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25/03/2006
Novos Remédios para diabetes tipo 2

Três drogas são as primeiras do mercado a atuar no intestino, onde influem na produção de insulina

Três remédios para diabetes tipo 2 prestes a chegar ao País prometem uma revolução no tratamento da doença. Trata-se de uma nova classe de medicamentos, o que significa que agem no organismo de forma diferente das existentes. As novas drogas são as primeiras a atuar no intestino, órgão que, ao lado do pâncreas, participa ativamente do desenvolvimento da diabete.
Os remédios afetam a produção de hormônios chamados incretinas. Esses hormônios são produzidos por células do aparelho digestivo cada vez que nos alimentamos. Do intestino, as incretinas vão para o pâncreas pela corrente sanguínea. Ali,elas se instalam nas células beta e ajudam na fabricação da insulina.
"Não é possível quantificar a participação das incretinas na produção de insulina no pâncreas, mas dá para dizer que sob o ponto de vista fisiológico é um tremendo de um papel", analisa Marcos Tambascia, professor de endocrinologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Numa pessoa normal, o nível de incretina no intestino aumenta cerca de 60% cada vez que ela se alimenta. No diabético, o aumento é de apenas 6%.
Até hoje, os medicamentos para diabete agiam de duas maneiras: estimulando diretamente o pâncreas a fabricar insulina ou melhorando a ação da insulina, ao diminuir a resistência do corpo à sua ação.

Monstro de Gila

Uma das novidades farmacológicas é o fosfato de sitagliptina (nome comercial Januvia), do laboratório Merck Sharp Dhome, o primeiro na área de diabete da empresa. Há menos de um mês ele foi submetido à Agência de Vigilância Sanitária Nacional (Anvisa). No Food Drugs and Administration (FDA), órgão que regula medicamentos e alimentos nos Estados Unidos, a solicitação foi feita em dezembro.
Outro remédio com atuação similar é o vildaglipitina (nome comercial Galvus), da Novartis, sob avaliação do FDA e da Agência Européia de Medicamentos (Emea) desde janeiro e com previsão de chegada à Anvisa ainda neste semestre.
O terceiro na lista é o princípio ativo exenatida (nome comercial Byetta), do laboratório Lilly, que foi aprovado nos Estados Unidos em abril e está com a liberação no Brasil prevista para qualquer momento.
A incretina mais importante no organismo é a GLP-1. Nos diabéticos, sua ação é deficitária. O Januvia e o Galvus tentam reverter este déficit destruindo uma enzima que metaboliza essa incretina, o DPP-4.
"Com a inibição do DPP-4, a vida média do GLP-1 aumenta no pâncreas fica estimulada", explica Antonio Roberto Chacra, professor de endocrinologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "Nunca os medicamentos agiram tão no início da formação da doença no organismo."
Outro remédio, o Byetta, não destrói enzimas. Ele é uma forma sintética da própria incretina GLP-1. Atua imitando sua ação no organismo. A origem desse princípio ativo é inusitada. O composto foi sintetizado de uma substância derivada da saliva do Monstro de Gila, o maior lagarto venenoso dos Estados Unidos, que vive principalmente nos desertos do México. Só no último trimestre do ano passado, o remédio movimentou US$ 49 milhões.
Essas novas drogas prometem ainda outro efeito, a regeneração das células beta. "Ao conseguir preservar essas células, pode-se adiar a administração de insulina ou mesmo eliminá-la", explica Denise Franco, diretora da Associação Diabético Juvenil. Tambascia, da SBD, reforça: "Essa classe de medicamentos tem um grande significado. Existe a possibilidade a longo prazo de prevenir as complicações da doença."
O economista Luciano Pacheco, de 58 anos, descobriu que tem diabete tipo 2 há oito anos. De seis meses para cá passou a desembolsar R$ 600 a cada 30 dias para importar o Byetta. "Deixei de aplicar a insulina rápida (usada para queimar a glicose das refeições)", diz ele.
O Byetta também age na região do cérebro responsável pela sensação de saciedade. Reduzir a compulsão alimentar em diabéticos é importante porque o excesso de gordura nas células dificulta a entrada da insulina. Pacheco, porém, faz uma ressalva: "Perdi a compulsão de comer, mas não emagreci."
A diabete se caracteriza por um defeito no metabolismo da glicose (veja ao quadro abaixo). De acordo com a Organização Mundial de Saúde, o mundo tem 190 milhões de diabéticos - 90% do tipo 2. Em 2030, será o dobro - 366 milhões. Só no Brasil, são hoje cerca de 16 milhões, segundo o maior estudo sobre os fatores de risco para o coração, da Sociedade Brasileira de Cardiologia.

Os três tipos de doença

A insulina é o hormônio responsável por levar glicose até as células. Na falta total ou parcial do hormônio, a glicose fica concentrada no sangue, já que não tem como penetrar nas células.
Há três tipos de diabete. A tipo 1 é genética e a mais agressiva. Nela, as células do sistema imunológico destroem as células no pâncreas que fabricam insulina. Os pacientes precisam receber o hormônio para sobreviver,
A outra é a diabete tipo 2, que evolui aos poucos e é a mais comum - cerca de 90% dos casos. No início, o pâncreas produz quantidades normais de insulina, mas as células do organismo se tornam resistentes a ela. Com o tempo, o nível de glicose no sangue vai aumentando. As células que fabricam insulina no pâncreas vão se tornando ineficientes, até o momento em que o paciente tem de recorrer às injeções do hormônio.
Recentemente, os médicos identificaram outro fenômeno em pessoas obesas. Batizado de diabete tipo 3, é a associação dos sintomas dos tipos 1 e 2. O paciente tem alterações no sistema imunológico e também desenvolve resistência à insulina. Um dos sintomas mais comum é quando o diabético tipo 1 passa a precisar de doses cada vez maiores de insulina.

O Estado de São Paulo