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11/12/2009
O mundo parou...

Foi necessário muito tempo de preparo para o grande dia. Os “guardas” da portaria de entrada do território particular da Indústria Melhoramentos de Caieiras tiveram trabalho dobrado ao dar acesso a tantos veículos com pessoas estranhas para eles. Todas se dirigiram para o extinto Bairro da Fábrica onde, além dela, só a antiga escola permanece intacta. O primeiro a chegar foi o Oswaldo Correa Miranda, ele esteve a recepcionar todos, pois, foi o organizador do evento, como também, tem na internet na sua página do Orkut uma comunidade chamada “Eu morei no Bairro da Fábrica”, já “visitada” por muitos nativos de outrora. Entretanto, na escola, os espaços foram insuficientes para conter o acúmulo de tantas pessoas. Todas conversaram entre si naquele se rever e mesmo naquele se reconhecer, pois, o tempo esteve modificando as fisionomias. Muito se ouvia “você se lembra daquela vez, lembra daquela briga no recreio, daquela professora, do diretor, das auxiliares que cuidavam da escola, e etc.” Ri quando alguém falou pra outro: aqui era o “pau da bandeira”. Até se lembraram daquele abrigo ou coreto onde eram distribuídas aquelas “bolinha de óleo” que causavam diarréia (risos). Ninguém esteve em suas situações presentes, todos estiveram em seus passados. Nomes e mais nomes foram lembrados, bem como, aqueles que infelizmente já partiram e muitos só então souberam. Como num contágio a harmonia entre todos foi tomando conta naquele encontro de ex-alunos e de ex-moradores que há muito tempo não se viam. Eles vieram acompanhados de cônjuges, filhos e netos e logo todos se tornaram íntimos como se fosse uma única família. Alguns compareceram mesmo estando com dificuldade de locomoção devido a problemas com a saúde. Os mais descontraídos brincavam entre si ao se observarem barrigudos, com cabelos brancos ou carecas. Circulando entre eles suas fisionomias era um provocar na lembrança a imagem de seus pais. Às vezes num estado absorto e alheio aos presentes vinham “doces” recordações das que foram namoradinhas mesmo sem elas saberem. As portas da escola se abriram e todos foram se recordar nas salas de aulas. Ao todo são quatro e, curioso, quando criança elas pareciam ser mais amplas. Surpresa! Todas as paredes estavam repletas de fotos de alunos e de todas as suas professoras de ambas as escolas da região --como o Oswaldo teria conseguido isso? Noutra sala fotos das antigas vilas que compunham aquela Caieiras do passado, existente agora só na lembrança: Vila Pansutti, Ponte Seca, Vila do Escritório, Bairro Chique onde está a escola, Vila Pereira, Vila Nova, Ilha das Cobras, Vila Leão, Vila Eduardo, Tico-tico, Monjolinho, Tanquinho, Sobradinho, Olaria, Horto, Aldeia, Vila do Tancão, Vila Florestal, Calcária, Bonsucesso, Cerâmica, Vila da Linha da Maquininha, Vila Kohl, Charco Fundo, Rua dos Coqueiros, Barreiro, Barreirinho. Locais não tendo fotos foram eles extraídos da memória e reproduzidos por pintura pelas conterrâneas, Zenaide da Rocha Massimelli da Silva e Cynira Nicola Lopes, até mesmo o pau-de-amarrá-égua, local este de encontro entre amigos para depois se dirigirem para outros lugares previamente combinado. Sobre uma escrivaninha antiga estavam expostos antigos materiais escolares: Lápis, apontador, borracha, régua (aquela comprida das professoras usada às vezes para palmatória não vi), livros de história, de geografia, de ciências, de matemática, de gramática. Vidros de tinta e penas para escrever com ela, aquelas de metal que se encaixavam num suporte de madeira. Mataborrão, este nome por si só se explicava pra que servia e isso, antes das canetas esferográficas “bic” que vieram a existir. Emocionou mesmo rever a cartilha do primeiro ano escolar. Do A ao Z cada letra do alfabeto tinha destaque no início da página e a seguir palavras iniciadas por elas. Rapidamente a memória trouxe a emoção contida naquele quando criança folhear suas páginas. Depois, um olhar pela sala de aula procurando o passado, ele reapareceu dispondo as carteiras em seus lugares e nelas os alunos e alunas de então, no como eram quando crianças na pureza e ingenuidade que foram. Naquela emoção de todos ao se reverem e reviver o passado, um odor invadindo as narinas trouxe na mente as festas de “primeiro de maio”, dia do trabalho. E não era pra menos, o aroma convidativo era proveniente de uma barraca instalada num espaço fora da escola. O paladar que também tem suas memórias pode, depois de muitos anos, novamente degustar sanduíches de salsicha, tipo “Santo Amaro” fabricadas especialmente para a ocasião. Nessa outra surpresa, entre chopes e conversas relativas ao que as “salsichas” trouxeram à recordação, todos, defronte à barraca e aos arredores mais se irmanaram. Os espaços externos da escola foram ocupados pelos presentes, que, sentados ao chão trocaram quitutes que trouxeram, bem como, iam e vinham da barraca saboreando churrasco. Todos se fotografaram juntos e foram registrados em vídeo. Assinaram um livro de presença e escrito deixaram uma mensagem sobre o evento. Ninguém queria se retirar do local quando o mundo pareceu estar parado e esquecido das contradições a que estamos expostos diariamente. Com o sol já se escondendo no oeste, o silêncio esteve sendo o vazio deixado por todos que compareceram e aos poucos se retiraram. O Oswaldo e sua família foram os últimos a deixar o local. Uma melancolia já estava a substituir aqueles anteriores momentos tão venturosos e fugazes. A terna melancolia posterior que teria existido se tivesse mesmo existido esse evento de reaproximação entre todos, ingressos agora na escola da vida. O tal “encontro” aqui narrado foi uma ficção. Apenas foi um atrair para as origens e momentaneamente “ver” lugares e pessoas com quem no passado convivemos.


Altino Olympio