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16/03/2006
Mexer na dívida pública é mexer em vespeiro

A dívida do governo federal em títulos públicos dobrou em 5 anos. Era de R$ 510 bilhões em dezembro de 2000; no final de fevereiro estava em R$ 1,01 trilhão

Um número sem nenhuma comparação não diz muita coisa. Qualquer credor examina uma dívida de acordo com a capacidade do devedor. Se o Bill Gates (dono da Microsoft) deve US$ 1 milhão, isso é quase nada para ele; não há risco de ele não pagar. Se um pé-rapado deve US$ 100, vai passar o calote na certa. Por isso, é bom comparar dívida pública com renda nacional, que também leva o nome de Produto Interno Bruto (PIB). Em fevereiro, o valor do PIB brasileiro alcançou R$ 1,96 trilhão. Assim tomado esse número, a dívida do governo federal (excluídas as dívidas dos Estados e municípios) deverá alcançar 51,6% do PIB.

Em princípio, dever metade do salário não é grave. O problema é que essa dívida está fortemente concentrada no curto prazo. Tem de ser rolada todos os dias: vai vencendo, o Tesouro pago e, ao mesmo tempo, leva o ex-credor a comprar novos títulos. Todo o esforço do tesouro está concentrado em esticar o prazo de vencimento da dívida e em reduzir os juros pagos.

Dívida pública é rombo acumulado no passado. O governo gasta demais, não tem arrecadação para pagar toda a despesa e vai ao mercado à procura de cobertura para o déficit. Além disso, o principal da dívida vai incorporando os juros. Cerca de metade dos títulos públicos paga os juros básicos (Selic), hoje de 16,5% ao ano.

Mas, afinal, quem é o credor do governo federal? No passado, eram os bancos. Hoje, os bancos detêm a menor parte desses créditos. A maior parte dessa dívida está com a população brasileira, em cotas de um fundo de renda fixa (fundo DI ou fundo de renda prefixada). Esses fundos são cestões de títulos públicos. Quem vai a um banco e aplica em fundos é credor do governo. Se o governo passasse o calote na dívida, o patrimônio de cada cota do fundo seria reduzido. Por isso, se alguém sugere renegociar a dívida pública ou uma garfada qualquer está mexendo num vespeiro. Está propondo que o governo se aproprie de um pedaço da renda familiar dos aplicadores.

Celso Ming / O Estado de São Paulo