino eu perguntava quando crescer

Serei eu pobre ou muito rico e eu ouvia assim

Que será será aquilo que for será

O futuro não se vê que será, será...”

Mas às vezes, nas noites dos pisca-piscas dos pirilampos ou dos vagalumes o menino da margem do rio se reunia com a garotada da vizinhança. A rua donde ele morava era passagem obrigatória para quem morava na Vila Ilha das Cobras e na Vila Leão do Bairro da Fábrica, locais estes e outros pertencentes à Indústria Melhoramentos de Papel. A casa donde ele morava era a do meio das três casas duplas ou casas acopladas. Na primeira moravam os Bertolazzis, o Nono, sua esposa Tereza e os filhos Artur, Alberto, Silvia e Margarida. Estas duas mais ficavam em seus empregos na Cidade de São Paulo. A Assunta Pastro também veio morar com eles depois que ela se casou com o Artur e logo lhes nasceu à filha Terezinha.

Na casa vizinha, acoplada, moravam o Senhor Francisco Pastro, sua esposa Nilda e os filhos Adilson, Adilza, Áurea, Reinaldo e o Ademir. Próxima casa morava o casal Alberto e Carmem Olimpio com os filhos Walter, Anita e o Altino. Na casa seguinte morava o casal Antonio e Conceição Polatto com o filho José (o Zé Polatto) e com as filhas Itália, Ivone e a Maria Lucia. Noutra casa morava o casal Danilo e Tonica com os filhos Vlademir (Bibe) e Vani. Mas, antes deles morou o casal Nelson e Olivia Turini com os três filhos, Mariliza, o Tetê e o Dudu. Eles tinham um balanço lá trás da casa, no quintal e várias vezes estive me balançando ao lado daquela menina de tranças. A dona Olivia sempre acompanhava o Senhor Nelson até ao portão que dava pra rua quando ele ia pro trabalho no escritório da Indústria Melhoramentos de Papel e lá no portão eles se beijavam. Mas isso despertava uma sensação não sei de que nas pessoas do lugar que nunca tiveram esse costume diurno tão ousado pra época (risos). Infelizmente eles se mudaram de lá da Vila da Fábrica e nunca mais eu os vi. Mariliza, Mariliza, por onde anda você?

Na última casa daquelas três casas duplas morava o casal Domitilio e Luiza da Silva com os seus filhos o Gumercindo, a Nide e o Armandinho. Das seis famílias aqui lembradas, as meninas e os meninos dessas famílias citadas, quase sempre se reuniam na rua para brincarem, também às noites sob o luar que dispersava as trevas que as luzes fracas dos postes não conseguiam dispersar. As meninas e os meninos às vezes brincavam de “piques” ou de “queimado” isso, pra quem se lembra de como essas brincadeiras eram. Mas, às vezes, também brincavam de “roda” com as cantigas mais populares do local: “Este não me serve, este não me agrada, só aqui, só aqui eu hei de amar, a moça que está na roda escolhe o moço para se casar. Ciranda Cirandinha vamos todos cirandar, vamos dar a meia volta, volta e meia vamos dar. Atirei o pau no gato, to, Mas o gato, to, Não morreu, reu, reu, Dona Chica, cá, cá, Admirou-se, se, se, Do berro do berro que o gato que o gato deu, MIAU. Capelinha de melão É de São João É de cravo, é de rosa E de manjericão. Os escravos de Jô Jogavam caxangá Tira põe deixa ficar, Guerreiros com guerreiros fazem zigue-zigue-zá. Pirulito que bate bate, pirulito que já bateu, Quem gosta de mim é ela, Quem gosta dela sou eu.

Ah as cantigas de roda que toda a meninada daquela rua de terra brincava nas noites enluaradas. Depois cada um ia pra sua casa e sabe-se lá com o que cada um sonhava ao ir dormir. Eu gostava de sonhar acordado (risos). Mas antes, havia um dever horrível, ter que subir no tanque de lavar roupas e lavar os pés encardidos de poeira com água fria. E a meninada da minha rua, hein? Lembro-me de todas elas. Quais delas lerão estas lembranças e quais delas irão se lembrar daquela nossa rua e dos nossos entretenimentos tão inocentes e felizes? “Eu daria tudo o que tivesse, pra voltar aos meus tempos de criança, Eu não sei pra que que a gente cresce, Se não sai da gente essa lembrança... ... Eu igual a toda a meninada, Quanta travessura que eu fazia, Jogo de botões sobre a calçada, Eu era feliz e não sabia.

 

Altino Olimpio