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03/11/2016
Tentações religiosas

Às vezes me vejo a lembrar de minhas andanças pelo passado e fatos vividos vão reaparecendo na minha mente. Garoto de então, foi lá na Capela de São José que ficava no lugar mais alto do hoje extinto Bairro da Fábrica de Papel de Caieiras onde aprendi o catecismo. Foi por iniciativa própria, pois, nunca havia visto, pelo menos por uma vez, o meu pai numa igreja. Talvez por isso eu seja hoje, como é sabido, muito religioso (risos). Mas, juntamente com outros, minha Primeira Comunhão foi realizada na Igreja Nossa Senhora do Rosário do Bairro de Caieiras. Lembro-me que depois houve guloseimas para a meninada no comemorar do sagrado evento. Como “um assunto puxa outro”, o padre daquela época, muito querido e famoso, sempre se reunia com a garotada num páteo plano da igreja para jogar bola e, sem tirar a batina. Época boa de quando pela simpatia e dinamismo do padre ao promover entretenimentos, os jovens frequentavam a igreja, como eu, por ter sido um Congregado Mariano.   

Parecendo ter um ponto fraco como o do “Calcanhar de Aquiles” da mitologia grega, o padre surpreendeu tendo praticado com muito amor o amor ao próximo com algumas mulheres. Parecia não se importar com o Dia do Juízo Final e por isso comecei a pensar que esse tal dia do além fosse apenas uma possibilidade remota. Não soube se o padre em seus sermões dominicais se referia ao adultério. Soube que houve um afastamento dele para que ele se ausentasse da região. Pelo zunzum que ouvi, fora porque ele era um simpatizante do espiritismo. Nunca acreditei nisso, foi apenas um zunzum. Mas, que ele era espirituoso, isso, ele era sim. Ele, tendo partido para sempre do lugar que tão bem conquistou, deixou algumas mulheres “só a ver navios” onde não existia mar (risos). Depois dele houve outro, um padre português que “pisou na bola”, pois, teve que deixar da butina, ou melhor, da batina, porque, fugiu com a mulher que o profanava e já não era segredo. Este texto aqui em curso é “água com açúcar” para quem hoje tenha o hábito de assistir as novelas televisionadas e queira detratar, destituir os fatos que, queiram ou não, foram parte da historia do município.

Histórias “cabeludas” sobre pessoas de qualquer lugar sempre existiram para se contar ou para se evitar. Isso ainda pode deixar qualquer pessoa “com a pulga atrás da orelha” pelo receio de que uma história sobre ela possa ser lembrada abalando sua reputação ou a de algum parente dela. (Risos, e o linguajar do passado misturado com gíria, como acima, bem que era engraçado). Continuando, os anos se passaram e quando as lembranças do padre benfeitor e histórico já estavam quase esquecidas, eu tive a oportunidade de revê-lo por volta do ano de 1965, no Centro da Cidade de São Paulo, na Praça da Sé. La estava eu com minha futura esposa num feriado para assistir a um evento, cuja atração era uma missa a ser realizada para os soldados do nosso exército. A praça toda esteve “tomada” por eles e eram muitos, todos fardados de verde como nunca eu havia visto antes, tantos deles reunidos num mesmo lugar. Estando eu meio “exprimido” numa das calçadas da praça com minha, então, namorada, vi quando quase rente a mim passou, com outras autoridades militares, o padre que tinha conquistado o povo da terrinha donde nasci. Todo soberbo estava ele, fardado também, pois, ele era capelão do exército. Não deu pra ver se foi ele quem conduziu a missa “ao ar livre” daquele dia, ocupado que estive dando mais atenção pra namorada.

Num momento depois se ouviu uma voz ordenando o descansar para os pracinhas que, estavam na “posição de sentido”. Quase todos eles, ao mesmo tempo, ficaram batendo os pés ao chão como para relaxar seus músculos. Isso foi o provocar do barulho de um tropel produzido pelo bater de botas ao solo asfaltado. Minha namorada desatou a rir, porque, brincalhão como sempre fui, falei-lhe ao ouvido, que, os pracinhas, como se estivessem dando coices, eles ficaram parecidos com cavalos. A cena daquele tropel me foi instantânea para tal comparação. Nós muito rimos juntos, mas, ela quando gargalhava não parava mais. Fiquei com receio que isso pudesse nos causar alguma complicação se alguns dos pracinhas percebessem que estivemos rindo deles. Felizmente eles não perceberam. Contudo, o que isso “teve a ver” com a história do padre? Nada! Apenas aconteceu no último dia em que eu o vi ainda tão altaneiro e me lembrei daquelas gargalhadas saudosas.

Anos depois eu soube da morte daquele padre que muito deu no que falar pelos benefícios que produziu para o lugar donde fora destinado a cumprir a nobre missão religiosa e social tendo, por isso, sido muito querido, estimado e agradecido pelo povo de então.  Ele esteve na Itália na Segunda Guerra Mundial e no fim dela em 1945 retornou para Caieiras.  Seu nome, “Padre Aquiles Silvestre” também é nome de rua. Aqui, num jeito brincalhão e mesmo ousado de escrever crônica, um lado considerado malicioso de uma parte de uma história regional, brevemente esteve tentando, mentalmente, conduzir outros para “o como era o antigamente” daqueles tempos de quando éramos mais felizes e não sabíamos, e isso, está no dizer de muitos que são daquela época da simplicidade de viver sem as sofisticações destes dias desta era, que, mais provocam o distanciamento entre as pessoas.

                                                                                         Altino Olympio