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23/07/2007
Lembranças da “Curva”

Sou nascido e criado no bairro da Curva, onde residi até os 20 anos, mudando-me em 1966 para Perus, em função da aposentadoria de meu pai.

Trabalhei na Melhoramentos por pouco tempo, pois em função dos estudos e de uma boa chance que apareceu, passei a trabalhar na cidade de São Paulo, coisa que muitos jovens da minha época fizeram naquele período. Trabalhar “na cidade” passou a ser uma boa alternativa, em função da proximidade das escolas técnicas e de engenharia.

A Curva, para quem não conheceu, era uma vila a 1,5km da Fábrica de Papel em direção a Caieiras, junto aos trilhos da ferrovia da CMSP, que ali fazia realmente uma “curva” em 180 graus. Era formada por 16 casas, divididas em 3 grupos: 1 grupo de 2 casas bem no alto da vila, e mais dois grupos em “L”, com 6 casas cada.

Tive realmente uma infancia privilegiada, e passava boa parte do dia comendo ingás e araticuns (ou fruta do conde). Via de regra, eu passava o dia quase sempre na “Séde”, ou seja, no clube do CRM, onde era grande a quantidade de árvores frutíferas.

Aos 6,5 anos de idade entrei na escola. Minha professora da 1ª à 3ª série foi a Dna. Marina, e o professor da 4ª foi o Sr. Antonio, homem extremamente enérgico, difícil de se imaginar nos dias de hoje.

Sinto saudades do “Alfredo Weisflog”, cujo prédio pelo que sei, foi mantido.

Meu pai, o Lucio, trabalhou a vida toda na CMSP, como operador de holandeza. Acabei herdando o gosto pelo trabalho no ramo do papel, e hoje sou consultor em indústrias papeleiras, depois de trabalhar quase 25 anos na Voith, no Jaraguá.

Também em função de ter morado 20 anos ao lado da ferrovia da CMSP, acabei “contraindo” uma paixão muito grande pelo transporte ferroviário, e hoje curto muito o tema, seja por ferrovias em escala real, ou através de miniaturas, o hobby chamado de ferreomodelismo.

Quando não estava no mato ou no CRM, gostava de ficar na “área” de minha casa, para ver a “maquina” como era chamada, passar nos horários das escalas da fábrica e escritórios da CMSP. E não eram poucos os horários: o do pessoal que entrava às 06;00hs; do pessoal que entrava às 07:00hs; o horário do almoço dos escritórios; tinha o do pessoal que entrava às 14:00hs; o do pessoal que saía às 17:00hs (escritórios e oficinas); e o do pessoal que entrava às 22:00hs...

Além disso, existiam os horários das “jardineiras”, compostas por um veículo adaptado para tracionar um carro de passageiros.

Lembro-me do nome do pessoal de operação dos trens: os mais antigos eram os Del Porto (Mario e Aristides), depois vinham o Bonini, o Gamelão, o Gardim e o Serigatti. Os “brequistas” eram o “Tunga”, o Jaú, o Romualdo e o Nicanor. Talvez eu esteja esquecendo de algum...Ah, os motoristas das “jardineiras” eram o Fena Flor e depois o Tuio.

A “Curva” era um local de constantes descarrilhamentos, e eu fui responsável por alguns deles: vivia colocando objetos na linha, e me escondia atrás da cerca de minha “horta”, para ver os resultados. Pobre do sr. Fena Flor, passava pela Curva sob tensão total...não foram poucas vezes em que meu pai foi “chamado ao escritório” para receber as devidas advertências...(que depois me eram repassadas, em forma de homéricas “tundas”...

Não cheguei a ver as locomotivas a vapor, pelo menos não me lembro delas, em minha infância já trafegavam as locomotivas diesel de nº 9 a 12. A 9 e a 10 eram cargueiras, marca “Porter”, e a 11 e 12 eram encarregadas dos trens passageiros, eram baixas e largas, marca “Krauss”. A única loco a vapor que vi foi a 6, que era muito pouco usada e depois foi sucateada.

Sempre me pergunto onde teriam ficado as fotografias desse material ferroviário. Das “jardineiras” nunca vi uma foto sequer...

Lembro-me que era emocionante ver as jardineiras serem giradas em Caieiras, numa espécie de “prato” ao lado das oficinas...

É uma pena que tudo isso tenha sido demolido. Nada restou, a não ser a nr.10 e um vagãozinho, expostos dentro da CMSP, na “Cerâmica”...

Tarefa também difícil e que exigia treino, era pular do trem quando este passava pela Curva. Em função do aclive que existia dali até a estação Fábrica, os trens tinham que pegar velocidade para poderem vencer a subida. No caso das “jardineiras” era pior, pois eram mais leves e corriam mais.

Aprendi a nadar na lagoa da Ponte Seca, naqueles tempos com águas límpidas.

Os moradores da “Curva” eram os seguintes: nas casas do alto do bairro, sr. Santo Vinci e Dna. Amábile Baboim; nas casas do lado direito da vila: Pascoal Vinci, Reinaldo Lopes, Joaquim “Fragáia”, Lázaro O. Leite, Paschoal Bonavita e sr. Antonio Fracapani; nas casas frontais à linha: srs. Luiz Steincherer, João Govatto, Aristides Carmo Leite (apelidado de “Tchesco”), Luiz Alviane, Manoel Teixeira (vulgo “Mané Funileiro”) e Lucio Rodrigues.

O sr. Aristides era “revendedor” de cigarros que comprava a granel na Lapa, e seus cigarros (sem marca) ficaram conhecidos como “Cigarros Tchesco”...

Para mim, a “Curva” perdeu um pouco o encanto quando a “máquina” passou a correr no corte aberto atrás da vila, ali pelos anos 50, para facilitar o traçado da ferrovia. A retirada dos trilhos da frente da “Curva” isolou-a um pouco.

A “Curva” também foi um celeiro de bons craques, destacando-se o Alóis, o Heitor, o “Bauru”, o “Banha”, o “Febre”, o Leonardo Vinci,  e especialmente a boa safra de arqueiros: O “Tibúrcio”, o “Risquim” e o “Sebo”...

Passei por ali recentemente e doeu ver o meu mundo de infância totalmente alterado: o que era uma área enorme, parece ter encolhido, nada ficou, nem sequer consegui reconhecer a enorme figueira que ficava no centro da vila...Das casas nada restou, apenas entulhos amontoados aqui e ali...o enorme e amedrontador Juqueri virou um córrego. A enorme volta que ele fazia lá perto da Ponte Seca, sumiu...    

Bem, espero numa próxima oportunidade, contar mais alguma coisa da minha querida “Curva”...

Nilson Rodrigues