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No balanço das confusões

No balanço das confusões

Presenciei certa vez no Clube Recreativo Melhoramentos do Bairro da Fábrica uma cena que me marcou profundamente.Não foi uma grande jogada de futebol e nem uma grande “tacada” dos mestres do snooker. Estávamos num bando de moleques brincando no pátio das balanças, como sempre, entre crianças de diversas “castas” da Indústria Melhoramentos.
Não me lembro exatamente porque, mas, houve um pequeno desentendimento entre um dos filhos do farmacêutico Sr. Ezequiel e um menino da Vila da Ponte Seca, chamado de Darci. Seu sobrenome deveria ser Ambrósio, pois, era filho de um senhor com esse nome. Ele era empregado da indústria para o trabalho de conservação das ruas locais. Nós garotos jocosamente chamávamos de “Rei da Estrada” o Sr. Ambrosio, não porque trabalhava na conservação das ruas, mas, porque, dirigia de forma atabalhoada sua bicicleta. Encontrá-lo por aquelas ruas e se não saísse rapidamente de sua frente seria uma “porrada” inevitável. Voltando ao Darci, ele era considerado pobrezinho, pois, na escola seu lugar era numa fileira de carteiras apelidadas de a “Fila da Caixa”. Tal fileira parecia ser destinada para as crianças cujos pais tinham na indústria os empregos mais simples ou humildes. Retornando à escaramuça do local dos balanços, o filho do farmacêutico e o filho do Senhor Ambrósio estavam quase chegando “as vias de fato”, quando apareceu o famoso “Batistinha”, mais conhecido como “Tita”. Ele era da elite dos “paudáguas” e chegando cambaleante tomou as dores do filho do farmacêutico empurrando pro lado o Darci proferindo uma frase com uma palavra no final que eu até então desconhecia: “Sai prá lá, seu ANDEJO!” (Andejo: aquele que anda ou viaja muito, mas, a frase do Batista foi no sentido ofensivo, depreciativo).O Darci não se conteve diante da ofensa e magoado, caiu num pranto tão intenso que até hoje me emociono quando lembro desse fato. Sem dúvida foi à primeira das violentas demonstrações de discriminação que eu assisti em minha vida. Se este fato acontecesse nesta época e com o Batistinha ainda vivo, com certeza ele poderia “pegar uma cana” se o Sr. Ambrósio (se este também ainda estivesse vivo) o delatasse para polícia.

                                                                                                          Nilson Rodrigues