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O apito da fábrica

O apito da fábrica

Nenhuma notícia local ruim a aborrecer. Era um mundo dentro do mundo onde todo mundo daquele pequeno mundo vivia feliz nele, indiferente a amplidão do mundo externo. O rádio sonorizava a região com o cantor Francisco Alves, o rei da voz cantando a música Aquarela do Brasil: “Brasil, meu Brasil brasileiro, meu mulato risoneiro vou cantar-te nos meus versos...” Às dezessete horas era o programa de boleros quando se ouvia entre outros, o cantor Gregório Barrios a incitar devaneios de amor nos corações românticos. As ruas de terra tornavam visível o vento misturando poeira nele e ele era a orquestra para acompanhar o dançar das matas que, ao agitar, cantavam. As ruas mais eram para o transito de pessoas a pé e por onde mais se encontravam, paravam e conversavam.  Era o tempo de quando todos se conheciam, todos se viam e todos se ouviam. Nos lares o silêncio dava destaque no marcar do tempo pelos relógios despertadores com os seus tique-taques. As seis, as sete, as onze, as doze, as quatorze, as dezessete e por último às vinte e duas horas, os apitos da fábrica de papel pareciam, por instantes, o recobrar da nossa consciência para nos lembrar da nossa existência. Pareciam também o marcar das horas, dos dias e dos meses a terem fim no dia de Natal e o tudo recomeçarem no primeiro dia do ano novo. Aqueles Natais dos manjares brancos caseiros com ameixas em calda são paladar memória. Naquele lugar onde a inocência em toda gente tinha a sua permanência, só de longe e pelo rádio se ouvia fatos de violência. “O crime não compensa” era o nome de um programa de rádio imitando um tribunal a julgar um assassino. Detalhes de seu crime eram “dramatizados” e ao fim ele era condenado. Sempre o programa terminava com esta advertência para o acusado: o crime não compensa. O rádio talvez fosse à única tecnologia ao ausentar um dos outros de seus convívios íntimos, naqueles idos tempos, quando, os tique-taques dos relógios nas residências e os apitos da fábrica provocavam maior percepção daqueles vividos presentes na consciência com o passar mais lentos deles como assim eram eles naqueles tempos de outrora.

                                                                                                   Altino Olympio