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09/05/2012
Rugas do tempo

Gosto de apreciar o entardecer, assim como ficar horas a fio vendo a chuva cair. Não me incomoda o zunido do vento forte na minha janela.  Também aprecio muito ver o raiar do dia, principalmente, quando estou no Pantanal, nagevando nas águas turvas do Rio Paraguai. “Para mim o vento que assobia é cantiga de ninar”.
Nestas horas não tenho dúvida da existência de Deus.  Sinto sua onipotência em cada gesto da natureza. Até mesmo quando ela se apresenta de forma devastadora. “Tudo está no seu lugar - graças a Deus”!
Tive muita pressa de fazer dez anos, quinze, dezoito, vinte e outros mais. Hoje, se eu pudesse, seguraria os ponteiros do relógio para retardar sua toada. O tempo nasceu para passar e cumpre religiosamente sua missão. “É como amar uma estrela que foge ao romper da aurora”! Ele simplesmente passa!
Algum sábio, provavelmente dois deles, um ansioso e o outro, quiçá, vaidoso, inventaram respectivamente, o relógio e o espelho. Estes dois utensílios fazem parte de nosso cotidiano e nos perseguem por toda vida. Somos seus reféns. A rotina diária é sempre a mesma. Acordamos, conferimos a hora, a nossa aparência e vamos a luta.
Checamos se apareceu mais uma nova ruga no velho rosto, mais um cabelo branco entre tantos. No início até nos damos ao luxo de arrancá-los, mas logo em seguida aparecem tantos e tantos, que desistimos.
É imperceptível no nosso dia a dia, só nos damos conta que o tempo passou quando olhamos para as fotos antigas, para nossos filhos e netos. Ele simplesmente passa!
Cismamos da mão que minha velha mãe gostaria de fazer uma plástica de rejuvenescimento. Seu rostinho miúdo e enrugadinho aos de oitenta e três anos, não deixa nenhuma dúvida que o tempo deixou suas marcas. Claro que ela se negou a aceitar nosso presente nos dizendo com convicção, ter orgulho de suas rugas.  Elas são testemunhas, de uma vida, de dedicação à família. Cada vinco de sua face, carrega um pedacinho de sua história que, como filhos, nos enchem de orgulho.
Quando a questionei o porquê dela não aceitar, tive uma resposta simples, mas sábia e verdadeira. Disse-me: - é bobagem tirar as rugas, porque por dentro vou continuar parecendo eu mesma! “Na realidade o tempo não lhe sossega por dentro, da mesma forma que lhe desgasta por fora”!
Ela está certa, afinal cada ruga de seu rosto é um tijolinho que ajudou construir sua longa e bonita história de vida, por vezes - muito sofrida. Com rugas ou sem rugas o mais importante é a certeza do nosso dever cumprido.
Sinto inveja daquelas pessoas que chegam aos oitenta anos com saúde e lucidez. Principalmente, quando criaram e deram uma boa educação aos filhos. Se ainda conheceram todos os netos e não presenciaram nenhum falecimento de entes queridos, aí, sim, é uma dádiva divina!
Se eu tiver a graça de ser um desses, premiados, octogenários - arrumarei minha malinha discretamente e aguardarei o “homem” me chamar, pois creio que nossa cortina se abrirá numa outra dimensão, no cenário na eternidade.
“Afinal não conheço ninguém que ficou para semente. O tempo é o bem mais precioso que existe. Podemos ganhar mais dinheiro, mas nunca mais tempo”. Ele simplesmente passa!
E VIVA AS RUGAS DO TEMPO!
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Osvaldo Piccinin