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15/05/1992
Ed. 473 - Carta ao Dr. Milton

Caro ex-companheiro: A cada dia fico mais surpreso com o seu caráter. De companheiros que fomos aos ataques sem propósito insanos de hoje, pouco tempo correu. O que aconteceu? Todas as críticas à sua administração que fiz e farei sempre foram construtivas e voltadas à causa pública, nunca em caráter pessoal. Parece que fui escolhido como a causa de suas mazelas, mas convenhamos, ela está bem ao seu lado. As denúncias que estão sendo e serão feitas à sua administração, devem ser respondidas com fatos, provas e principalmente com punição dos responsáveis. Agir de outra forma é ser conivente, é participar.

Como pode fazer as afirmações duvidosas sobre a minha participação na prefeitura? Não o acusa agora a consciência? Por acaso não fui eu o sustentáculo da campanha vitoriosa que o elegeu? Quantas vezes o procurei e estendi a mão, inclusive em público? O que você fez? Continuou a dar ouvidos àqueles que se beneficiam do poder que breve, acredite, mal o cumprimentarão. Fora do poder, sua utilidade para eles termina.

Durante oito meses que permaneci na frente à diretoria de finanças da prefeitura, dívidas foram pagas, caminhões e máquinas foram reformados, ruas asfaltadas, rede de esgotos e de água construídas, funcionários trabalhavam com afinco, pois viam uma administração justa e correta.

Enfim, as portas estavam abertas, os negócios públicos moralizados, o povo sendo atendido e as promessas de campanha sendo cumpridas.

Você pode desmentir esses fatos sem violentar-se moralmente? Entretanto, quando o rumo que havíamos traçado começou a desviar-se por influência de pessoas descompromissadas com a causa pública, resolvi sair da administração, não sem antes refletir demoradamente. Não queria mais ouvir aquela frase: “Ganhamos e não levamos por sua causa”, várias vezes dita, sabe você por quem. Lembra-se do episódio “URCASA” e da empreiteira que queria concorrência aberta? Pois é, a tudo resistimos. Hoje, quando critico o aumento excessivo do IPTU, sua quebra de promessa em não colocar seus filhos e parentes na prefeitura, seu sobrinho realizando grande obra pública, sua decisão em apoiar um cidadão que vergonhosamente nos traiu, sua decisão em aliar-se a infelizes que na ausência de argumentos convincentes, calunia. Se isso causa-lhe prazer, então confesso que avaliei mal sua personalidade e caráter. Hoje vejo com tristeza a prefeitura gastar milhões de cruzeiros por mês em jornais, coisa que eu fazia gratuitamente porque acreditava. Lembra-se das histórias criadas em torno do seu nome? Era meu desejo transformá-lo numa lenda, julgava uma homenagem justa. Agora, velho amigo, vejo você caminhar sozinho e triste num campo de futebol. Está valendo a pena? O povo colocou-nos no poder, não esses que o cercam. Lembra-se do nosso acordo em tirar as crianças carentes da rua? Elas continuam lá. A reforma do “Canecão” e campos de futebol são mais importantes que escolas e creches? Quando conversávamos você dizia que não, agora o que mudou? O que o faz pensar que eu autorizaria publicar em jornal, problemas pessoais seus? Por acaso não sou sabedor do pesado fardo que carrega? Mas diante de suas recentes atitudes, o pouco que restava do respeito do grande homem que eu o julgava ser, está acabando. Enfim, esta carta poderia alongar-se por páginas e páginas, contando toda uma história, prefiro, entretanto, terminá-la com sabias palavras encontradas em um livro cristão:

“A humildade não está na pobreza, não está na indigência, na penúria, na necessidade, na nudez e nem na fome. A humildade está na pessoa que, tendo o direito de reclamar, julgar, reprovar e tomar qualquer atitude compreensível no brio pessoal, apenas abençoa”.

EDSON NAVARRO
Vice-prefeito de Caieiras.

Jornal A Semana