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15/09/2015
Professor complacente, aluno incompetente

Seria o aluno hoje apenas uma escarradeira de cuspe ideológico de um professor passivo? Essa pergunta se impõe nos atuais dias em que a penúria na educação pública é considerada a principal enfermidade no Brasil. Da corrupção endêmica nas veias do governo até o sofrível analfabetismo funcional da população (68% - IBGE), o diagnóstico recorrente é a necessidade de investimento na educação para erradicar todos os problemas da nação.No entanto, o tipo de investimento no ensino na maioria das análises é direcionado para mais verba na educação. Nesse sentido, a aprovação da Lei 13.005 /2014 - Plano Nacional da Educação (PNE) -, prevê a aplicação de 10% do PIB na educação - como se uma lei tivesse o condão de resolver os verdadeiros problemas do ensino com uma enxurrada de dinheiro sem critério e em desfavor de uma política de educação aplicada para recuperar as graves deficiências de aprendizado no processo educativo.

A CORREÇÃO: O SABER E O RACIOCÍNIO LÓGICO.

A premissa norteadora da discussão sobre o encaminhamento do ensino deveria ser a correção dos critérios que levaram àquela penúria nas escolas públicas. De uma só penada, é necessário voltar ao básico, ou seja, potencializar a efetividade do currículo escolar e a função do professor no sistema educacional. Deve-se, pois, como ensina Vygotsky, revitalizar os mediadores do aprendizado -, e do aluno, para se cumprir a função da educação. O fio condutor dessa revisão deve ser o fundamento com o qual é possível o desenvolvimento intelectual e de competência do aluno: o gosto pelo saber e a capacidade de raciocínio analítico. Como exemplo dessa tarefa básica do professor, as atividades em sala de aula devem ter uma proposta de resultado prático. Segundo Piaget, a Matemática, por exemplo, é resultado do processo mental da criança em relação ao cotidiano (pensamento empírico), arquitetado mediante atividades de se pensar o mundo por meio da relação com objetos, conjuntos e medidas. Assim, não se opõem Piaget a Vigotsky, tampouco se privilegia o construtivismo, mas, sim, o ensino como forma de educar, formar profissionais, cientistas, pensadores, leitores e cidadãos críticos.

ESTUDO NA ESCOLA, AMOR EM CASA.

Nesse sentido, a escola é o ambiente de crescimento do aprendizado em progressão aferida de forma objetiva: exercícios, testes e provas. Por seu turno, o professor deve ser o mediador que ensina, fomenta e afere o aprendizado, a fim de promover a competência estabelecida para o grau de conhecimento a ser atestado por ele. O aluno, objeto do ensino, deve aprender a lição e progredir na conquista do aprendizado, para ser capaz de formular conceitos e contrapô-los às referências empíricas por meio de testes e de provas. De forma auxiliar e em apoio ao desenvolvimento escolar, a família deve ser a fonte de estímulo ao crescimento intelectual do filho, mediante apoio afetivo, exemplo de ética – para usar a expressão de Gustavo Ioschpe -, acompanhamento do desenvolvimento profissional do nível da educação, e suporte material. Não se deve confundir, assim, a escola como ambiente de troca de afetividade, mas, sim, prioritariamente, como lugar essencial para estudo e formação acadêmica.

SATISFATÓRIO ANALFABETO FUNCIONAL.

Essas premissas parecem ser um tanto óbvias para o fim de se estabelecer um ensino público com efetivos resultados para a sociedade. No entanto, ao se olhar ao redor, elas estão longe de serem aplicadas hoje nas escolas. Parece haver uma proibição tácita, por exemplo, de o professor usar a caneta de tinta vermelha, para corrigir tarefas ou provas aplicadas. Não há aferição de conhecimento, e o aluno sofre a progressão para o próximo nível escolar. A escola, nesse fluxo, parece um curral de vulneráveis de alimentação doméstica, dada a enorme importância à merenda escolar - cujo valor despendido arregala qualquer olho a nu. O aluno segue o curso displicente ao dever de aula e ao dever de casa, pois tanto faz ter um desempenho excelente ou regular. Passa de ano de qualquer jeito. Criou-se a geração do copia e cola, e “vamo embora”.

O INDIGENTE INTELECTUAL, E AS NOTAS DO BIMESTRE.

Por fim, a pergunta inicial pode ser respondida por meio da troca de sujeito na oração, ao se formular se o professor, na hora de fechar as notas do bimestre, teria de achar todos os alunos satisfatórios, a assumir que seria ele, o professor, a escarradeira de cuspe ideológico. Tornar-se-ia complacente com a incompetência do aluno progressivamente catapultado a seguir no seu curso sem conhecer o conteúdo programado para o período averiguado. Em suma, há de se entender que a escola não é um laboratório de aplicação ideológica da teoria do indigente intelectual, mas, sim, a instituição de ensino material e aferível de conteúdo educacional para desenvolvimento de capacidades na vida competitiva em sociedade.

 


Hermano Leitão