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11/12/2006
Somos Apenas Eventuais – Parte 2

Caminhando por uma imaginação inaceitável, vamos supor que um homem tendo nascido neste nosso país, só aqui tendo vivido e adquirido “uma programação” ou condicionamento igual ao exemplificado na parte um deste tema, na hipótese dele, por algum acidente ter perdido os registros de sua memória, aquele seu “quem e como é” poderia ser modificado. Esquecendo-se do próprio nome, da existência da esposa e dos filhos, de seus pais, parentes e amigos, profissão, religião e tudo o mais, e se numa outra hipótese, por algum engano, ele fosse levado para outro país, lá teria que continuar a viver a partir do seu estado vazio da memória. Começaria tudo de novo. Primeiro por aprender o idioma, simultaneamente, talvez, com a religião muçulmana do país. Se o regime do país for ditatorial, é possível que venha a idolatrar o seu ditador. Iria adorar a Maomé e não a Jesus. O alcorão seria o seu livro sagrado. Seria tudo o que antes de perder a memória jamais gostaria de ser.

É, não deveríamos nos regozijar pelo que pensamos que somos. Poderíamos ser outra criatura bem diferente se a “eventualidade” do nascimento nos tivesse nascido em outro ambiente, em outro povo e em outro país. Tudo o que psicologicamente somos, o somos apenas em parte do nosso próprio esforço. O restante, a maior parte do nosso condicionamento psicológico, nosso modo de ser, nos veio da herança genética até ao atavismo e, muito mais, do meio ambiente em que vivemos, donde sugestões e influências são muito fortes para suscitar um padrão de existência nivelador das massas humanas. Então, “o homem é o que ele é não porque o que ele é, só ele o é como quer”. Se despojássemos um homem das influências de seu meio ambiente que muito nele e ele é, pouco ou nada lhe restaria para ser com o que só consigo mesmo ele é sem as influências que mais são o que ele é. Com tantos estímulos sugestivos, influenciadores e ininterruptos desta época, ao aceitarem e se identificarem com eles, muitos se transformam em “esponjas” que sugam o que virá a constituir aquele “ele é o que é” de cada um.

Nós somos “pedaços” da vida, entretanto, entendemos como uma vida inteira o período de nossa curta existência. Se “vida apenas é momentos no tempo”, só somos perceptivos dela e dele quando ela está em nós vivendo nele. Antes de nascermos, um tempo infinito já existiu. O mesmo existirá infinito depois de morrermos. Vida e tempo independem da volição humana. Depois de “sem saber, sem querer” e “eventualmente” nascermos, a nossa vida e o “nosso tempo” só terão continuidade até a nossa morte. Comparando-se ao infinito do cosmo e ao tempo infinito, somos apenas quimeras. Apesar do avançado conhecimento tecnológico e intelectual, não temos sabedoria para entender, se existe, o propósito da nossa existência. Por isso, inventamos deuses por detrás de tudo que não entendemos e criamos “missões” para a nossa vida. Segundo o censo mundial, existem cerca de sete bilhões de seres humanos no mundo e, conseqüentemente sete bilhões de missões a serem cumpridas. Cada uma mais insignificante do que a outra. Por ainda não termos a sabedoria por compreender “de verdade” tudo o que se relaciona com a nossa vida, mais conveniente seria aceitarmos a condição de sermos “eventuais” e nessa prática e humildade de existir, não precisaríamos dos delírios que embotam a mente, e assim, viveríamos mais livres e até felizes.


Altino Olímpio