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28/05/2008
Molecagens com o Marcos Muniz

Comenta-se vez ou outra que as crianças de agora não tem infância e isso é verdade. Com transito de veículos por todas as ruas, distrações eletrônicas, o medo implantado nos pais pelas notícias de crimes, seqüestros, estupros e todos horrores desta época, tudo fez com que as crianças perdessem seus espaços e seus tempos e a única oportunidade de como crianças serem e viverem. Ficam mais desaparecidas das ruas e presas em suas casas. Até na escola as mães as vão levar e depois buscar. Uma grande parte dessas crianças é forçada a ter outras atividades instrutivas ou esportivas além das já existentes em suas escolas oficiais. Por isso alguém já escreveu que essas crianças aos dez anos já são velhas, pois, crianças mesmo, esse modernismo e esse “progresso” não permitiram que fossem.
O contrário a tudo isso é demonstrado numa das lembranças do passado de quando os garotos tinham transito livre por onde fossem e como costume local caminhavam descalços pelas ruas e quando se embrenhavam pelas matas. Para seus folguedos as crianças sempre estavam em turmas. Difícil, era alguma brincar só, e o sentir-se só não existia. Um personagem pitoresco e diferente por causa das suas condições físicas esteve a servir de zombarias para os garotos, isso porque, quando embriagado, o que lhe era habitual, ele proferia muitos impropérios e isso era um deleite para os meninos se divertirem. Uma de suas penas era de pau porque a verdadeira fora cortada num acidente ocorrido com o trenzinho “Perus a Pirapora” assim como era chamado e que pertencia a Fábrica de Cimento Portland Perus, este, sendo um bairro de São Paulo vizinho do município de Caieiras. O nome do personagem era Marcos Muniz.
Solteiro tendo já os seus quarenta anos ou mais, ele ao caminhar com dificuldade apoiado em sua rústica bengala de pau, se sentava ou se deitava em qualquer trecho da rua e lá ficava por horas até quando sua embriagues passava. Era quando os garotos se aproximavam e o provocavam. Quantas e quantas vezes ele nos ameaçou bater com sua bengala. Ele demonstrava ser revoltado e não era para menos. O acidente que sofrera lhe impediu bons prognósticos para o futuro. As conversas com ele podiam ocorrer normais. Ele se dispunha a isso quando queria, mas, sempre era traído pelos garotos que mais queriam vê-lo em suas iras extravasadas. Eram mais engenhosas para provocarem gargalhadas. Para isso fácil era provocá-lo com ofensas tipo, você é tonto, mentiroso e outras. E de preferência quando era percebida a aproximação de alguma senhora do lugar. Já esperada a reação dele, ela era desprovida de recuos diante de quem quer que fosse e não deveria ouvir tão baixas verborragias, isto é, palavras de baixo calão.
Certa vez, com a aproximação de uma senhora alemã esposa de um “chefe” da Indústria Melhoramentos e de sua filha já moça, a provocação foi feita e os tantos palavrões demorados e contínuos repercutiram tão alto que as duas ficaram em estado de espanto. Ainda me lembro dos olhares das duas como se fosse hoje. Ficaram indecisas se continuavam a passar ou não por entre nós ou se deveriam retroceder. Nos restou um temor se o fato poderia ficar sendo do conhecimento dos componentes da diretoria da Industria Melhoramentos e nossos pais serem chamados por eles para, por nossa culpa, eles serem repreendidos, mas, tal não aconteceu.
Hoje, depois de tanto tempo passado, lembrar fatos que eram motivo de tristeza para uns e os mesmos eram motivos de brincadeiras para outros, isso, era comum entre garotos saudáveis e inconseqüentes. Quem ainda mantém pelo menos um pouco da empatia humana por um semelhante, se emociona ao se lembrar de personagens como o Marcos Muniz, que, lesado de melhores probabilidades futuras se viu só e consolado por momentos de esquecimento que o álcool promove. Apesar das brincadeiras de mau gosto, alguns garotos daquela época fizeram com que ele também às vezes risse, se descontraísse e não o deixaram passar despercebido como assim davam a entender os adultos.

 

Altino Olympio