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08/05/2012
Fogão de lenha

Lá na roça, todos os sábados, meu pai tinha que rachar lenha para a semana inteira. Nosso fogão ocupava um lugar estratégico na cozinha, afinal, era o nosso principal utensílio. Naquele tempo não tínhamos chuveiro, telefone, fogão a gás, máquina de lavar roupa, microondas, ferro elétrico, ventilador, ar condicionado e televisão.
  Tínhamos sim, um fogão à lenha de quatro bocas, todo revestido com vermelhão - mistura de cimento com tinta Xadrez. Sua chaminé era perfeita, não saia uma “gota” de fumaça para dentro da casa. Num canto da cozinha ficava a lenha empilhada e bem cortada a machado e algumas palhas secas de milho para ajudar o início do fogo.
  Sobre o fogão, tinha um varal de madeira amarrado com arame ao caibro do telhado. Lá eram penduradas as lingüiças frescas para curar e algumas cascas secas de laranja para ajudar acender o fogo em dias de chuva, caso a lenha estivesse úmida. Em seu forninho eram assados frangos e leitoas em dias de festa, bem como os amendoins com casca que meu velho adorava torrar.
  A cozinha era ampla e numa mesa retangular com seis cadeiras fazíamos todas as refeições.   Um único “bico” de lâmpada pendente de baixa voltagem iluminava nossa cozinha. Neste fio elétrico as moscas domésticas disputavam espaço para o pernoite.
  Outros móveis faziam parte do ambiente: uma prateleira para guardar os talheres e panelas – a nossa tinha uma cortininha de plástico para conferir certa discrição -, e um guarda-comida, peça esta, tipo armário com telinhas de arame nas portinholas superiores – para as moscas não entrarem em contato com alimentos ali guardados.
  Nossa dispensa - um quarto para guardar os mantimentos - ficava contígua à cozinha. Ali ficavam as latas de banha de porco usadas tanto para frituras, como para conservar as carnes suínas fritas. Também guardávamos ali sacos de arroz, feijão, açúcar, sal, farinha de trigo, réstias de alho, cebola, garrafas de mel, sabão de cinza e querosene para as lamparinas.
  Chovia muito, o dia estava nublado e estávamos perto do Natal, notei meu pai muito pensativo, em profundo silêncio. Sentado num caixote de madeira, olhava fixamente para as labaredas do nosso fogão, que nos trazia muita paz com as cores alternando-se entre o amarelo e o azul. 
  Naquele momento de reflexão, imaginava o que nos daria de presente de Natal, pois estava diante de uma situação financeira arruinada, devido à uma frustração de safra. Deixar de nos presentear seria um trauma maior pra ele do que pra nós - eu tinha certeza disso.
  Dirigindo-se lentamente para o nosso paiol e de posse de umas tabuazinhas e algumas ferramentas fez aquele que viria a ser o melhor presente de Natal de toda minha vida - um rústico caminhãozinho de madeira feito com muito amor.
  Foram noites a fio, trabalhando discretamente para que eu não pudesse ver antecipadamente meu futuro presente - pois acreditei em Papai Noel até aos dez anos de idade. No dia 25 de dezembro ao acordar deparei-me, ao lado de minha cama, com o “cara chata” sobre meu único e surrado par de sapatos. Não dá para descrever a alegria que senti!
   É inesquecível o aroma de feijão “rosinha” cozido junto com pés, courinhos de porco e jabá num fogo brando - numa panela de ferro. Depois era só temperar com bastante alho e dar uma amassadinha para engrossar o caldo. Só de lembrar me dá uma coceirinha no nariz e me aguça o apetite.
  Fogão amigo, o calor quase humano emanado de suas brasas e labaredas me aqueceram o corpo e a alma de criança. E sua charmosa chaminé, forrada de picumã, por onde passava o Papai Noel com meu sonhado presente de Natal me traz gratas recordações.
E VIVA O FOGÃO À LENHA!
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Osvaldo Piccinin