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20/03/2008
Somos Até Não Sermos

Nosso olhar para os nossos entes queridos já são a lenta despedida deles. Nossas rugas, cabelos brancos e outras deficiências sentidas são os trajes para o dia da última presença. Já perpassa pela mente o pensamento da proximidade da ausência e com essa introspecção nosso olhar com um brilho triste se tornado imperceptível é todo carinho do sentimento envolvendo nossos queridos e eles sem desconfiarem são a inconsciência momentânea do nosso amor e da nossa já saudade deles antes de não mais estarmos com eles.

Antes de nascer, parece que eu estava atrás do mundo e quando aqui entrei, um ser me tornei. Fui feliz criança, brinquei, fui jovem, me diverti, trabalhei, namorei, me apaixonei, me casei e filhos criei. Como num longo caminhar, as cenas locais se vão substituindo e ficando para trás, as fazes da vida se sucedem sem retornar e a última que é a deste presente chama-se recordação. Este presente quase não se sente, parece ser ausente e distante sendo uma trégua para as lembranças do que foi vivido antes. Lembranças... Recordações... Foram fatos acontecidos, acomodados em memórias e elas se transpassam em pensamentos para o mental reviver deles. Fatos passam e ficam os pensamentos deles que, não são mais eles. Pessoas que se foram também foram fatos, deixaram de ser e foram substituídos por lembranças. Pensamento é o artificial reviver psicológico com o que não existe mais. É um atributo humano e parece ser ausente em todos os animais.

Sabemos de dois marcos da existência. Um de quando nascemos e o outro de quando morremos. Entre esses marcos somos e nos sentimos vivos e é o nosso período de vida. Antes do marco inicial nós não tínhamos consciência e enquanto vivos nada temos na consciência do não ser do antes de nascer. No nosso período de vida mais somos dúvidas e incertezas. Às vezes costumamos delegar ao destino os acontecimentos inesperados, tristes ou alegres, e, sobre nossas consecuções, no início não sabemos se empecilhos poderão ocorrer. Somos do querer e depois o mesmo querer não querer mais. Vivemos na incógnita de qual seja o propósito da vida. Nós nos embaraçamos nas filosofias e nas religiões sem pensar ou perceber que podemos estar querendo fugir da morte tendo-a apenas como uma transição para outra existência com ela sendo um refúgio para a nossa consciência e é ela que mais queremos manter. Nós nos gostamos e não queremos desaparecer como tudo que aparece e desaparece, pois, nos consideramos singularidades de um regente, isso, em detrimento de todos os outros seres vivos. Quando ainda não existíamos, naquele nosso não ser de durante o existir de muitos outros que morreram e deixaram de ser, ainda estão eles espiritualmente “povoando” algum lugar imprevisível e invisível como hoje é “esclarecido” por homens às vezes até risíveis? O propósito da consciência humana como temos visto tecnológica e progressivamente é para a sua manifestação aqui. No além só como hipótese. A morte mata a consciência porque ela é desnecessária na invisibilidade do pós-vida. Pra que serviria? Só para manter a individualidade? Isso existe? Existe aqui quando a consciência está revestida de um corpo e só com ele ela é individualidade, sem ele é impossível para a nossa percepção. O mais plausível é que “somos até não sermos” e isso implica o desaparecer do ser igual ao anterior estado de não ser de antes de nascer. Irascível, o instinto de autodefesa atua na emoção e ela influencia o intelecto para criar paliativos contra a certeza da morte e é quando inventamos possibilidades para uma existência extracorpórea. Tudo que vive morre, então, do ser ao não ser é só um retorno ao não ser de antes de sermos. Havia preocupação por existir ou não existir?

Altino Olímpio