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Na fábrica não tinha veado, só na mata

Devaganeios

À tarde o sol era quente e quando ele não estava frio ele esquentava a gente. Quando eram duas horas da tarde não sabíamos que era quatorze horas. Isso ninguém ensinava e pra que? A hora não passava, demorava. De nós falavam mentiras dizendo que éramos caipiras. Tinham inveja de quem era de Caieiras e por isso falavam besteiras. O lugar era privilegiado e lá não tinha viado. Eles ficavam no mato aonde quem ia, saia de lá com carrapato no saco ou, se fossem moças que a gente se apaixona ela sairiam do mato com carrapato na xana. As mulheres eram simples como a vida caminha, pois, usavam calcinhas feitas com tecido de saco de farinha. Os homens que cuidavam de horta eram porque a potência já estava quase morta. O lugar era como uma escola, sem violência e sem transparência só poucos usavam a pistola. As mulheres se cuidavam e não era para qualquer um que elas davam. Não minto ninguém sabia o que era pênis, mas, sabiam o que era pinto. As mulheres quando sentadas tinham juízo, não abriam as pernas para não mostrar o paraíso. Lá não tinha adultério e se tinha era um mistério. Tinha um padre que usava batina e só escolhia mulher que pra ele não era cretina. Tinha uma capela no morro e pra subir até lá a gente pedia socorro. Os meninos empinavam papagaio no morro porque seus periquitos ainda não empinavam. Para os meninos nada alguém faria porque não se sabia o que era pedofilia. Lugar com muito pé de abacate difícil era lá ter alguma biscate. Lugar bom que faz sonhar só não tinha com quem transar. Todas as moças eram virgens para o matrimônio e isso irritava qualquer demônio. Tinha uma piscina de alemão pra gente fresca, os inferiores iam nadar na Ponte Seca, ou então o que era bom iam nadar no Tancão. Lá tinha o Rio Juquery que passava fedendo pra ninguém ri. Ninguém ligava pro fato se alguém defecava no mato. Havia pouco crente que parecia ser diferente da gente. Umbanda se tinha era em outras bandas e como o pensamento conduz só tinha em Perus. Tinha dança de São Gonçalo, depois a gente bebia e o que se fazia eu não falo. Tínhamos também festas de igreja que são saudosas e só lá víamos mulheres gostosas. Nossos bailes eram diferentes, não se podia encochar mulheres amigas da gente. Tínhamos Festa Junina com fogueira, se comia pinhão, batata doce e se peidava a noite inteira. Pior ainda quando depois se ia dançar, não se conseguia segurar. Pena é que pegou fogo o nosso cinema, muito triste, mas alguns riram como hiena. E o trenzinho então que era chamado de maquininha, não tinha lâmpada pro escuro e a gente sem enxergar até podia conversar com um burro. Jornal... Tivemos também, mas, só para assinante que não sabia que isso era insignificante. Namoro primeiro era no portão, só bem depois ia pra sala. A futura sogra dava café, o namorado trazia bala marca Paulistinha e na despedida o namoro ia pra área. Lá se o rapaz fosse respeitador iria ganhar o apelido de “pato” e se ela fosse muito carinhosa iria ganhar o apelido de “galinha”. Era muito romântico aquele tempo. Quando a fábrica apitava... Mas que saco, o que mais está querendo saber? Já contei quase tudo. Por acaso está querendo história pra inserir no jornal do Estanguelão? Bem, pelo menos são no jornal dele que podemos ler as “aventuras” de pessoas de um povo que, estão desaparecendo e não estão deixando os mesmos exemplos para seus descendentes seguirem. Coitados, não terão histórias para se lembrarem de seus passados quando envelhecerem.

                                                                                             Altino Olympio