Versão para impressão

09/05/2012
O domador de burro xucro

Nasceu para ser peão, usava botas surradas com saltos pensos para os lados de tanto pisar torto. Fumava um paieiro atrás do outro. Na verdade dizia pitar, ao invés de fumar. Interessante era seu hábito de apertar a brasa do paieiro com a unha do dedão da mão para evitar que o mesmo se apagasse.
Desde menino – no interior de São Paulo – na cidade de Valparaíso, ainda quando sertão, aprendeu a arte de laçar bois e domar animais xucros tais como: burros e cavalos.
Só conversava sobre o que mais entendia – a doma de animais. Só tirava seu velho chapéu marcado nas abas pelo suor da lida diária, quando passava na frente de igreja, quando cruzava com um velório ou diante de um cemitério. Sua guaiaca maltratada, seu esgarçado lenço no pescoço e o rosto com vincos profundos, marcado pelo tempo, completavam a silhueta de um homem forte e confiável.
Dizia-me não guardar mágoas, apesar de não lhe faltar motivos. Ter ressentimentos seria a mesma coisa que tomar veneno e esperar que a outra pessoa morra, dizia-me o velho peão!
Ao referir-se ao seu passado, quase sempre, seus olhos miúdos merejavam e disfarçadamente me dizia estar resfriado ou com ardência nos “zoio”, enquanto as enxugava na costa da mão ou na manga da camisa. Bem sabia ele que: “ a lágrima é o sumo que sai dos olhos quando se aperta o coração”!
Tinha muitas histórias para contar, dizia-me que conversava com os animais antes do início da doma, e nunca os judiava, por isso que uma vez amansados se tornavam dóceis e bons de lida, como gratidão ao amável domador. Nas poucas conversas que tivemos eu viajava no tempo, porque meu pai quando jovem teve seu lado de domador por um período de vida e aquele típico palavreado me soava familiar, além de saudosista.
Por amor à profissão, sacrificou a família fazendo viagens intermináveis, pois sabia a data de sair de casa, mas nunca a de voltar. Certamente por isso, muitos o chamavam de “bandoleiro”, inclusive sua própria família.
Confidenciou-me certa feita, ter sido homenageado por uma dupla sertaneja de renome, através da composição de uma música chamada Boiadeiro do Norte, que ele, com seu velho e desafinado violão insistia em dedilhar sempre que tomava uma boa dose. Dizia-me que bebida de homem tinha que ser pinga, e, das fortes!
Lembro-me apenas de um trecho de sua cantiga: “Eu nasci para sofrer até na hora da morte, eu também queria ser, um boiadeiro do norte. Quando ele dorme em cima do baixeiro, e o seu cavalo ali perto pastando, sua cabocla que ficou tão longe, ele dormindo com ela sonhando”... E assim emocionadamente seguia cantarolando.
Com certeza já partiu desse mundo, quando o conheci já beirava setenta anos. Nesta ocasião, era apenas “retireiro” de uma grande fazenda de gado no Estado do Pará. Vivia só num casebre de pau a pique e queimado lata, como me dizia – fazendo a própria bóia. Como companhia tinha apenas um guaipeca e um papagaio barulhento. Guaipeca valente e caçador de onça dizia-me referindo-se ao seu inseparável cãozinho multi- raças.
Dono do seu próprio destino nutria a esperança de juntar uns trocos e voltar para o pago onde nasceu e lá encontrar tudo como havia deixado; há quase trinta anos atrás – família e amigos. Doce ilusão amigo, o tempo passou.  Nossa história, boa ou ruim, foi ou será escrita nessa breve passagem chamada de vida!
E VIVA O BANDOLEIRO DOMADOR!
[email protected]


Osvaldo Piccinin