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08/05/2012
De médico e louco , todo mundo tem um pouco !!!!

Coisa maravilhosa é andar por este mundão afora, conhecendo novas paisagens, novas pessoas e novas culturas. Por onde eu passo gosto de especular sobre as coisas locais, gosto de conhecer as histórias e a origem do que vejo. Meu pai dizia que eu era muito curioso, quando pequeno, pelo fato de ficar o tempo todo fazendo perguntas. Ele tinha razão, pois continuo do mesmo jeito.

Há mais de trinta anos, quando eu ainda trabalhava no interior do norte de Goiás, antes da criação do Estado de Tocantins, deparei-me com uma figura humana diferente de todas que já havia conhecido até então. Zé Doca era seu nome, um típico sertanejo da pele queimada pelo sol, em pela labuta diária, em sua pequena lavoura de mandioca, batata doce e banana da terra.

Na pequena horta, apenas cebolinha, coentro e couve. Couve porque dava pouco trabalho e as folhas cresciam rapidamente após serem colhidas. Coentro e cebolinha para as peixadas que preparava com maestria.

Sua casa, feita de taipa e coberta de folhas de babaçu, ficava há mais ou menos um quilômetro da margem esquerda do Rio Tocantins. Casa esta, agradável e aconchegante, apesar da extrema simplicidade. Situada entre frondosas mangueiras jaqueiras e jambeiros tinha um jeito caboclo de ser!

Ao fundo, tinha um pequeno chiqueiro de porco onde engordava seus capados, e ao lado um galinheiro surtido de aves, como ele dizia. Além de vários atributos, era também conhecido como um ótimo cozinheiro, principalmente, no preparo de galinha caipira, mocotó, buchada de bode e peixada de tucunaré.

Não tinha propriamente um restaurante, mas servia refeições aos viajantes que o procurassem desde que fosse avisado com pelo menos um dia de antecedência. Prazo este necessário para que providenciasse os ingredientes dos pratos. Talhares? Apenas um prato e uma colher. Facas de mesa e garfos, nem pensar!

 A água retirada de uma cacimba rasa era servida em pequenos canecos de lata de massa de tomate com alças, feitas por ele mesmo. Detalhe importante: tudo era muito asseado. Suas frigideiras e panelas eram areadas diariamente.  Brilhavam tanto, que seus fundos se transformavam em verdadeiros espelhos - dizia o matuto!

Zé Doca era conhecido também como curandeiro e adivinho. Conhecia os remédios e os segredos das ervas como ninguém. Tinha receita de cura para todas as doenças. Consultado com freqüência sobre os mais diferentes assuntos como: clima, casamento, doenças e mortes, não vacilava, e, os fazia com extrema segurança.

Seus conselhos eram dados em forma de rima. Quando alguém lhe procurava para saber se podia iniciar o plantio de uma determinada cultura ele levantava a aba do velho chapéu de palha, fechava um olho, olhava para os quatro cantos do céu e mandava: - pode plantar, serração na serra é chuva na terra. Ou quando dizia o contrário: “planta não, nuvem baixa é sol que racha”. Numa ocasião presenciei uma consulta feita a ele, se iria ter enchente naquele ano e ele emendou: - quando o jacaré faz ninho longe do rio, vai cair água que nunca se viu.

Gravei várias de suas pérolas, mas, com o tempo, algumas foram esquecidas. Ainda sobre chuva dizia: - aleluia (cupins alados) e formigas voando é chuva chegando.  Se fosse ou não fazer frio ele dizia: - quando o ipê, cedo, floresce é frio que ninguém esquece. Questionado o porque do cachorro estar uivando tarde da noite e ele emendou: - cachorro uivando na escuridão é sinal de solidão.

E para fechar com chave de ouro, certa ocasião um vizinho lhe indagou se o casamento do seu filho daria certo. E o nosso sábio Zé Doca emendou: - moça respeitosa, trabalhadeira é casamento pra vida inteira.

E VIVA O SÁBIO ZÉ DOCA!

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Osvaldo Piccinin