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13/02/2005
Aqui pode na Bélgica não

No quilômetro 33 da Rodovia dos Bandeirantes, há um entra-e-sai contínuo de caminhões. Depois de passar pela cancela, enveredam pelos 5 quilômetros de estrada de terra, sobem na balança e seguem em frente até a beira de um precipício. Ali levantam suas caçambas em ângulos de 45 graus ou mais, e despejam sua carga: 3 mil toneladas de lixo por dia, vindas da capital e do interior, empurradas monotonamente por tratores para dentro de grande buraco.

Enquanto a cratéra vai engolindo os desejos, uma montanha de lixo ao lado, já aterrada, descansa placidamente. Mas a calma é só aparente. Nas suas entranhas, o material pútrido fermenta gás metano, drenado por tubulações forradas de pedras quadrângulares, que o conduzem até duas chaminés de 2 metros de altura na superfície. O gás alimenta uma chama constante, que só chuva forte apaga, para ser acesa em seguida pelos funcionários do aterro.

Por trás desse fogo, além do gás, fervilham também muitos planos. Em breve, essas discretas chamas na antiga Vila dos Pinheiros, município de Caieiras, poderão permitir que, a 10 mil quilômetros daqui, na longínqua Bélgica, uma termoelétrica possa seguir funcionando a pleno vapor, excedendo sua cota de emissão de gases do efeito estufa. Esse estranho casamento planetário é possível graças ao mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL), pelo qual, evitando-se emissão de gases num lugar pode-se liberá-la noutro completamente diferente.

Ao obterem a concessão ambiental do aterro privado, a Vega e a Cavo, as duas empresas que o operam, comprometeram-se a queimar 20% do metano gerado pelo lixo, evitando que ele se transforme numa imensa bomba de gás. O equipamento de sucção deverá extrair 80%. A diferença se transformará em crédito. A Vega pertence ao Grupo Suez, da França, que também é dono da Electrabel, que opera termoelétricas na Bélgica. Ela poderia ficar com os créditos. Mas o presidente da Vaga, Lucas Quincas Radel, conta que está sendo assediado também por compradores europeus de fora do grupo. "Estamos em plena negociação", anima-se.

 

O Aterro de Caieiras ainda é uma promessa. Mas, antes mesmo de o Protocolo de Kyoto entrar em vigor, colocando oficialmente em marcha o MDL, já há no Brasil operações em pleno andamento.

Foto: Filipe Araújo/AE

Lourival Santana
 


O Estado de São Paulo