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10/05/2018
Rinosinusite tratado geral

 

Rinossinusites: evidências e experiências

Wilma T. Anselmo-Lima, Coordenadora

Eulalia Sakano, Coordenadora

 

INTRODUÇÃO

 

A rinossinusite (RS) é um processo inflamatório da mucosa rinossinusal. De acordo com o tempo de evolução dos sinais e sintomas, é classificada em aguda (< 12 semanas) ou crônica (≤ 12 semanas), e segundo a gravidade do quadro, em leve, moderada ou grave. A gravidade da doença é classificada através de uma Escala Visual Analógica (EVA) (fig. 1), de 0 a 10 cm. O paciente é solicitado a quantificar de 0 a 10 na EVA o grau de incômodo causado pelos sintomas, em que 0 significa nenhum incômodo, e 10 o maior incômodo possível. A gravidade é, então, classificada em leve: 0-3 cm; moderada: > 3-7 cm; grave: > 7-10 cm.1

 

 

Figura 1 Escala visual analógica (EVA).

 

Apesar de a EVA só ter sido validada para rinossinusite crônica (RSC) em adultos, o European Position Paper on Rhinosinusitis and Nasal Polyps (EPOS) 2012 recomenda sua utilização também na rinossinusite aguda (RSA). Existem vários questionários específicos para as rinossinusites, porém, na prática, a maioria é de aplicação limitada, particularmente nos quadros agudos.2–4

 

Rinossinusite aguda

 

Definição

 

A rinossinusite aguda (RSA) é um processo inflamatório da mucosa rinossinusal de início súbito, com até 12 semanas. Pode ocorrer uma ou mais vezes num determinado período de tempo, mas sempre com remissão completa dos sinais e sintomas entre os episódios.

 

Classificação

 

Existem várias classificações para as rinossinusites. Uma das mais utilizadas é a etiológica, que se baseia, principalmente, no tempo de duração dos sintomas:1

 

RSA viral ou resfriado comum: uma condição usualmente autolimitada, em que a duração dos sintomas é menor que dez dias;

 

RSA pós-viral: definida quando há piora dos sintomas após cinco dias de doença ou quando os sintomas persistem por mais de dez dias de doença;

 

RSA bacteriana (RSAB): uma pequena porcentagem dos pacientes com RSA pós-viral pode evoluir com RSAB.

 

A RSA viral, ou resfriado comum, apresenta geralmente duração dos sintomas menor que 10 dias. Quando há piora dos sintomas por volta do quinto dia, ou persistência por mais de dez dias (e menos de 12 semanas), pode-se tratar de uma rinossinusite pós-viral. Estima-se que pequena porcentagem das rinossinusites agudas pós-virais evolua para um quadro bacteriano, em torno de 0,5 a 2%.

 

Independentemente do tempo de duração, a presença de pelo menos três dos sintomas/sinais a seguir podem sugerir RSA bacteriana:

 

Secreção nasal (com predominância unilateral) e secreção purulenta na rinofaringe;

 

Dor intensa local (com predominância unilateral);

 

Febre > 38°C;

 

Velocidade de hemossedimentação (VHS) ou proteína C reativa (PCR) elevadas;

 

"Dupla piora": reagudização ou deterioração após a fase inicial de sintomas leves.

 

Fatores associados

 

Exposição ambiental

 

Exposição em níveis crescentes de umidade, mas não de fungos, foi associada à RSA.5 Variações sazonais também são relatadas na literatura, com aumento da incidência de RSA durante os meses de inverno.5–9 Exposição à poluição do ar,10–12 a irritantes utilizados na produção de produtos farmacêuticos13 e em fotocopiadoras14 e fumaça de incêndios florestais15 foram associados ao aumento na prevalência de sintomas de RSA.

 

Fatores anatômicos

 

Variações anatômicas, incluindo células de Haller, concha média bolhosa, desvio de septo nasal, atresia coanal, hipertrofia de tonsila faríngea, presença de pólipos nasais, hipoplasia de seios e origem odontogênica de infecções, podem estar associadas à RSA.10,16–18

 

Alergia

 

O papel da alergia na RSA é motivo de controvérsia. Existem estudos que observaram relação entre rinite alérgica e RSA,19–35enquanto outros descartaram essa associação.35–37

 

Lesão ciliar

 

A lesão ciliar tem sido considerada uma característica das rinossinusites viral e bacteriana.38 Inclui a perda de cílios e de células ciliadas, bem como alteração do transporte mucociliar normal. Entretanto, o tabagismo e a alergia também têm sido implicados na alteração do transporte mucociliar,39,40 e a alteração do clearance mucociliar no paciente com rinite alérgica tem demonstrado predispor a RSA.22

 

Discinesia ciliar primária (DCP)

 

É uma doença autossômica recessiva rara, na qual os cílios ou são imóveis, ou batem segundo um padrão incompatível com o transporte do muco na via aérea. A DCP é associada a sintomas crônicos de vias aéreas superiores, como rinorreia, dor facial episódica, anosmia e bronquiectasias.41 Os recém-nascidos podem apresentar rinorreia desde o primeiro dia de vida.42,43 Não existem dados reportados sobre a frequência de episódios de RSA nesse grupo de pacientes. Segundo a força-tarefa de DCP da Sociedade Respiratória Europeia, a RSA recorrente é rara em pacientes com DCP, embora os episódios devam ser tratados com antibióticos adequados e por tempo prolongado.44,45

 

Tabagismo

 

Crianças que vivem em ambientes com adultos fumantes estão mais sujeitas a episódios de RSA do que aquelas que não estão expostas a esse ambiente.46 Fumantes ativos com inflamação alérgica em curso têm maior susceptibilidade para RSA, comparados com não fumantes em curso de inflamação alérgica, sugerindo que a exposição ao cigarro e a inflamação alérgica são mediadas por diferentes vias e possíveis mecanismos sinérgicos.47 O tabagismo (ativo e passivo) tem demonstrado alterar a flora bacteriana normal presente na rinofaringe, resultando em maior potencial de colonização de patógenos do que em não fumantes.48 Uma vez cessado o tabagismo, a população microbiana passa a apresentar o mesmo padrão dos não tabagistas.49

 

Refluxo gastroesofágico

 

Pouco se sabe sobre a associação de RSA e refluxo gastroesofágico. Embora estudos realizados entre 1997 e 2006 tenham observado uma associação significativa entre as duas doenças,50 uma revisão sistemática recente demonstrou fraca associação entre refluxo ácido, sintomas nasais e RSA.51

 

Ansiedade e depressão

 

Saúde mental prejudicada, ansiedade e depressão costumam estar associadas ao aumento de susceptibilidade à RSA.52 Entretanto, os mecanismos envolvidos ainda não estão claros.

 

Resistência a antimicrobianos

 

Os principais patógenos causadores de RSAB incluem S. pneumoniae, H. influenzae, S. pyogenes, M. catarrhalis e S. aureus.38 A despeito dos problemas relacionados à resistência bacteriana, estima-se que aproximadamente 80% dos casos de RSA leve respondam à amoxicilina em dose de 70-90 mg/kg/dia. Estudo de Principi e Esposito (2007)53 demonstrou que a maioria dos casos de RSA causados por H. influenzae e M. catarrhalis e aproximadamente 15% dos causados por S. pneumoniae se resolvem espontaneamente. Lin et al. (2011) observaram que 70% dos S. pneumoniae e 71,4% dos H. influenzae isolados de 69 crianças eram resistentes à amoxicilina com clavulanato.19

 

Doença crônica concomitante

 

Doença crônica concomitante (bronquite, asma, doença cardiovascular, diabetes mellitus ou tumor maligno) em crianças tem sido associada ao aumento da incidência de RSA após influenza.54

 

Diagnóstico clínico

 

Sinais e sintomas

 

Nos níveis de atenção primária à saúde e para fins epidemiológicos, a RSA pode ser diagnosticada com base apenas nos sintomas, sem exame otorrinolaringológico detalhado e/ou exames de imagem.

 

Nesses casos, a distinção entre os tipos de RSA é realizada, principalmente, por meio da anamnese e do exame físico, realizados por médicos generalistas e especialistas, otorrinolaringologistas ou não. É importante ressaltar que, no momento da anamnese, os pacientes podem não relatar a "piora do quadro", quando não questionados com cautela. É frequente o relato de um quadro sintomático há alguns dias e que agora estão novamente enfermos. Cabe ao profissional assistente a percepção de que, na maioria dos casos, pode tratar-se da evolução da mesma doença, de uma RSA viral para uma pós-viral, e não de duas infecções distintas. A avaliação subjetiva dos pacientes com RSA e seu diagnós tico são baseados na presença de dois ou mais dos seguintes sintomas cardinais:1

 

Obstrução/congestão nasal;

 

Secreção nasal/rinorreia anterior ou posterior (mais frequentemente, mas não obrigatoriamente purulenta);

 

Dor/pressão facial/cefaleia;

 

Distúrbio do olfato.

 

Além desses sintomas, também podem ocorrer odinofagia, disfonia, tosse, pressão e plenitude auricular, além de sintomas sistêmicos como astenia, mal-estar e febre. Os poucos estudos sobre a fequência desses sintomas na RSA na comunidade apresentam grande variabilidade.55–57 A possibilidade de se estar diante de uma RSAB é maior na presença de três ou mais dos sinais e sintomas a seguir:1

 

Secreção nasal/presença de pus na cavidade nasal com predomínio unilateral;

 

Dor local com predomínio unilateral;

 

Febre > 38°C;

 

Deterioração/piora dos sintomas após o período inicial de doença;

 

Elevação da velocidade de hemossedimentação (VHS) e proteína C reativa (PCR).

 

Os sintomas de RSA têm, caracteristicamente, ocorrência abrupta, sem que haja história prévia recente de sintomas rinossinusais. Na exacerbação aguda do quadro de rinossinusite crônica (RSC), devem-se utilizar critérios diagnósticos e tratamentos similares aos usados para a RSA.1 A "tosse", apesar de ser considerada um sintoma importante segundo a maioria das diretrizes internacionais, não é um dos sintomas cardinais neste documento. Na população pediátrica, entretanto, a tosse é considerada um dos quatro sintomas cardinais, em vez das alterações de olfato.1,58 Gwaltney et al. (1967),59 estudando os sintomas de infecções rinossinusais espontâneas pelo rinovírus em relação ao tempo de início e duração, observaram que o pico de sintomas típicos, como obstrução nasal, rinorreia e tosse, ocorre entre o 2° e 3° dias de infecção (fig. 2), com tendência à diminuição após esse período. Os sintomas podem, entretanto, durar 14 dias ou mais.

 

 

Figura 2 Sintomas da infecção rinossinusal aguda causada pelo rinovírus em relação ao tempo de início e duração. (Adaptado de Gwaltney et al.,1967).59

 

A obstrução nasal é um dos importantes sintomas da RSA, e deve ser avaliada em conjunto com as demais queixas do paciente. Apesar da infrequência com que métodos de avaliação objetiva da obstrução nasal, como rinomanometria, pico de fluxo nasal inspiratório e rinometria acústica são aplicados na prática diária em pacientes com RSA, estudos demostram boa correlação entre os sintomas referidos pelos pacientes e as medidas objetivas obtidas por esses métodos.1

 

A rinorreia purulenta é, frequentemente, interpretada na prática clínica como indicativa de infecções bacterianas com necessidade do uso de antibióticos.60,61 Entretanto, a evidência dessa associação é limitada. A despeito de ser um sintoma que aparenta aumentar as chances de cultura bacteriana positiva, isoladamente não caracteriza uma RSAB.62 A rinorreia purulenta com predominância unilateral e a presença de pus na cavidade nasal possuem valor preditivo positivo de apenas 50% e 17%, respectivamente, para cultura bacteriana positiva obtida por aspirado de seio maxilar.63 Desse modo, a presença de rinorreia purulenta não necessariamente indica a existência de um quadro bacteriano, e não deve servir de critério isolado para a prescrição de antibióticos.62–64 A redução do olfato é um dos sintomas mais difíceis de se quantificar na prática clínica, sendo, em geral, avaliada apenas de modo subjetivo. A hiposmia e a anosmia são queixas comumente associadas aos quadros de RSA e podem ser avaliadas por testes objetivos validados, com boa correlação com as escalas subjetivas.65,66 É importante que esses testes de função olfatória passem pelo processo de tradução e adaptação cultural e socioeconômica para sua utilização em diferentes populações.67

 

A dor e a pressão facial são ocorrências comuns na RSA. Quando unilateral, a dor facial ou mesmo dentária tem sido considerada preditora da sinusite aguda maxilar.55,68 A queixa de dor dentária na arcada superior em topografia de seio maxilar apresentou associação estatisticamente significativa com presença de cultura bacteriana positiva, com predomínio de S. pneumoniae e H. influenzae, obtida por aspirado sinusal.69 Entretanto, em outro estudo o valor preditivo positivo do sintoma dor em face unilateral para infecção bacteriana foi de apenas 41%.68

 

São diversos os estudos e diretrizes que buscam definir a combinação de sintomas que melhor determine a maior probabilidade de infeção bacteriana e a resposta a antibióticos.1 No estudo de Berg e Carenfelt (1988)68, a presença de dois ou mais achados (rinorreia purulenta e dor local com predominância unilateral, pus na cavidade nasal e rinorreia purulenta bilateral) promoveu 95% de sensibilidade e 77% de especificidade para o diagnóstico de RSAB.

 

O exame clínico do paciente com quadro de RSA deve envolver, inicialmente, a medida de sinais vitais e o exame físico da região de cabeça e pescoço, com especial atenção à presença de edema facial localizado ou difuso. Na oroscopia, secreção purulenta posterior em orofaringe58 é importante. A rinoscopia anterior é uma parte do exame físico que deve ser realizada na avaliação primária dos pacientes com quadro nasossinusal e, apesar de oferecer informações limitadas, pode revelar o aspecto da mucosa e da secreção nasal.1

 

A febre pode estar presente em alguns pacientes com RSA nos primeiros dias de infecção.59 Quando superior a 38°C, é considerada indício de doença mais grave e pode indicar a necessidade de um tratamento mais agressivo, principalmente quando em conjunto com outros sintomas de gravidade. A febre também está significativamente associada à cultura bacteriana positiva, principalmente S. pneumoniae e H. influenzae, obtidos por aspirado.

 

Nos pacientes com RSA, presença de edema e dor à palpação da região maxilofacial pode ser indicativa de doença mais grave, com necessidade de uso de antibióticos, apesar dos poucos dados existentes na literatura.60

 

Nos níveis primários de atenção à saúde a endoscopia nasal não se encontra disponível na rotina, e não é considerada exame obrigatório para diagnóstico de RSA. Quando disponível, possibilita ao especialista melhor visualização da anatomia rinossinusal e diagnóstico topográfico, assim como a obtenção de material para exame microbiológico.1

 

Na avaliação e no exame clínico dos pacientes, possíveis variações entre regiões geográficas e populações devem ser consideradas. As diversidades climáticas, sociais, econômicas, culturais e de oportunidade de acesso à saúde, dentre outros fatores, podem alterar a percepção subjetiva da doença, além de, potencialmente, gerar características semiológicas peculiares. A importância dessa variabilidade é desconhecida do ponto de vista de evidência científica, sendo necessários mais estudos para sua detecção.

 

Exames complementares

 

Endoscopia nasal

 

Como já citado trata-se de um exame não obrigatório para o diagnóstico de RSA, mas pode ser útil para a avaliação da anatomia rinossinusal e a realização de biópsia e cultura. Diversos estudos microbiológicos demonstraram razoável correlação entre os achados coletados do meato médio e por meio de punção, possibilitando a confirmação micro-biológica do agente e sua resposta terapêutica. Alguns autores recomendam a confirmação diagnóstica por meio de endoscopia nasal e cultura, já que muitos pacientes com evidências clínicas ou radiológicas de RSAB não apresentam cultura positiva.1,70

 

Proteína C reativa (PCR)

 

Valores baixos ou normais dessa proteína podem identificar pacientes com baixa probabilidade de infecção bacteriana, evitando o uso desnecessário de antibióticos. O tratamento orientado pela PCR tem sido associado à redução no uso de antibióticos sem prejuízo nos desfechos. Embora mais estudos ainda sejam necessários para a inclusão deste exame de rotina diagnóstica da RSAB, algumas publicações demonstram que os níveis de PCR estão amplamente associados com a presença de alterações na tomografia computadorizada (TC), e que valores elevados de PCR podem ser considerados preditivos de cultura bacteriana positiva na punção ou lavado sinusal.69,71,72

 

Velocidade de hemossedimentação (VHS)

 

Marcadores inflamatórios como VHS e viscosidade plasmática estão elevados na RSA, e podem refletir a gravidade e a necessidade de tratamento mais agressivo. Seus níveis estão associados à presença de alterações tomográficas na RSA, e valores maiores do que 10 são considerados preditivos de nível líquido ou opacidade sinusal na TC. Valores elevados são, também, preditivos de cultura bacteriana positiva por punção ou lavado.1,73,74

 

Tomografia computadorizada (TC)

 

Não deve ser utilizada no diagnóstico inicial de RSA; é indicada em situações especiais, como sinais e sintomas unilaterais, suspeita de complicação e falha terapêutica. Deve ser considerada em doenças graves e em pacientes imunossuprimidos. Estudos recentes sugerem que o uso rotineiro da TC em pacientes com RSA acrescenta pouca informação no manejo dos mesmos.1,75,76

 

Rx simples

 

Apresentam baixa sensibilidade e especificidade, sendo pouco úteis no diagnóstico de RSAB devido ao número elevado de falso-positivos e falso-negativos.1

 

Ultrassonografia (USG)

 

A USG de seios paranasais apresenta baixa sensibilidade e utilidade muito limitada no diagnóstico de RSA, devido ao número elevado de falso-positivos e resultados negativos.1

 

Tratamento

 

A preocupação com o uso indiscriminado de antibióticos e a resistência bacteriana é mundial. Estima-se que aproximadamente 50 milhões de prescrições com antibióticos para rinossinusite, nos EUA, sejam desnecessárias e utilizadas em infecções virais. Quando o paciente segue um algoritmo mais seletivo para tratamento com antibiótico, o benefício é maior, sendo necessário tratar somente três pacientes para que um alcance o resultado esperado.77 Assim, observa-se uma tendência mundial de tratar a RSA de acordo com a gravidade e o tempo da doença.

 

Antibióticos

 

Metanálises com estudos de placebo controlados, randomizados e duplo-cegos mostraram a eficácia dos antibióticos na melhora dos sintomas dos pacientes com RSAB, especialmente se administrados criteriosamente. Não estão indicados nos casos de rinossinusites virais, pois não alteram o curso da doença;78 nunca devem ser indicados como tratamento sintomático, evitando-se seu uso indiscriminado, o que pode contribuir para o aumento de resistência bacteriana.79

 

Estudos clínicos demonstraram que cerca de 65% dos pacientes diagnosticados com RSAB apresentam resolução clínica espontânea,80 e que, em aguns casos, a RSAB leve pode se resolver espontaneamente nos primeiros dez dias.78 Portanto, o tratamento adjuvante inicial sem uso de antibióticos pode ser uma opção viável nos casos de rinossinusite leve e/ou pós-viral. A introdução do antibiótico deve ser considerada quando não há melhora após o tratamento com medidas adjuvantes ou se os sintomas se acentuarem. Os antibióticos estão indicados nos casos de RSAB moderada ou grave, nos pacientes com sintomas intensos (febre > 37,8°C e dor intensa em face) e imunodeprimidos, independentemente do tempo da doença, e nos casos de RSAB leve ou não complicada que não apresentam melhora com o tratamento inicial com corticoides tópicos nasais.81,82

 

Ainda não existem estudos que definam o tempo ideal de tratamento com antibióticos. Em geral, a duração do tratamento varia de 7-10 dias para a maioria dos antimicrobianos e 14 dias para claritromicina. A amoxicilina é considerada o antibiótico de primeira escolha em centros primários de saúde, por sua eficácia e baixo custo. Os macrolídeos apresentam eficácia comparável à amoxicilina e são indicados para pacientes com alergia aos β-lactâmicos.79,82,83 Em casos de suspeita de S. pneumoniae resistente às penicilinas, casos graves e/ou associados a comorbidades são indicados antimicrobianos de espectro mais amplo.

 

Corticoide tópico intranasal

 

Pacientes maiores de 12 anos com rinossinusite pós-viral, ou RSAB não complicada e sintomas leves ou moderados,81 sem febre ou dor facial intensa,82 beneficiam-se com os corticoides tópicos nasais como monoterapia. Além de aliviar os sintomas de rinorreia, congestão nasal, dor sinusal, dor/pressão facial,81 os corticoides tópicos minimizam o uso indiscriminado de antibióticos, reduzindo o risco de resistência bacteriana.82

 

Estudos sugerem que corticoides tópicos nasais associados à antibioticoterapia apropriada resultam em alívio mais rápido dos sintomas gerais e específicos da rinossinusite, principalmente congestão e dor facial,84–89 acelerando a recuperação do paciente mesmo quando não há melhora significativa da imagem radiológica.87,88,90 Entretanto, a dose e o tempo ideais de tratamento ainda precisam ser estabelecidos.85–88 Embora não haja estudos que comparem a eficácia dos vários tipos de corticoides nasais na RSA, muitos deles, como a budesonida, furoato de mometasona e propionato de fluticasona, têm demonstrado apresentar benefícios.90 Seu uso é recomendado por ao menos 14 dias para a melhora dos sintomas.

 

Corticoides orais

 

Recomenda-se o uso de corticoides orais para pacientes adultos com RSAB com intensa dor facial, desde que não apresentem contraindicação para seu uso.91,92 O corticoide oral deve ser utilizado por três a cinco dias, apenas nos primeiros dias do quadro agudo, e sempre associado à antibioticoterapia, abreviando o quadro da algia facial91 e diminuindo o consumo de analgésicos convencionais.92 A avaliação após 10-14 dias de tratamento demonstra que não há diferenças significativas na resolução dos sintomas ou de falha terapêutica quando se compara antibioticoterapia isolada e antibioticoterapia com corticoides orais.92 Os poucos estudos na literatura utilizando o corticoide oral no tratamento de RSAB demostram resultados favoráveis com metilprednisolona e prednisona.

 

Lavagem nasal

 

A despeito da utilização frequente de solução salina isotônica ou hipertônica na lavagem nasal de pacientes com rinites e rinossinusites, ainda pouco se sabe sobre o real benefício nas RSA.

 

Estudos randomizados93 comparando a solução fisiológica nasal e a hipertônica mostraram maior intolerância à solução hipertônica. Metanálise de estudos controlados com placebo, randomizados e duplo-cegos demonstrou evidência de benefício limitado da irrigação com solução salina nasal em adultos, não observando, de forma geral, diferença entre os pacientes e os grupos-controle. Um único estudo apresentou diferença média de melhora do tempo de resolução dos sintomas de 0,3 dia, sem significância estatística.94

 

Em outra metanálise com pacientes abaixo de 18 anos com RSA não foi observada evidência clara de que os antihistamínicos, descongestionantes e lavagem nasal fossem eficazes em crianças com RSA.95

 

Apesar da pouca evidência de benefício clínico, de forma geral recomenda-se a utilização da lavagem salina nasal em pacientes com RSA. A mesma promove melhora da função ciliar, reduz o edema de mucosa e os mediadores inflamatórios, colabora na limpeza da cavidade nasal e, portanto, da secreção presente nos processos infecciosos, além de não apresentar efeitos colaterais.96

 

Descongestionantes orais e tópicos

 

O uso de descongestionantes orais isolados ou associados aos anti-histamínicos para os pacientes com RSAB não modifica significativamente a evolução clínica ou radiológica, tanto em crianças97 quanto em adultos.98

 

Em relação aos descongestionantes nasais tópicos (vaso-constritores tópicos), embora não sejam indicados isoladamente no tratamento da RSAB,99 promovem melhora subjetiva e objetiva da obstrução nasal em pacientes com RSA viral, como é o caso da xilometazolina 0,1%. No caso de pacientes com RSAB como complicação de rinite persistente, o uso de vasoconstritor tópico nasal poderá aliviar a obstrução nasal100 e aumentar o fluxo inspiratório.101 Mesmo nessa restrita população, é importante lembrar das complicações decorrentes da interação medicamentosa com outras drogas, além da possibilidade de descontrole da hipertensão arterial, glaucoma, diabetes mellitus, tireoidopatia, retenção urinária e hiperplasia prostática benigna.99

 

Em decorrência do efeito rebote, o uso do vasoconstritor tópico nasal deve se restringir no máximo a cinco dias. Em crianças menores de 2 anos eles não devem ser utilizados.

 

Anti-inflamatórios não hormonais

 

Revisão sistemática com a colaboração Cochrane mostra que anti-inflamatórios não hormonais não reduzem significativamente o escore geral de sintomas dos pacientes com resfriado comum, e nem o tempo de duração do resfriado. No entanto, produzem benefícios quanto a seu efeito analgésico, como melhora de cefaleia, otalgia, dor muscular e articular, sem evidência de aumento de efeitos adversos nesta população. Dessa forma, podem ser utilizados para a melhora sintomática nos pacientes com resfriado comum.102

 

Apesar de seu efeito analgésico em processos inflamatórios agudos de orelha, orofaringe e seios paranasais,103 na RSAB os anti-inflamatórios não hormonais não são recomendados como tratamento isolado, devendo ser usados com cautela mesmo quando associados aos antibióticos, devido ao aumento dos possíveis efeitos colaterais.104,105

 

Mucolíticos

 

A associação de mucolíticos no tratamento da RSA ainda é controversa. Acredita-se que eles reduzam a viscosidade da secreção nasal por apresentarem atividade mucorregulatória, promovendo fragmentação das fibras de mucopolissacárides ácidos (AMPS) e, consequentemente, facilitando o transporte mucociliar e sua eliminação pelo nariz e pelos seios paranasais.106 Quando associados aos antibióticos, podem facilitar a penetração e ação no processo inflamatório da mucosa dos seios paranasais.107 Existem alguns estudos utilizando bromexina oral associada ao antibiótico oral, e acetilcisteína com antibioticos tópicos nasais.106–108 No entanto, estes estudos não descrevem com clareza o tempo e a gravidade da rinossinusite e, portanto, seus resultados devem ser analisados com cautela. Estudos com a erdosteína oral não mostraram benefícios significativos em crianças.109

 

Fitoterápicos

 

Há poucos estudos placebos controlados, randomizados e duplo-cegos com fitoterápicos no tratamento da RSA. Apesar do benefício demonstrado em alguns deles, sua utilização na prática clínica deve ser cautelosa pela escassez de evidências publicadas em relação à farmacocinética e à farmacodinâmica desses componentes e seus mecanismos.

 

Perlagoniun sidoides110: estudo com a colaboração Cochrane no tratamento das infecções respiratórias agudas concluiu que pode ser efetivo no alívio dos sintomas do resfriado comum e da RSA pós-viral em adultos.

 

Myrtol: óleo essencial extraído do Pinus spp. (pinheiro), Citrus aurantifolia (limão) e Eucalyptus globulus. Estudo controlado, randomizado e multicêntrico mostrou diferença estatística na melhora do escore de sintomas de rinossinusite aguda pós-viral (de 10,5 para 9,2) em relação ao placebo, diminuindo a necessidade de antibiótico (20% nos pacientes que utilizaram a medicação x 40% nos que utilizaram placebo). Na Alemanha, é recomendado no tratamento das RSA.111

 

Probióticos

 

Uma revisão da Cochrane112 com 10 estudos mostrou que os probióticos são superiores ao placebo na redução do número de pacientes com episódios de infecções de vias respiratórias altas, do número de episódios por participante e do uso de antibióticos. Portanto, podem ser indicados na prevenção do resfriado comum.

 

Imunomoduladores

 

Revisão sistemática113 com oito estudos controlados e randomizados em crianças com mais de três episódios de infecção das vias aéreas superiores por outono/inverno (seis meses) que utilizaram o extrato OM-85 BV observou que essas crianças apresentaram menos episódios de infecções virais das vias superiores quando comparadas ao grupo placebo (38% x 52% p < 0,001), e que os benefícios são maiores para pacientes com fatores de risco para as infecções recorrentes.

 

Complicações das rinossinusites agudas

 

As complicações das rinossinusites são decorrentes de infecções agudas ou crônicas, e embora sejam mais frequentes na população infantil, podem ocorrer também em adultos e ser orbitopalpebrais, ósseas e intracranianas.

 

Epidemiologia

 

A maior parte das complicações rinossinusais é originária das infecções do seio etmoidal. Estima-se que, antes do advento dos antibióticos, a taxa de cegueira decorrente das complicações era de até 20%, estando, atualmente, em torno de 11% dos casos. A mortalidade por meningite de origem sinusal no passado atingia até 17%, e hoje está em torno de 1% a 2,5%.1,114–116 O índice de mortalidade decorrente das complicações intracranianas oscila em torno de 20% a 40%,114,117 e o de déficits neurológicos, 25%.117,118 A incidência varia dependendo da região geográfica. Na Holanda, por exemplo, a taxa de complicações é estimada em 1:12.000 RS agudas em crianças e 1:36.000 RS agudas em adultos.119 Nos Estados Unidos, 2,7 a 4,3:1.000.000,120e na França, 2,5:1.000.000/ano, excluindo os pacientes pediátricos.121 É mais frequente no sexo masculino. Em crianças, geralmente são decorrentes de processos agudos, enquanto nos adultos decorrem de RSC com polipose nasossinusal (RSCcPNS) ou RSC sem polipose nasossinusal (RSCsPNS).119,120,122 Não há prevalência exata dos vários tipos de complicações. As orbitárias correspondem a 60% a 75%; as intracranianas, 15% a 20%; e as ósseas, 5% a 10%.123 A doença sinusal infantil é a causa presumida de 10% das supurações intracranianas, 10% das celulites pré-septais, e 90% das orbitárias, abscessos subperiosteais e intraorbitários.124 A prescrição de antibiótico parece não diminuir a incidência de complicações.5,119

 

Fisiopatogenia

 

As vias de disseminação são por contiguidade, erosão óssea, veias diploicas ou hematogênicas.125Algumas características anatômicas são importantes na gênese dessas complicações:1,114

 

a lâmina papirácea é uma camada óssea fina, separando o conteúdo orbitário das células etmoidais;

 

nas crianças, o número de foramens neurovasculares mais largos e de muitas suturas ainda abertas na parede medial da órbita, facilitando a disseminação da infecção;

 

sistema venoso sem válvulas, permitindo o fluxo sanguíneo em direção ao interior do crânio. A principal via é através das veias oftálmicas superior e inferior, que se comunicam com os vasos intraorbitários e diretamente com o seio cavernoso.

 

Classificação das complicações orbitárias

 

Baseia-se em critérios anatomoclínicos, não havendo ainda uma classificação universalmente aceita. É importante lembrar que o septo orbital ou orbitário consiste em uma deflexão ou prolongamento com mudança de direção, formando, lateralmente, o ligamento palpebral lateral e, medialmente, o ligamento palpebral medial, atrás do saco lacrimal. Serve como proteção e barreira às infecções para o interior orbitário.116,118,123 A classificação mais remota foi a de Hubert, que data de (1937).118 Em 1970, Chandler et al.123 propuseram uma classificação que até hoje é a mais citada na literatura mundial, e que leva em consideração o septo orbital:

 

Grupo 1 - celulite periorbital: inflamação da pálpebra com edema, sem propagação para o interior da órbita;

 

Grupo 2 - celulite orbital: a infecção atravessa o septo orbital, penetrando na cavidade orbitária;

 

Grupo 3 - abscesso subperiosteal: abscesso pós-septal entre a lâmina papirácea e o periósteo, contido por este último;

 

Grupo 4 - abscesso orbital: verdadeiro abscesso orbitário, coleção purulenta no interior da órbita, dentro da musculatura ocular extrínseca, próximo ao nervo óptico;

 

Grupo 5 - trombose do seio cavernoso.

 

Em decorrência de falhas nessa classificação, observadas por estudos de imagem (TC e ressonância magnética - RM), Mortimore e Wormald (1997)126 wsugeriram retirar o grupo de trombose do seio cavernoso das complicações orbitárias e colocá-lo nas cranianas:

 

Grupo 1 - infecção pré-septal;

 

Grupo 2 - infecção pós-septal subperiosteal;

 

Grupo 3 - infecção pós-septal intraconal.

 

No Brasil, Velasco e Cruz et al.127 propuseram uma forma mais simples de calssificação, com apenas três grupos, considerando que celulite pré-septal trata-se de uma infeção palpebral e não orbitária:

 

–. Celulite orbitária;

 

–. Abscesso subperiosteal;

 

–. Abscesso orbitário.

 

Entre todas as classificações, a maioria dos autores ainda utiliza a de Chandler.116,128–131

 

Bacteriologia

 

Em relação à bacteriologia nas complicações orbitárias, os micro-organismos mais comuns são os mesmos das rinossinusites.128 O uso difundido da vacina heptavalente pneumocócica conjugada (PVC7) tem reduzido a frequência de S. pneumoniae em complicações de RS, com subsequente aumento das infecções por S. aureus, e da prevalência de S. aureus resistente à meticilina associada a infecções orbitais.132

 

Celulite orbitopalpebral

 

Verifica-se a presença de edema palpebral, eritema, dor localizada, obstrução nasal, rinorreia, dificuldade na abertura do olho e, eventualmente, febre. É causada por obstrução venosa gerada pela pressão nos vasos etmoidais,116,118 evolui para abscesso palpebral e, raramente, fistulização cutânea. A acuidade visual e a motilidade ocular estão preservadas; esta avaliação é difícil em algumas crianças.133 A inflamação da pálpebra e da conjuntiva é observada na TC como tecido edemaciado.134 Ocorre como complicação de infecção viral de vias aéreas superiores, dacriocistite aguda, infecção cutânea e, menos frequentemente, rinossinusite.135–138Evolui bem com antibioticoterapia e muitas vezes não necessita de exame de imagem, sendo tratada como etmoidite aguda simples.121

 

Celulite orbital ou orbitária

 

Caracteriza-se pela extensão do edema na região pósseptal. Surge mais como complicação de RS aguda.137,138 Apresenta exoftalmia quemose e hiperemia conjuntival130 e compromete o tecido adiposo orbital sem formar abscesso. A acuidade visual e a motilidade ocular habitualmente estão preservadas, podendo ocorrer discreta diminuição desta última. Algumas crianças podem ter, inicialmente, perda da acuidade visual para distinguir verde e/ou vermelho.126,139,140 São necessários avaliação oftalmológica e TC de urgência. O tratamento deve ser agressivo e imediato.

 

Abscesso subperiosteal

 

Quadro clínico com febre elevada (39,5°C ou mais), calafrios, alterações do estado geral, exoftalmia com exoforia, diminuição da motilidade ocular, dor intensa, acuidade visual ainda preservada, ou, em alguns casos, diminuída.141 Leucocitose com desvio para a esquerda.141 A TC revela presença de coleção purulenta na parede medial da órbita, entre a periórbita e o osso orbitário, de localização extraconal; portanto, fora dos músculos oculares.116 Os micro-organismos mais comuns são estreptococos em crianças e anaeróbicos em adultos. Pode ocorrer perda total da visão, principalmente em adultos diabéticos. Abscessos localizados mais superiormente podem complicar com extensão para o lobo frontal.

 

Abscesso orbital

 

É uma lesão intraconal, comumente ocasionada como resultado de diagnóstico tardio ou de imunossupressão.142 O quadro é mais grave com exoftalmia irredutível, dolorosa, com quemose severa, oftalmoplegia completa e diminuição acentuada da acuidade visual.130 A imagem mostra coleção purulenta nas partes moles ao redor do globo ocular. Pode permanecer localizado ou estendendo-se pelo septo orbital, surgindo como massa flutuante na pálpebra. É um quadro grave, podendo levar à amaurose. O comprometimento visual depende da pressão orbitária e da neurite óptica. Pode ocorrer tromboembolia no suprimento vascular do nervo, retina e coroide. Com o aumento da pressão, há oclusão da artéria retiniana que, se perdurar por mais de 90 minutos, leva à degeneração irreversível do nervo óptico e da retina.116,118

 

A síndrome do ápice orbitário é uma forma localizada de celulite orbitária, na qual ocorrem lesões vasculonervosas do III, IV e VI nervos e do ramo oftálmico do V nervo, que passam pela fissura orbital superior e foramen óptico.116,118 Clinicamente, o globo ocular fica imóvel, com pupilas dilatadas, não reagentes à luz, ptose, hipoestesia palpebral, corneana e conjuntival. Quando há lesão concomitante no conteúdo do foramen óptico, percebe-se oftalmoplegia, amaurose, dor ocular intensa e distúrbios sensitivos no território do nervo oftálmico, desde anestesia até neuralgia. Pelo fato do osso posterior da órbita ser mais espesso que o anterior, são raras e, quando presentes, mais comuns em esfenoetmoidites.

 

Trombose do seio cavernoso

 

Consiste na propagação da infecção ao longo do canal óptico ou por via venosa. Causa cegueira, abolição do reflexo fotomotor, anestesia corneana e paralisia dos nervos III e VI. Surgem febre elevada, alteração do estado geral, prostração, dor retro-orbitária profunda grave, comprometimento bilateral, além de sinais centrais. A fotofobia e rigidez de nuca podem ser confundidas com meningite. A mortalidade oscila em torno de 30%.114

 

Diagnóstico

 

O diagnóstico das complicações deve incluir avaliações otorrinolaringológica, oftalmológica, neurológica e, se necessário, neurocirúrgica. Os exames de imagem, particularmente a TC com contraste e a ressonância magnética (RM), têm papel importante. A TC de alta resolução é a técnica de escolha quando há suspeita de complicações orbitárias. A RM caracteriza melhor a extensão local da doença ou sua difusão para além das cavidades paranasais e nasais. Uma combinação de TC e RM é útil em casos de difícil diagnóstico.143 Usualmente, revelam edema do reto medial, lateralização da periórbita e deslocamento do globo ocular para baixo e lateralmente. Quando mostra obliteração do detalhe do músculo extraocular e o nervo óptico como massa confluente, tem-se o abscesso orbitário. Também pode apresentar bolhas de ar por bactéria anaeróbica. A acurácia preditiva do diagnóstico clínico é de 82%, e o da TC, de 91%.144–146

 

O exame laboratorial geralmente apresenta-se como leucocitose com desvio para a esquerda, e os níveis de PCR elevados estão associados com desfechos mais graves e podem sugerir ou indicar tratamentos mais agressivos na fase inicial.71

 

Diagnóstico diferencial

 

Pacientes com rinossinusite e proptose podem apresentar hematoma subperiosteal orbital, com 13 casos descritos na literatura.147 As malformações linfáticas orbitais levam à proptose, neuropatia óptica compressiva, perda de visão e celulite. A RM mostra massa intraorbital bem-demarcada com sinal heterogêneo.148

 

Normas gerais de tratamento

 

Na celulite orbitopalpebral ou periorbitária o tratamento é clínico. Exige internação hospitalar, observação criteriosa e antibioticoterapia venosa. Pode-se utilizar clindamicina ou amoxicilina + clavulanato de potássio com metronidazol e/ou, principalmente em crianças, oxacilina + ceftriaxona. A maioria responde bem ao tratamento conservador e não é necessária intervenção cirúrgica.115,116,118 Recomenda-se sempre discutir com a Comissão de Infeção Hospitalar local o melhor antibiótico a ser usado.

 

A presença de abscesso à TC, ou de achados orbitários ou visuais progressivos, ou a não resposta ao antibiótico intravenoso são indicativos de exploração cirúrgica. O controle oftalmológico intensivo é fundamental.149

 

Crianças com abscessos subperiosteais medianos e pequenos, sem sinais oculares significativos, podem ser tratadas clinicamente com sucesso. A drenagem cirúrgica é indicada para abscessos não medianos, medianos grandes com perda visual grave e nos casos com resposta insuficiente ao tratamento clínico.150Habitualmente, o abscesso subperiosteal mediano que não melhora com tratamento clínico é drenado por via endoscópica, enquanto o abscesso lateral ou intraconal pode requerer um procedimento aberto.151

 

Existem controvérsias na indicação cirúrgica nos abscessos subperiosteais. Em relação ao tratamento inicial,141 muitos estudos mostram melhora apenas com tratamento clínico em crianças pequenas.133,142,152 Para tal, é importante que haja melhora clínica em 24 a 48 horas, ausência de comprometimento visual, volume menor que 0,5 a 1,0 mL em abscesso medialmente localizado, não envolvimento sistêmico e em crianças menores de 4 anos.153 Em abscessos subperiosteais em crianças que apresentam achados oculares significativos ou nas quais não se observa melhora após 48 horas de tratamento clínico, em conjunto com volume de abcesso superior a 0,5 mL, comprimento superior a 17 mm e largura maior que 4,5 mm, deve ser considerada a indicação para drenagem cirúrgica.154

 

Em geral, a drenagem cirúrgica imediata é indicada nas seguintes situações: abscessos não mediais, perda visual, deterioração clínica e ausência de melhora clínica em 24 a 48 horas.114,116,141

 

A partir de um diagnóstico de abscesso subperiosteal, no qual não se encontra coleção purulenta após a abertura da lâmina papirácea, deve-se suspeitar de abscesso orbitário e proceder com incisões ao longo do periósteo orbitário para liberar a secreção purulenta da órbita.155 Alguns autores recomendam sempre o tratamento cirúrgico nos abscessos subperiosteais, com drenagem do abscesso e dos seios envolvidos.141 A via endoscópica é sempre mais segura e eficaz, mas acessos externos associados podem ser necessários.

 

A RS esfenoidal aguda pode causar trombose do seio cavernoso homo ou contralateral. A esfenoidotomia cirúrgica e o tratamento clínico agressivo, realizados precocemente, são os pilares de uma gestão de sucesso desta complicação com risco de morte.156

 

Complicações intracranianas

 

As complicações intracranianas incluem os abscessos extradural, subdural e cerebral, meningite, cerebrite, trombose dos seios cavernosos e sagital superior.120,122,123,131,153,154 As mais frequentes são: abscesso subdural (56%), epidural (44%) e cerebral (19%). Complicações intracranianas múltiplas são observadas em 31% dos casos.117,122,157Todas as formas clínicas começam por encefalite, mas à medida que ocorrem necrose e liquefação, desenvolvem uma cápsula formando o abscesso. Apresentam alta incidência de anaeróbicos e de flora mista. Os germes mais encontrados na literatura são Streptococcus millieri e S. anginosus, Fusobacterium sp. e S. aureus.114,128,158,159 O Streptococcus anginosus causa infecções mais sérias, maiores taxas de complicações neurológicas, mais intervenções neurocirúrgicas e mais sequelas nervosas.160 As culturas polimicrobianas são obtidas em 50% dos casos.161

 

Meningite

 

Os seios paranasais relacionados à origem da meningite, em ordem decrescente de frequência, são o esfenoidal, seguido por etmoidal, frontal e maxilar. As manifestações clínicas incluem febre, cefaleia intensa, rigidez de nuca, irritabilidade e distúrbios de comportamento. A TC define e delimita a doença e pode identificar outras complicações. Na punção lombar125 verifica-se aumento das proteínas e das células, devendo-se realizar cultura e antibiograma. Está contraindicada na presença de hipertensão intracraniana (HIC) ou abscesso.125 O tratamento é clínico, reservando a intervenção no seio para os casos refratários. O índice de mortalidade é em torno de 5%.116,118

 

Abscesso extradural

 

Consiste na coleção purulenta entre a dura-máter e a calota craniana. Associa-se, por vezes, à osteomielite frontal. A exteriorização clínica é pobre, com poucos sinais ou nenhum sinal neurológico. Quando presentes, incluem cefaleia persistente, febre e, raramente, alterações de comportamento. O diagnóstico geralmente é tardio pelo não reconhecimento e pela não valorização das alterações clínicas. Habitualmente, quando diagnosticado, já existe HIC com piora da cefaleia, vómitos e distúrbios do comportamento.116,118

 

Abscesso subdural

 

Caracteriza-se pela presença de coleção purulenta entre a dura-máter e a pia-aracnoide. O paciente apresenta cefaleia intensa, febre e diminuição do nível de consciência. A TC mostra imagem decrescente, não ultrapassando a linha média, diferenciando, assim, do abscesso extradural. O tratamento cirúrgico é realizado a critério do neurocirurgião.116,118

 

Abscesso cerebral

 

A incidência dos casos de origem sinusal varia muito, desde 3% a 11%, até 66%. A localização no lobo frontal é a mais frequente. Sintomas focais e aumento da pressão intracraniana surgem tardiamente, com queda do estado geral, coma e paralisia de nervos cranianos. O lobo frontal é uma zona de silêncio clínico, propiciando sintomas inconstantes. Pode aparecer febre, HIC, crise convulsiva, problemas de vigília, coma, déficit motor, distúrbios sensoriais e alteração da visão.

 

O estudo por imagem mostra lesão arredondada com centro hipodenso e realce periférico inicialmente irregular e mais preciso à medida que a porção necrosada progride. Pode ser multilocular. A punção lombar está contraindicada pelo risco de causar descompressão e herniação do tronco cerebral. O tratamento inicial na fase de cerebrite é baseado em antibioticoterapia, mesmo que empírica. Uma vez formado o abscesso, a drenagem cirúrgica é indicada através de punção ou craniotomia,159,162,163 associada à drenagem concomitante dos seios paranasais.162 Esta última, isolada, não substitui a drenagem intracraniana.157 Deve-se manter o antibiótico por quatro a oito semanas.128 Pode ser usado esquema com cefalosporina de terceira geração associada ao metronidazol, manitol, à hiperventilação e dexametasona, com ou sem anticonvulsivantes,128 ou outro similar.

 

Complicações ósseas

 

Consistem na extensão do processo infeccioso ao osso, eventualmente envolvendo cérebro e sistema nervoso. As localizações das infecções sinusais mais comuns são frontal e maxilar.1 Na região frontal, ocorre onde se tem a camada óssea esponjosa, diploica, com rica rede vascular, como as veias diploicas, entre as tábuas externa e interna. Essas veias não têm válvulas, possibilitando o livre trânsito entre os espaços da mucosa sinusal e o crânio.1 Séries de pacientes com complicações demonstraram que as osteomielites corresponderam a 9%146 e 32% dos casos.164 A forma clínica peculiar da osteomielite frontal localizada pode ser focal ou circunscrita, muitas vezes com progressão para a fistulização cutânea. A forma frontal difusa ou disseminada é caracterizada pela tromboflebite das veias diploicas, progride para o osso frontal e para a cavidade craniana, levando à necrose avascular, ao sequestro ósseo e à expansão para a infecção subperiosteal. É mais comum em jovens com díploe extenso, pneumatizado e vascularizado, aumentando o risco de infecção.165 Nota-se um tumor amolecido, flutuante, sem sinais flogísticos, denominado tumor de Pott.118 Corresponde a um abscesso subperiosteal do osso frontal associado à osteomielite subjacente.117,166 Radiologicamente, apresenta três fases: 1) condensação com apagamento da trama óssea; 2) rarefação, na qual se tem necrose óssea; e 3) descalcificação ou ausência de tecido ósseo em áreas irregulares, entremeadas por ilhotas de calcificação e zonas de sequestro ósseo. A TC confirma o diagnóstico. A cintilografia com tecnécio-99 para o diagnóstico e com gálio-67 para o acompanhamento da cura são úteis, mas não imprescindíveis.165 O tratamento consiste na administração de clindamicina e drenagem do abscesso por acesso coronal, com reconstrução.

 

A osteomielite do seio maxilar é quase sempre uma complicação de infecção odontogênica, mais frequente em lactentes.

 

Complicações atípicas das rinossinusites

 

Na literatura, há relatos de casos com complicações pouco usuais, como: abscesso de glândula lacrimal;167–169 hematoma orbital;147 abscesso de septo nasal;170 perfuração de septo nasal;171 fístula frontocutânea;172osteomielite clival com paralisia do sexto nervo;173 acidente isquêmico agudo;174 e septicemia.175 Também foram observados casos de crianças com sequelas orbitárias após cirurgia de implante coclear.176,177 Em um dos estudos, 14% dos pacientes apresentavam evidências de rinossinusite. As hipóteses mais prováveis foram: posição do paciente durante cirurgia, duração da cirurgia ou trauma menor da lâmina papirácea durante a brocagem da mastoide.177

 

Rinossinusite crônica

 

Definição e epidemiología

 

A RSC (rinossinusite crônica) é uma doença inflamatória da mucosa nasossinusal que persiste por pelo menos 12 semanas. Em casos específicos, acometimento sinusal exclusivo pode ser observado, como ocorre na sinusite odontogênia ou na bola fúngica.

 

A RSC ainda pode ser dividida fenotipicamente em duas principais entidades: a RSC sem polipose nasossinusal (RS-CsPNS) e a RSC com polipose nasossinusal (RSCcPNS). Atualmente, existem evidências que sugerem que essas duas entidades apresentam mecanismos fisiopatogênicos distintos.

 

A RSC é uma doença comum na população, e as pesquisas sobre dados epidemiológicos são importantes para avaliar sua distribuição, analisar seus fatores de risco e promover políticas de saúde pública. Entretanto, esses dados são escassos na literatura. Além disso, as diferentes definições e a heterogeneidade das metodologias utilizadas nas pesquisas e, consequentemente, nos resultados obtidos, dificultam a comparação dos dados.

 

Esta doença acarreta alto custo direto em saúde pública, que engloba consultas médicas, exames complementares e radiológicos, internações hospitalares, cirurgias e tratamento medicamentoso. Além disso, há custos indiretos, como diminuição da produtividade no trabalho e absenteísmo.178–181 Nos Estados Unidos o gasto estimado com esses pacientes é de US$ 8,6 bilhões por ano.182 Desses, US$ 150 milhões são gastos com uso de antibióticos.183 Além disso, os questionários de qualidade de vida global e doença-específico evidenciam grande impacto da RSC na qualidade de vida dos pacientes.184–187

 

Em 2007 foi publicado o European Position Paper on Rhinosinusitis and Nasal Polyps (EPOS),188 sendo introduzida uma definição de RSC para fins epidemiológicos, caracterizada pela presença de dois ou mais sintomas por mais de 12 semanas, dos quais um deles deveria ser obrigatoriamente um dos dois primeiros: a) obstrução/congestão nasal; b) rinorreia (anterior ou posterior); c) dor/pressão facial; d) redução ou perda de olfato, sem necessidade de exame complementar (endoscopia nasal ou exame de imagem).

 

Nos Estados Unidos, o estudo anual realizado pelo Centro Nacional de Estatísticas em Saúde (do inglês, National Center for Health Statistics - NCHS) por meio de inquéritos populacionais domiciliares determinou a prevalência do diagnóstico médico autorreferido de rinossinusite em 13% da população adulta em 2010, e taxa de resposta de 60,8%. Contudo, não houve distinção entre RSA e RSC no estudo, pois o critério que definiu a RSC naquele questionário foi a resposta afirmativa à questão: "Nos últimos 12 meses, você teve sinusite diagnosticada por um médico ou profissional de saúde?189 Entretanto, essa prevalência é utilizada na maioria dos estudos publicados referindo-se à RSC.

 

No Canadá realizou-se um estudo epidemiológico com desenho de amostragem complexo, com taxa de resposta nacional de 82%, obtido por meio de entrevistas por telefone com indivíduos de 12 anos ou mais que apresentavam sintomas de doenças crônicas por mais de seis meses.190 Foram considerados portadores de RSC os entrevistados que responderam afirmativamente à seguinte pergunta: "Você tem sinusite diagnosticada por um profissional de saúde?" Nesse estudo, a prevalência de rinossinusite autorreferida foi de 5%.190

 

Na Coreia do Sul foi realizada uma pesquisa por amostragem complexa por conglomerados e múltiplos estágios de abrangência nacional. Uma equipe médica com um otorrinolaringologista visitou domicílios e realizou entrevistas com participantes de 12 anos ou mais. O diagnóstico de RSC foi definido pela resposta positiva aos sintomas de obstrução nasal e rinorreia por mais de três meses e, ao mesmo tempo, pelo exame endoscópico com achados de pólipo ou secreção no meato médio. A prevalência estimada de RSC na Coreia do Sul foi de 6,95%.191

 

Hastan et al. (2011)192 publicaram parte dos resultados do estudo multicêntrico europeu GA2LEN (do inglês, Global Allergy and Asthma Network of Excellence), relativa à investigação da epidemiologia da RSC. Um questionário foi enviado pelos correios para uma amostra randomizada de adultos entre 15 e 75 anos em 19 centros da Europa, abrangendo 12 países, sendo utilizado como critério diagnóstico a definição epidemiológica publicada no EP3OS 2007.188 A prevalência estimada de RSC na Europa foi de 10,9% (6,9% a 27,1%), porém a taxa de resposta total foi de 48%, com grande variação entre os centros (23,2% a 80,3%).213Tomassen et al. (2010)193 relataram a consistência e validade do critério epidemiológico de RSC definido pelo EP3OS 2007,188 utilizando dados do inquérito europeu GA2LEN.

 

Pilan et al. (2012),194 em recente estudo na cidade de São Paulo, com desenho de amostragem complexo incorporando estratificação e múltiplos estágios de seleção para obtenção de amostra representativa da população, utilizaram a definição epidemiológica de RSC preconizada pelo EP3OS 2007.188 O questionário envolvendo essa definição foi aplicado por meio de entrevistas domiciliares com 2.006 indivíduos, de 12 anos ou mais, com prevalência de RSC em 5,51% deles, e alta taxa de resposta de 87,8%.194 Não foi encontrada diferença estatisticamente significativa na prevalência segundo o sexo. Nesse mesmo estudo houve maior prevalência de RSC em pacientes que apresentavam asma e rinite. No entanto, não houve associação significativa com tabagismo. Para fins de comparação com a metodologia utilizada na pesquisa de Pleis et al. (2009),189foi inserida a mesma questão: "Nos últimos 12 meses, você teve sinusite diagnosticada por um médico?" A prevalência de rinossinusite autorreferida diagnosticada por um médico (sem distinção se aguda ou crônica) foi de 16,55%.

 

Fisiopatogenia

 

Microbiologia

 

Em contraste à etiopatogenia das RSAB, que envolve um continuum de alterações promovidas por uma infecção viral seguido de superinfecção bacteriana, o papel de agentes microbianos na fisiopatogenia das RSC ainda não está totalmente elucidado.

 

Nenhum agente microbiano isoladamente é capaz de justificar a diversidade e a heterogeneidade dos processos fisiopatogênicos envolvidos na RSC, de modo que uma teoria microbiana nem sempre é aplicável a todos os pacientes. Grandes avanços têm sido obtidos na última década, com estudos explorando novas interações entre o hospedeiro e o meio ambiente na gênese da inflamação crônica, abrindo perspectivas para novas terapêuticas.

 

Participação viral

 

Atualmente, existe pouca investigação a respeito da participação viral na fisiopatogenia das RSC. Apesar da alta frequência de infecções agudas do trato aéreo superior, ainda não está bem-esclarecido se os vírus atuam como fonte de estimulação crônica ou se deflagram o processo inflamatório inicial. Por terem a capacidade de se incorporar ao DNA do hospedeiro sob a forma epissomal, os vírus podem persistir cronicamente na mucosa respiratória. Estudos recentes de detecção genómica viral têm demonstrado desde ausência195 até significativas taxas de detecção dos principais vírus respiratórios, especialmente rinovírus196 e metapneumovírus.197 No entanto, ainda não há evidências se esses vírus são protagonistas de uma infecção latente sem efeitos citopáticos para o hospedeiro ou se estão ativos produzindo antígenos e se replicando.

 

Participação fúngica

 

Dentre as diferentes classificações de processos inflamatórios nasossinusais crônicos envolvendo a etiologia fúngica, é incontestável que, em algumas condições, como na bola fúngica e nas formas crônicas invasivas, o papel do fungo é central.198,199 No entanto, a participação do fungo nas formas de RSC idiopáticas ou sem causa aparente é ainda tema de muita controvérsia.

 

A teoria da etiologia fúngica para as RSC200 trouxe grande expectativa ao tentar relacionar a alta positividade de detecção de fungos em pacientes com RSC, associada a elevado número de eosinófilos no tecido e nas secreções. Diversos estudos in vitro demonstraram que a estimulação de linfócitos por antígenos fúngicos foram capazes de produzir maiores quantidades de interleucina-5 (IL-5), IL-13 e interferon-gama (INF-gama)201 e estimular a degranulação eosinofílica.202,203 No entanto, outros investigadores não conseguiram reproduzir tais achados ou até mesmo encontraram resultados divergentes.204–206

 

A tentativa de se comprovar a teoria fúngica por meio de ensaios clínicos com antifúngicos tópicos e sistêmicos também não revelou resultados animadores. Os estudos controlados não têm apresentado a eficácia dos antifúngicos orais207 e tópicos para o tratamento da RSC.208–213

 

Não se pode ignorar que a onipresença de elementos fúngicos poderia atuar como constante estimulador de receptores da imunidade inata e que, por sua vez, poderiam levar à estimulação de respostas inflamatórias específicas.214,215 Em virtude do conjunto das atuais evidências, os fungos não parecem ter participação universal nas RSC, mas em determinados pacientes poderiam exercer papel modulador na doença.216

 

Participação bacteriana

 

Estudos envolvendo técnicas convencionais de crescimento e identificação bacteriana têm sido amplamente realizados em pacientes com RSC. A maioria das casuísticas nacionais,217,218 assim como as internacionais,219–222 encontraram maior prevalência de S. aureus, bactérias gram-negativas e anaeróbios em comparação a pacientes-controle, ou mesmo com RSA. No entanto, a identificação de bactérias pelo método tradicional, por meio de cultura in vitro, apresenta algumas limitações de sensibilidade e especificidade. Em geral, o método convencional demonstra positividade apenas para germes dominantes ou favoráveis àquele meio de crescimento, representando apenas o sítio da coleta (meato médio, cavidade nasal ou seio paranasal), com risco de contaminação de outras regiões (como a nasofaringe e o vestíbulo nasal), ou não permite a diferenciação de micróbios colonizadores dos germes patogênicos (como, por exemplo, S. epidermidis).

 

A fim de contornar tais limitações de interpretação da flora em indivíduos com RSC, outras técnicas mais sensíveis e específicas têm sido utilizadas para a caracterização da flora nasossinusal em indivíduos sadios e com RSC. Estudos recentes utilizando técnicas moleculares demonstram alta prevalência de bactérias, com predominância de S. aureus, P. aeruginosa e bactérias anaeróbias, caracteristicamente polimicrobianas.223–225 Esses estudos têm demonstrado que indivíduos com RSC apresentam a mesma carga bacteriana que os saudáveis, porém com menor diversidade da flora, indicando possível distúrbio da microbiota.226Estudos mais amplos de análise do microbioma humano ainda são necessários para avaliar a importância da quantidade e biodiversidade dessas bactérias em indivíduos doentes e sadios, considerando que as características genéticas, geográficas e ambientais podem influenciar a microbiota nos diferentes quadros de saúde.

 

Baseados em estudos de microbiologia convencional e alguns moleculares, observou-se que o S. aureus tem sido o principal agente bacteriano encontrado em pacientes ocidentais com RSC, tanto em condições pré como pós-operatória,227 e com menor prevalência na população chinesa,228 sendo identificado com maior frequência em pacientes com polipose nasossinusal extensa do que em indivíduos-controle ou mesmo com RSCsPN.229

 

Uma característica peculiar do S. aureus é a capacidade de produzir exotoxinas com propriedades de superantígenos. Há evidências de que os superantígenos estafilocócicos podem participar da fisiopatogenia das RSC, especialmente em RSCcPN com indução de IgE policlonal específica e estimulação de mastócitos,230 aumentos de IL-4, IL-5, eosinófilos e proteína catiónica eosinofílica231–234 e associação com asma grave.230,235–238 No entanto, a simples presença de S. aureus produtor de enterotoxina na cavidade nasal não é suficiente para produzir reação inflamatória crônica e formação de pólipos.239 Acredita-se que a ação primordial dos superantígenos seja a de modular a inflamação nas vias aéreas superiores, dependendo das reações particulares de cada indivíduo.240

 

Outra forma bacteriana que tem sido demonstrada em RSC são os biofilmes bacterianos. Apesar da grande variabilidade na prevalência de biofilmes nos diferentes estudos, provavelmente devido às diferentes técnicas utilizadas, estima-se que pelo menos 25% dos casos estejam associados à sua presença.241,242

 

De maneira geral, pacientes com RSC apresentam taxas significativamente mais elevadas de biofilme em relação aos indivíduos saudáveis. Contudo, da mesma forma que as bactérias planctônicas, não se sabe qual o real papel dos biofilmes na fisiopatogenia da RSC, não sendo possível determinar se a colonização dos biofilmes seria a causa ou a consequência da reação inflamatória crônica.243

 

Além do possível envolvimento de múltiplas espécies bacterianas nos biofilmes, também têm sido encontrados nichos de colonização simultânea de fungos e bactérias.244

 

A presença de determinadas espécies bacterianas nos biofilmes pode influenciar de modo distinto a evolução de pacientes submetidos a tratamento cirúrgico. Os S. aureus e a P. aeruginosa estão associados a pior evolução pós-operatória ou a maior número de cirurgias revisionais.245–249 Por outro lado, pacientes que apresentam biofilmes com H. influenzae ou S. epidermidis têm melhor prognóstico pós-operatório.247

 

Em termos de mecanismos patogênicos, dois estudos independentes, utilizando diferentes métodos de detecção em diferentes populações, mostraram resultados opostos de polarização da resposta inflamatória, seja para Th1 (neutrófilo, INF-gama, MIP-1 - macrophage inflammatory protein-1, G-CSF - granulocyte colony stimulator factor)250 ou Th2 (IL- 4, IL-5, ECP - eosinophil cationic protein)251 nos pacientes com biofilme. Estudos recentes revelaram que a presença de biofilmes está associada com maior positividade de expressão de receptores de TNF (tumor necrosis factor) dos tipos I e II e aumento de plasmócitos e de marcadores eosinofílicos, tanto em RSCcPN como em RSCsPN.252

 

Na RSCcPN, a presença de biofilmes modifica o padrão de células apresentadoras de antígenos na camada subepitelial, com possível mudança no modo de estimulação de respostas adaptativas e consequente produção de mediadores inflamatórios específicos.253 Finalmente, a presença de biofilmes bacterianos em RSC está associada à maior expressão de TLR-2 (toll-like receptor-4) e NF-kB (nuclear factor kB), mas não de TLR-4, possivelmente com ativação da imunidade inata de modo distinto em relação às RSC sem biofilme.254

 

Além das formas bacterianas que colonizam a superfície da mucosa nasossinusal, bactérias intracelulares também têm sido identificadas, de modo viável, na mucosa respiratória de pacientes com RSC, especialmente o S. aureus.255,256

 

A presença de bactérias intracelulares viáveis poderia justificar outra forma de persistência bacteriana na mucosa respiratória, especialmente nas crônicas e recorrentes. Apesar de não serem conhecidos os mecanismos que levam à internalização e sobrevivência de S. aureus intracelularmente, curiosamente os nichos de microcolonização intracelular estão associados a menor desencadeamento inflamatório adjacente, com redução do recrutamento de linfócitos T e eosinófilos ao redor.257 Ainda, Tan et al. (2012)258 demonstraram significativa correlação entre a presença de S. aureusintracelular com a de biofilmes bacterianos na superfície da mucosa de indivíduos com RSC, relatando que tanto a persistência intracelular quanto a aderência das formas bacterianas na superfície podem contribuir para a manutenção do processo inflamatório crônico. Outro fato relevante é que o tipo da cepa de S. aureus também pode determinar as consequências sobre o hospedeiro. Assim, a capacidade de formação de biofilmes na superfície, a internalização em células específicas e a produção de determinadas citocinas pró e anti-inflamatórias também dependem das características morfofuncionais da bactéria.259

 

A grande diversidade da microbiota nasossinusal, seja na forma de bactérias planctônicas, biofilmes ou mesmo formas intracelulares, assim como as inúmeras possibilidades de interação com mecanismos de imunidade inata e adaptativa do hospedeiro, provavelmente devem atuar como importantes fatores da inflamação tecidual nas RSC, seja como desencadeador, modulador ou mesmo mantenedor da inflamação crônica nasossinusal.

 

Mecanismos inflamatórios

 

Apesar de semelhantes nos sintomas, a RSCsPN e a RSCcPN são diferentes em nível celular e molecular. Existe crescente evidência científica de que a diferenciação apenas fenotípica da RSC é insuficiente, fazendo-se necessária a diferenciação entre os vários tipos de RSC baseada no endotipo da doença, ou seja, nos marcadores celulares e moleculares.260 Isso seria vantajoso não apenas para prever o prognóstico do paciente mais especificamente, mas também para o desenvolvimento de novas terapias, prescritas de acordo com o endotipo da RSC.

 

Histologicamente, a RSCsPN é caracterizada por infiltrado neutrofílico, aumento de fibrose e de depósito de colágeno no estroma. A membrana basal apresenta-se pouco espessada e não há depósito de pseudocistos.261 Já a RSCcPN é caracterizada por extenso infiltrado leucocitário (em 80% dos casos, eosinofílicos) associado à franca presença de pseudocistos com acúmulo de albumina e edema, associado à diminuição de colágeno no estroma. A membrana basal encontra-se espessada e há alteração histológica significativa no epitélio.261

 

As teorias mais recentes indicam que há distúrbio na interação entre imunidade inata e adaptativa em ambos os casos. A imunidade adaptativa é mais recente filogeneticamente, orquestrada essencialmente pelos linfócitos. Esse sistema depende da prévia exposição do indivíduo a esse antígeno.1

 

A imunidade inata é mais antiga filogeneticamente, e reconhece imediatamente (sem exposição prévia) o que não pertence ao organismo. Um exemplo seria um vírus DNA de fita simples, por não ser característico do ser humano, no qual a imunidade inata é ativada imediatamente. Acreditava-se que esse sistema fosse extremamente rudimentar, mas, na atualidade, sabe-se que ele é extremamente complexo e que interage de forma dinâmica com a imunidade adaptativa.

 

Assim, de maneira simplista, sugere-se que a RSC exista porque há lesão irreparável do epitélio e ativação da imunidade inata. Esta é responsável por acionar, por fim, a imunidade adaptativa do indivíduo.262 Nesse sentido, a principal célula iniciadora desse processo é a epitelial.

 

O epitélio nasal é importante não apenas como barreira mecânica contra os diferentes patógenos e estímulos, mas por atuar ativamente nos processos imunológicos inatos e adaptativos.263,264 Em condições ideais, o epitélio é capaz de destruir essas partículas sem que o sistema adaptativo seja ativado.265 Dessa forma, a lesão epitelial é essencial para o processo inflamatório crônico.

 

Nessa condição de lesão epitelial, os PAMPs (pathogen-associated molecular patterns) ligam-se aos receptores PRRs (pattern recognition receptors), presentes na membrana celular e no citoplasma das células epiteliais. Esses PRRs são ativados pela presença de patógenos, antígenos, células necróticas, entre outros. Os PRRs mais conhecidos atualmente são os TLR (toll-like receptor) e os NLR (NOD-LR - nucleotide-binding and oligomerization domain like receptors). Os TLRs são os mais estudados em epitélio nasal. Existem, sabidamente, mais de 10 TLRs, e cada um deles é específico para um patógeno. Como exemplo, enquanto o TLR2 liga-se a bactérias gram-positivas e alguns fungos, o TLR3 liga-se predominantemente a vírus, e o TLR4 a bactérias gram-negativas.

 

Uma vez ligados aos PAMPs, os TLR induzem a secreção de proteínas no muco nasal (a exemplo de lisozimas e lactoferrina),260 citocinas e quimiocinas.266 As citocinas são moléculas que promovem o padrão inflamatório; já as quimiocinas são responsáveis pelo recrutamento de células inflamatórias em direção ao tecido lesado.

 

Alguns estudos mostram diminuição de secreção dessas moléculas de defesa contra patógenos (defensina, lisozima, lactoferrina, S100A7)266–268 nos pacientes com RSC, o que compromete a função de barreira imunológica do epitélio. Além disso, a expressão de tight junctions (TJs) também se apresenta diminuída no pólipo nasal.269 As TJs são moléculas que unem as células epiteliais umas às outras, controlam a permeabilidade epitelial para o afluxo de substâncias ou permissividade de células inflamatórias, além de impedirem a entrada de partículas externas.260 A diminuição da expressão dessas moléculas demonstra a fragilidade do epitélio, especificamente do pólipo nasal. Tanto o IFN-gama, citocina típica do padrão Th1, quanto a IL-4, citocina típica do padrão Th2, conseguem aumentar a permeabilidade epitelial por diminuírem as TJs.270

 

Existem relatos de alterações da expressão dos TLR; enquanto a RSCsPN apresenta aumento da expressão de TLR2 e TLR4, os pólipos nasais apresentam diminuição da expressão de TLR2 e TLR9.263,271–273 Essas alterações foram especialmente observadas em pacientes com recorrência precoce da RSCcPN,272 sugerindo a importância da imunidade inata na fisiopatogenia da RSC.

 

Uma vez ligado à partícula específica, o TLR ativa sua cascata inflamatória. Essencialmente, essa cascata ocorre pela via canónica (via MyD88 - myeloid differentiation primary response-88) ou alternativa (via TRIF - TIR domain containing adapter inducing interferon-β). Ambas as vias ativam os fatores de transcrição, moléculas que apresentam capacidade de entrar no núcleo das células e de se ligar diretamente ao DNA, induzindo ou reprimindo a transcrição gênica de algumas moléculas, em especial das citocinas, quimiocinas e moléculas de adesão. A diferença entre as duas vias é que a alternativa induz a produção de IFNs (interferons), o que aciona a resposta inflamatória adaptativa do tipo Th1.274–276 Já a via MyD88 aciona os fatores de transcrição NF-kB (nuclear factor κβ),274,277 MAPK (mitogen activated protein kinase) e STAT-3 (signal transducer and activator of transcription-3),260 que amplificam a resposta imune adaptativa em alguns casos com padrão predominantemente Th1 e, em outros, Th2.

 

De fato, o NF-kB é um fator de transcrição que tem sua expressão aumentada em pacientes com RSCcPN.278,279 Esse fator é especialmente importante não apenas por seu extenso poder pró-inflamatório, induzindo a produção de várias citocinas, como IL-1β (interleukin-1ß), TNF-α (tumoral necrosis factor-a), IFN-gama, eotaxina, ICAM-1 (intercellular adhesion molecule 1) e VCAM-1 (vascular cell adhesion molecule 1),278,280 mas também pelo fato de poder inibir diretamente a ação do corticosteroide na célula, por impedir a ligação do seu receptor (GR - glucocorticoid receptor) ao DNA da célula.278,280 Um estudo prospectivo281 demonstrou que o aumento de expressão de NF-kB esteve relacionado à recidiva mais precoce de RSCcPN. As próprias células epiteliais direcionam o padrão de resposta inflamatória: exemplos são as citocinas IL-33, IL-25 e TSLP (thymic stromal lymphoprotein), que induzem a polarização das células dendríticas e dos linfócitos T para o padrão Th2 e, consequentemente, a eosinofilia no tecido.263,266,282,283 A expressão de IL-33 se encontra aumentada na RSC, tem relação direta com o grau de eosinofilia no tecido282 e está ainda mais presente nos casos não responsivos ao tratamento.284 As IL-25 e TSLP induzem a expansão de linfócitos Th2, independentemente da resposta adaptativa.285,286 A TSLP é especialmente importante na interface entre as células epiteliais e dendríticas,282 ativandoas e, finalmente, polarizando as células T para o padrão Th2. A IL-6 é uma citocina essencial para a transição entre essa fase e a ativação da imunidade adaptativa (fig. 3).266

 

Diversas células da mucosa nasal produzem quimiocinas para atrair as células inflamatórias e moléculas de adesão, que facilitam a permeabilidade vascular para o influxo dessas células. Em conjunto, elas aumentam o influxo de células inflamatórias para o sítio. Exemplos de quimiocinas são as RANTES (regulated on activation, normal T cell expressed and secreted) e eotaxinas, que recrutam especialmente eosinófilos e estão aumentados na RSCcPN,264,278,287–289 enquanto a IL-8 recruta neutrófilos e está especialmente amplificada na RSC, com ou sem PN.290 Em relação às moléculas de adesão ICAM-1 (intercellular adhesion molecule 1) e VCAM-1 (vascular cell adhesion molecule 1), os resultados são controversos na literatura; alguns estudos não demonstram aumento de expressão de ICAM-1.288 No entanto, essa expressão esteve relacionada à pior resposta ao corticosteroide nos pacientes com RSCcPN.291 Nos pacientes com RSCsPN, o padrão inflamatório é quase exclusivamente neutrofílico, mediado por Th1,263 com aumento de IFN-γ, IL-12 e TNF-α (fig. 4).283,292

 

 

Figura 3 Ilustração da participação da imunidade inata na fisiopatogênese da RSC: uma vez que os receptores toll-like (TLR) ou nodlike(NLR) ligam-se ao PAMP, ocorre estímulo de produção de citocinas Th1 e Th2, além de diminuição de citocinas Treg, por duas vias: MyD88 e TRIF. Além disso, são produzidas lactoferrinas e lisozimas.

 

 

Figura 4 Resposta específica para a RSCsPN. Após estímulo de imunidade inata, na presença de altas concentrações de IL-6, ocorre resposta adaptativa polarizada para Th1, com aumento de Treg associada. Isso resulta em uma resposta neutrofílica e em um processo inflamatório modulado.

 

Já na RSCcPN, há um padrão predominantemente misto inflamatório Th1/Th2287,290 nas populações europeia e americana, mas com franco predomínio Th2, aumento expressivo de expressão de IL-5, além de outras citocinas, como IL-4, e IL-13 e do fator de transcrição GATA-3 (fig. 5).1,4,282,283,289,292 a IL-5 tem especial importância na RSC-cPN porque é altamente produzida por eosinófilos, e sua principal função é induzir eosinofilia tecidual, pelo aumento de influxo dessas células e por diminuir a apoptose das mesmas.283,287,290,293 Além disso, a IL-5 está associada a maior risco de asma e outras comorbidades293 e pior prognóstico pós-operatório.293 Os eosinófilos induzem lesão tecidual, edema e vasodilatação intensa, por produzirem proteínas como ECP (proteína catiónica eosinofílica)283,290,292,294,295 e LT (leucotrienos),296 além da produção de colágeno e espessamento de membrana basal no tecido.297 Esse padrão inflamatório é especialmente encontrado em pacientes que apresentem doença respiratória exacerbada pela exposição ao ácido acetilsalicílico (DREA - associação de RSCcPN, asma e intolerância à aspirina).263

 

 

Figura 5 Resposta específica para a RSCcPN. Após estímulo de imunidade inata ocorre resposta adaptativa polarizada para Th2 e diminuição de resposta Treg. Como resultado, a resposta é predominantemente eosinofílica e exacerbada, resultando em edema.

 

Em contrapartida, os pólipos nasais de pacientes com fibrose cística e os de origem chinesa são predominantemente neutrofílicos,263,292 com intenso infiltrado de IL-8, IFN-γ, MPO (myeloperoxidase) e IL-1β. No caso específico da RSCcPN em chineses, sabe-se que há importante envolvimento da resposta mista Th1/Th17, com franco aumento de expressão de IL-17 por esse tecido.260,282,283,292,298

 

A expressão de IL-1β está aumentada nos pólipos, tanto eosinofílicos quanto neutrofílicos. Apesar de ser pouco significativa na diferenciação entre padrão Th1 e Th2, essa citocina é uma importante molécula pró-inflamatória, e sua expressão está relacionada a pior resposta ao tratamento com corticosteroide tópico291 e pior prognóstico pós-operatório.293

 

Apesar da diferença entre padrões inflamatórios de pólipos nasais europeus/americanos e chineses, todos compartilham a deficiência de resposta Treg.282,298 Esse é outro padrão de resposta de células T, mas com função de inibir e conter o processo inflamatório. A expressão de Fox-P3, fator de transcrição que é o principal marcador da resposta Treg, está diminuída na RSCcPN.282,298,299 Ao contrário do que foi observado na RSCsPN, em que a expressão de Fox-P3 e de TGF-ß (transforming growth factor β) se mostrou preservada,292 a expressão dessas duas moléculas estava diminuída na RSCcPN.282,292,298,299 Acredita-se hoje que essa seja, na verdade, a grande diferenciação entre as duas doenças, pois enquanto na RSCsPN o padrão inflamatório é mais localizado e contido, graças à manutenção da função Treg, na RSCcPN o padrão inflamatório é difuso e exacerbado.261,292

 

Além de extremamente importante na contenção do processo inflamatório, o TGF-ß também é um dos principais indutores de remodelamento, fase em que se regenera o tecido recentemente lesionado pelo processo inflamatório.260,261 Enquanto na RSCsPN o TGF-ß está aumentado, na RSCcPN ele está bem diminuído.260,261,283,287,289,290,300,301 O TGF-ß é essencial para o balanço entre a expressão das MMPs (matrix metalloproteinases),1,282,292 cuja função essencial é degradar a matriz extracelular do estroma do pólipo, contribuindo, assim, para o edema, e de seu inibidor TIMP (tissue inhibitor of metalloproteinases). As MMPs apresentam-se aumentadas em amostras nasais de pacientes com RSCcPN e RSCsPN,260,261,287,292,297,302,303 facilitando o influxo de células inflamatórias. Já o TGF-ß, Fox-P3 e os TIMPs encontram-se aumentados na RSCsPN, mas diminuídos na RSCcPN, o que justificaria a diferença de extensão inflamatória da doença.260,261,292,302,303 A expressão de MMP-9 ainda guarda relação com a recorrência da RSCcPN, de forma que os pacientes com maior expressão apresentam pior prognóstico.261,292,303

 

Apesar dos avanços, ainda há novos endotipos a serem conhecidos para a total compreensão da fisiopatogenia da RSC. Esse conhecimento é essencial para a definição de subgrupos mais propensos a uma ou outra terapia. Exemplos disso são o mepolizumabe (anti-IL5) e os macrolídeos, que teriam indicação mais apropriada para pacientes com IL-5 aumentada e para os sem eosinofilia marcante, respectivamente,260 dentro do grupo de pacientes com RSCcPN. O estudo da endotipagem da RSC é fundamental para o desenvolvimento de novas terapias mais eficazes que as atuais.

 

Genética na rinossinusite crônica

 

A genômica analisa as alterações na sequência do DNA (polimorfismos genéticos) de duas maneiras: estudos baseados em hipóteses e estudos livres de hipóteses.1,304,305 A maioria dos artigos publicados em RSC são estudos baseados em hipóteses (ou de gene candidato) e investigam mecanismos ou vias já sabidamente alteradas na doença. Poucos polimorfismos são analisados por vez, e o custo da pesquisa é relativamente baixo.304,306 Já os estudos livres de hipótese mais conhecidos são os de ligação e os genómicos amplos (GWAS - genome-wide association studies).304,306–309 O GWAS utiliza chips caros, de alta densidade e capazes de avaliar mais de um milhão de polimorfismos ao mesmo tempo. Uma maneira de baratear o estudo (mas não sem perda de informação genética) é realizar pools de DNA de casos e controles utilizando-se apenas um chip para cada grupo, conhecido como pooling-based GWAS (pGWAS).304,306–309

 

Evidências de pesquisa genética em rinossinusite crônica

 

Embasamento genético para rinossinusite crônica

 

A ideia inicial de uma base genética para a RSC partiu da existência de agregação familiar. O relato de uma família, na qual foram estudados descendentes de dois irmãos, um com e outro sem RSC, mostrou maior prevalência de RSC no primeiro grupo.310 Outros estudos mostraram também agregação familiar,311–314 havendo concordância entre prevalência familiar e gravidade da doença,311 maior chance de história familiar positiva para RSC entre pacientes com RSC314 e um relato de gêmeos monozigóticos com RSCcPN, apesar de morarem em regiões distintas.315

 

Genes do sistema HLA

 

As mutações nos genes dos antígenos leucocitários humanos (HLA) estão bastante associadas a doenças inflamatórias, porém a associação com RSC não está totalmente esclarecida.1,304 Foram identificadas alterações nas frequências de vários alelos HLA.316–320 Um estudo com mestiços mexicanos com RSCcPN associou o alelo HLA-DRB1*04 à doença,319 mas não em uma população turca com RSCcPN, exceto para RSCcPN com asma ou DREA.318 Esses achados mostram que este alelo pode estar relacionado a diferentes fenótipos da RSC em diferentes populações.

 

Gene CFTR

 

Está situado no cromossomo 7q e suas mutações são causadoras de fibrose cística. É o gene mais relacionado à RSC. Existe correlação entre a homozigose da mutação ΔF508 e a presença de pólipos em fibrose cística (FC) na população brasileira.321 A presença de mutações da FC (mesmo sem FC) é fator de risco para RSC,322–324 e pacientes com RSC sem FC têm maior probabilidade de portar mutações no gene CFTR do que os controles. A mais encontrada é a ΔF508, seguida da M470V.325

 

Genes da imunidade inata

 

Estudos do gene candidato com polimorfismos do TLR-2 não encontraram associação entre a RSCcPN e o polimor fismo TLR2 R753Q rs5743708;326,327porém, existe associação com os polimorfismos TLR2 rs3804099 e rs380410048. O polimorfismo do gene para o receptor do gosto amargo TAS2R38 parece influenciar na habilidade das células respiratórias em combater infecções, podendo ser um componente desconhecido da imune inata, servindo de sentinela para infecções por Pseudomonas aeruginosa.328 O CD14 é um componente da imunidade inata cujo polimorfismo C-159T em seu gene foi associado à RSCcPN.329 O óxido nítrico (NO) é uma molécula com função de defesa contra biofilmes bacterianos, produzida pela NO sintase (NOS). Dezesseis polimorfismos nos genes da NOS1 e de seu ligante foram pesquisados; os polimorfismos rs1483757 e rs9658281 talvez possam exercer efeito protetor contra a RSC.330 O polimorfismo do tipo microssatélite CCTTT no gene NOS2A foi associado à RSCcPN, quando apresentava 15 ou mais repetições.331

 

Outros genes envolvendo inflamação, remodelação e metabolismo

 

O alelo T do polimorfismo C-590T da interleucina (IL)-4, uma importante interleucina Th2, pareceu exercer efeito protetor contra a RSCcPN, porém este mesmo alelo aumenta a expressão de IL-4, ao invés de diminui-la.332 O alelo G do polimorfismo G-174C da IL-6 apresentou associação com RSCcPN e asma.333,334 O genótipo AA do polimorfismo A-1510C e o genótipo CC do C-1055T foram associados à RSC em pacientes com asma e intolerância à aspirina.335 A IL-33, outra interleucina associada à resposta Th2, também foi associada à RSCcPN, pelo seu alelo A do polimorfismo rs3939286.336

 

O polimorfismo C-1562T no gene da MMP-9 parece estar associado à RSCcPN,337 apesar de outro estudo só mostrar associação em RSCcPN com asma e intolerância à aspirina.338 O alelo T do polimorfismo do gene do TGF-ß C-509T foi associado à RSC em asmáticos intolerantes à aspirina e esteve relacionado a níveis menores da proteína.339 Além disso, há associação genética entre os polimorfismos TGF-ß C-509T e IL-10 A-1082G, sendo os alelos mutados mais associados à RSC.340

 

A enzima leucotrieno C4 sintase é crítica na regulação da síntese dos cisteinil-leucotrienos, que estão aumentados em RSCcPN, principalmente na DREA, e o alelo C do polimorfismo rs730012 de seu gene esteve mais associado à RSCcPN.341,342

 

Estudos livres de hipóteses

 

O estudo de ligação sobre RSC corrobora o papel do gene CFTR em RSC. O maior pico de ligação foi encontrado na região 7q31.1 a 7q32.1, onde o gene CFTR se localiza.307 Porém, a genotipagem de 38 mutações desse gene não revelou qual o responsável por este sinal.307 Provavelmente, esta falha seja em razão do grande número de mutações diferentes neste gene que não são abordadas pelos exames habituais.

 

O primeiro estudo de pGWAS utilizou um chip para mais de 550.000 polimorfismos genéticos e mostrou associação com vários genes não relacionados anteriormente com RSC, como: genes de membrana basal e matriz extracelular, como a laminina-a2 (LAMA2) e laminina-ß1 (LAMB-1); de função mitocondrial, como a prolil-tRNA sintetase (PARS2); e de degradação de lipopolissacarídeos, como a aciloxiacil hidrolase (AOAH).308 A associação com AOAH foi confirmada em um estudo de replicação com RSCsPN, mas não para RSCcPN.343

 

O segundo estudo de pGWAS foi uma análise secundária dos dados, de acordo com a gravidade da doença. Nessa análise houve associação do alelo G do polimorfismo do gene TP73 (rs3765731) com risco de RSC mais grave.309 Todos esses novos achados implicados nos estudos de pGWAS necessitam replicação e validação funcional dos polimorfismos.

 

Considerações finais

 

Alguns pontos devem ser considerados para futuras pesquisas genéticas da RSC. Inicialmente, a importância da fenotipagem adequada para se evitar a mistura de mecanismos fisiopatológicos distintos. Outro foco deve incluir a replicação dos resultados. Além disso, a interação gene-ambiente deve ser analisada; tabaco e poluição são dois fatores ambientais que merecem consideração. O GWAS precisa ser mais bemexplorado na pesquisa da RSC, além de outras técnicas, como a epigenômica e o sequenciamento completo de genomas e exomas. Por fim, há necessidade de se desenvolverem estudos funcionais. Somente assim será possível inferir qual alteração genética realmente interfere ou causa a doença.

 

Diagnóstico clínico

 

Diversos exames já foram elaborados para o diagnóstico clínico da RSC, mas na maioria dos pacientes esse diagnóstico baseia-se apenas na presença de sinais e sintomas nasossinusais, com mais de 12 semanas de evolução.1,188,344,345 Endoscopia nasossinusal e TC são exames complementares e auxiliam na classificação da doença. Tanto nas formas de RSCcPN como na RSCsPN, os principais sintomas são:

 

Obstrução nasal344,345

 

Sintoma extremamente subjetivo. É uma das queixas mais frequentes na prática clínica, acometendo em torno de 83,7% dos pacientes,192 e mostra-se mais importante em paciente com polipose nasossinusal. Ela é causada por congestão dos vasos sinusoidais, resultando em edema local, seguido de fibrose tecidual e que, posteriormente, só cede com uso de vasoconstrictor. Apesar de ser um sintoma subjetivo, diversos artigos na literatura utilizando a rinomanometria acústica e o peak flownasal inspiratório validaram a obstrução nasal como sintoma importante da RSC.346

 

Rinorreia

 

Pode ser anterior ou posterior, e varia de secreção hialina até mucopurulenta, estando presente em 63,6% dos pacientes com RSC. Também pode estar associada à cacosmia, à tosse e ao pigarro. É um sintoma de difícil validação ou quantificação.192

 

Alterações do olfato

 

Hiposmia ou até anosmia são frequentes, principalmente na RSCcPN, presentes em até 46% dos pacientes.192,345 Pode ser causada por processo obstrutivo (polipose), edema e/ou degeneração da mucosa decorrente de processo inflamatório crónico, com presença ou não de pólipos nasais, ou decorrente de intervenções cirúrgicas locais.1,188,347 Existem diversos testes com excelentes níveis de evidências na literatura que comprovam as alterações do olfato em pacientes com RSC.1,66

 

Dor ou pressão facial

 

Sintoma de prevalência variável (18% a 80%).1 Está mais relacionado à RSCcPN, a pacientes com rinite alérgica de difícil controle ou durante os processos de agudização.1 A cefaleia rinogênica é diagnóstico de exclusão, segundo a Sociedade Internacional de Cefaleia (IHS).1

 

Tosse

 

Na infância, a tosse é um sintoma frequente, geralmente improdutiva, podendo ser a única manifestação presente na RSC. Além dos sintomas habituais, queixas como pigarro, irritação faringo-laríngea, disfonia, halitose, plenitude auricular, adinamia e distúrbios do sono devem ser interrogadas.1,188,344,345Durante a anamnese é importante, além dos sintomas clássicos já descritos, questionar sobre doenças sistêmicas e fatores predisponentes que possam favorecer o desenvolvimento da RSC. Hábitos pessoais como tabagismo, consumo de cocaína, exposição a inalantes tóxicos, tipo de clima da região onde reside e poluição ambiental devem ser investigados.

 

Exame físico

 

Rinoscopia anterior (sem e com vasoconstritor) de valor limitado, exceto nos casos de polipose, quando pode ser visualizada pela simples inspeção do vestíbulo nasal. Porém, é importante descrever sinais como hipertrofia de conchas nasais inferiores e médias, desvios septais ou degenerações de mucosa. Vale ressaltar que não existem sinais patognomônicos de RSC.1,344

 

Orofaringoscopia

 

A presença de secreção mucocatarral retropalatal justifica o sintoma de descarga pós-nasal, independentemente da coloração.1,344,345

 

Exames complementares

 

Endoscopia nasal

 

A endoscopia nasal permite visualizar, de forma sistemática, a cavidade nasal (concha inferior, média e superior), o septo nasal, além da rinofaringe e das vias de drenagem, podendo ser realizada com e sem descongestionante tópico nasal. Também pode ser observada a presença de pólipos, degeneração de mucosa, secreção, crostas, alterações estruturais, cicatrizes e tumores nasais. Pode ser realizada na avaliação inicial ou em intervalos regulares (por exemplo, em 3, 6, 9 e 12 meses) para o auxílio diagnóstico, supervisão do acompanhamento da doença e dos pós-operatórios, bem como na coleta de material para exames auxiliares.348,349

 

É importante realizar uma avaliação sistemática das cavidades nasais, como análise do septo nasal, das conchas nasais, visualização do meato médio, dos recessos esfenoetmoidais e da nasofaringe. Também é necessário verificar a presença de crostas, ulcerações, perfurações septais, sinais de sangramento nasal, bem como secreções, e afastar a possibilidade de polipose associada e lesões expansivas. É muito importante o exame endoscópico nos pacientes submetidos à intervenção cirúrgica. A evidência de doença da mucosa após seis meses do ato operatório deve ser considerada como RSC. Outro fator a ser levado em consideração em pacientes com cirurgia prévia é a recirculação do muco pela não inclusão do óstio natural do seio maxilar na antrostomia.

 

Fokkens et al. (2012)1estabeleceram escore endoscópico para o acompanhamento da RSC (tabela 1).

 

Tabela 1 Escore endoscópico para acompanhamento da RSC

 

Característica Avaliação inicial Acompanhamento 3/6/12/24 meses

Pólipo -

FNE (0,1,2,3)

Pólipo -

FND (0,1,2,3)

Edema -

FNE (0,1,2)

Edema -

FND (0,1,2)

Descarga nasal -

FNE (0,1,2)

Descarga nasal -

FND (0,1,2)

Pós-operatório

Sinéquia -

FNE (0,1,2)

Sinéquia -

FND (0,1,2)

Crosta -

FNE (0,1,2)

Crosta -

FND (0,1,2)

Total

(Fonte: Adaptado de Fokkens et al., 2012)1

 

A pontuação é realizada da seguinte forma:

 

Pólipos (0 = ausentes; 1 = somente em meato médio; 2 = saem do meato médio, mas não obstruem completamente a fossa nasal; 3 = obstruem completamente a fossa nasal);

 

Edema/Sinéquias/Crostas (0 = ausente; 1 = leve; 2 = severa);

 

Descarga nasal (secreção nasal) (0 = ausente; 1 = clara, fluida; 2 = espessa, purulenta).

 

A endoscopia nasal é um exame de vital importância no auxílio diagnóstico e na supervisão do acompanhamento da doença e do pós-operatório, bem como na coleta de material para exames auxiliares.

 

Exames de imagem

 

A TC é o exame de escolha para a RSC; entretanto, não é o primeiro passo para o diagnóstico, exceto nos casos de sinais e sintomas unilaterais e suspeita de complicação. Existem diversos sistemas de estadiamentos descritos na literatura, porém o mais comumente utilizado é o sistema Lund-Mackay, que estabeleceu o estadiamento com base na opacificação das cavidades paranasais e do complexo ostiomeatal (tabela 2).350

 

Tabela 2 Estadiamento tomográfico sistema Lund-Mackay.

 

Seios paranasais Direito Esquerdo

Maxilar (0, 1 ou 2)

Etmoide anterior (0, 1 ou 2)

Etmoide posterior (0, 1 ou 2)

Esfenoide (0, 1 ou 2)

Frontal(0, 1 ou 2)

Complexo ostiomeatal (0* ou 2*)

Pontos totais para cada lado

(Fonte: Adaptado de Fokkens et al., 2007)188

 

Deve-se ressaltar que anormalidades incidentais são observadas em até 50% das TC de pacientes "normais".188 Portanto, o diagnóstico da RSC baseado apenas na TC de forma isolada não é apropriado. A RM é um exame que define melhor os tecidos de partes moles em relação à TC, permitindo diferenciar secreções e tumorações. Assim, é um exame que complementa a TC em pacientes que apresentam suspeição de neoplasia.

 

Outros exames

 

Bacterioscopia/cultura da secreção sinusal

 

Indicada nos casos refratários ao tratamento e quando o material coletado não é contaminado. É realizada por punção do seio maxilar via fossa canina e por meio do endoscópio com coleta no meato médio.351

 

Citologia nasal

 

É mais utilizada quando se tem quadro de alergia associado. Por si só, não confirma o diagnóstico de RSC.

 

Biópsia

 

Importante para estudo e classificação do estado inflamatório da RSC e polipose nasossinusal. Indicada para o diagnóstico diferencial de doenças autoimunes, granulomatosas e para afastar neoplasias (principalmente em casos unilaterais).

 

Função mucociliar

 

A função mucociliar pode ser avaliada pelo clearancemucociliar (teste da sacarina ou com partículas de radioisótopos), estudo da frequência de batimento ciliar, microscopia eletrônica e aferição do óxido nítrico.352–354 O teste da sacarina pode apresentar resultados falso-positivos. A microscopia eletrônica de transmissão ou varredura é importante para o diagnóstico de discinesia ciliar primária.

 

Patência nasal

 

A patência nasal pode ser avaliada pelo peak flowinspiratório, pela rinomanometria, rinometria acústica e rinosterometria. Contudo, não define o diagnóstico da RSC.355,356

 

Avaliação do olfato

 

A avaliação do olfato pode ser realizada com testes de limiar e quantitativos. O teste de identificação do olfato da Universidade da Pensilvânia foi recentemente validado para o português e adaptado culturalmente para o Brasil.67

 

Teste de sensibilidade ao ácido acetilsalicílico

 

Na suspeita de DREA, deve-se orientar a não ingestão do medicamento, já que o teste de provocação que confirma o diagnóstico pode apresentar riscos para o paciente. Nos EUA, o teste de provocação mais comum começa com a ingestão de 30 mg de aspirina, aumentando-se a dose até ocorrer uma reação. A sensibilidade subclínica a esse medicamento está provavelmente entre 5% e 15%.

 

Exames laboratoriais

 

Uma gama de exames laboratoriais pode ser realizada em casos específicos como parte do diagnóstico diferencial. A história clínica e o exame físico orientam a solicitação de exames, que incluem: hemograma completo com contagem de eosinófilos, PCR, VHS, avaliação das funções renal, hepática e tireoideana, marcadores da imunidade humoral (imunoglobulinas, subclasses da IgG, IgE, anticorpos específicos para tétano, haemophilus, pneumococcus, aspergilus), resposta à imunização e marcadores da imunidade celular (linfócitos T e B), do vírus da imunodeficiência humana (HIV), ANCA (anticorpos anticitoplasma de neutrófilos), dosagem de cloro no suor, entre outros.357

 

Avaliação alergológica

 

Também é importante e fundamental para os pacientes com história positiva de alergia, DREA, ou mesmo suspeita de fungos.

 

Comentários

 

A investigação diagnóstica da RSC baseia-se na história natural do paciente, nos sinais e sintomas, no exame endoscópico e na TC. Considera-se a última como fator preponderante na análise da evolução da doença e na decisão de uma intervenção cirúrgica.

 

Há necessidade de maiores estudos para se evidenciar a participação de fatores predisponentes na patogênese da RSC, como fatores ambientais, genéticos, alergias, refluxo laringofaríngeo, disfunções imunológicas e ciliares. A presença de Heliobacter pylore não impede o rastreio pelo otorrinolaringologista de doenças associadas à RSC refratárias ao tratamento.

 

Outro fator que se deve levar em consideração são os hábitos sociais. Trabalhos recentes demonstram lesões destrutivas da linha média induzidas por cocaína com ANCA (+) mimetizando granulomatose de Wegener associada à sinusite maxilar. Esse dado abre reflexão para a relevância e complexidade do assunto, a importância do estudo multidisciplinar e o impacto social na relação causa/efeito da RSC.

 

Fatores e doenças associadas

 

A RSC apresenta causa multifatorial que provoca inflamação persistente. O conhecimento atual de sua patogênese não permite definir de forma clara uma única via inflamatória que explique todo o processo, desde a lesão inicial até as alterações estruturais no tecido nasossinusal.358 Entretanto, existe um consenso emergente de que a inflamação persistente que define a RSC resulta de uma disfunção do binômio hospedeiro-ambiente, o que torna evidente o desequilíbrio da interação de agentes externos, da predisposição da mucosa nasossinusal, flora comensal, dos patógenos potenciais e do estresse exógeno.359

 

Neste tópico serão discutidas as principais doenças e os fatores associados à RSC, ora se sobrepondo, ora se tangenciando, como condições que desencadeiam, agravam ou perpetuam a inflamação persistente.

 

Fatores predisponentes e doenças associadas

 

Os fatores predisponentes e as doenças associadas à RSC podem ser agrupados em três categorias amplas e superpostas:

 

Fatores ambientais, anatômicos locais e sistêmicos

 

Exposição ambiental

 

A exposição a toxinas como tabaco, ozónio, dióxido de enxofre e poluentes particulados do ar (p.ex., fumaça de combustão do diesel) apresenta potencial para desencadear lesão no epitélio e acentuar a inflamação da via aérea.360A exposição à poluição do ar, aos irritantes químicos diversos, ao inalantes de fotocópia e à fumaça de queimadas1,361estão relacionados ao aumento da prevalência de rinossinusite e asma.362,363 Um estudo comparativo entre pessoas que trabalham em ambiente com ar-condicionado e ventilação natural demonstrou associação positiva com aumento de sintomas nasais, naso-oculares, tosse persistente e sintomas de rinosinusite naquelas expostas ao condicionamento artificial do ar.364

 

Tabagismo

 

Crianças de pais tabagistas apresentam maior predisposição a doenças respiratórias agudas quando comparadas com as de pais não tabagistas.46 A população adulta também tem maior prevalência de rinossinusite em tabagistas (53,1%), quando comparada com não tabagistas (26,4%). Indivíduos com rinite alérgica, expostos ao tabaco apresentam mais episódios de doenças respiratórias quando comparados com o grupo-controle.1

 

Fatores anatômicos

 

Alterações anatômicas como desvio septal, concha média bolhosa, desvios do processo uncinado, célula de Haller, bula etmoidal hipertrófica e agger nasi proeminente estão correlacionados com RSC. Tais variações anatômicas podem desempenhar papel importante na patogênese da RSC e aumentam o risco de doença da mucosa sinusal.365,366 Entretanto, alguns estudos demonstram que essas alterações anatômicas não estão correlacionadas à RSC.367–369 Observa-se que não existe na literatura um estudo específico que correlacione as variações anatômicas com a obstrução da drenagem da unidade ostiomeatal e RSC. Apesar de não haver evidências causais para as variações anatômicas como responsáveis pela RSC, muitos sintomas sinusais melhoram com a correção cirúrgica, que permite maior drenagem das secreções, além de favorecer a ventilação sinusal. Portanto, nos pacientes com RSC é importante a avaliação dos aspectos anatômicos da cavidade nasal.

 

Infecções odontogênicas

 

Fístula oroantral, doenças periodontais, abscesso periapical e raízes dentárias com projeção no seio maxilar são fatores causais de sinusite maxilar aguda. Nos últimos anos, complicações de implantes dentários também se destacam como causas de infecções. Embora as causas odontogênicas de rinossinusites sejam comuns, elas são pouco mencionadas em diretrizes recentes e negligenciadas por muitos otorrinolaringologistas, dentistas e radiologistas.370

 

A dor é frequentemente sinusal isolada e sem acometimento nasal. É mais comumente localizada na região infraorbital uni ou bilateralmente, podendo piorar com a mudança postural da cabeça. Pode também se irradiar para a fronte, para as regiões pré-molares e molares maxilares. Além disso, os pacientes se queixam de febre e secreção retronasal espessa. Nos casos de secreção nasal purulenta, apesar do uso de antibióticos, com manutenção do quadro de dor infraorbital, deve-se suspeitar de sinusite odontogênica. Ao exame físico, observa-se dor à palpação da parede anterior do seio maxilar acometido ou nas proeminências ósseas adjacentes aos primeiros molares. Em alguns casos não se observam alterações externas da estrutura dentária ou mesmo sinais de cárie.371

 

Discinesia ciliar primária

 

A discinesia ciliar primária (DCP) é uma doença autossômica recessiva rara, na qual os cílios se encontram imóveis ou com padrão de movimentação alterado, provocando falha no transporte do muco da via aérea. A incidência da síndrome de cílios imóveis varia entre 1 em 15.000 e 1 em 30.000.

 

A DCP encontra-se associada a sintomas crônicos da via aérea superior, como secreção nasal (episódios de dor facial e anosmia) e bronquiectasia. Nos pacientes neonatos existe rinorreia contínua a partir do primeiro dia de vida.1 O diagnóstico deve ser suspeitado em crianças com asma atípica, bronquiectasia, tosse crônica produtiva, secreção nasal espessa perene e otite média crônica grave (especialmente em crianças com tubos de ventilação com drenagem contínua). Os exames de diagnóstico incluem dosagem do óxido nítrico nasal, cujo resultado é menor que os valores de controle, e teste da sacarina > 30 min.372

 

Testes mais específicos incluem o exame dos cílios por microscopia eletrônica em centros especializados. As anormalidades estruturais mais comuns são ausência dos braços externos de dineína ou combinação de ausência de ambos os braços internos e externos de dineína.41

 

A Síndrome de Kartagener é um subgrupo das discinesias ciliares primárias herdada de forma recessiva autossômica. A anormalidade estrutural é a ausência do braço de dineína. Situs inversus dos órgãos é encontrado em aproximadamente 50% dos casos de discinesias.

 

A Síndrome de Young é incomum, sendo uma combinação de azospermia obstrutiva do epidídimo que se associa à infertilidade.

 

Refluxo laringofaríngeo

 

A associação de refluxo laringofaríngeo (RLF) com rinossinusite é controversa, necessitando de mais estudos para sua comprovação. Nas crianças, a doença do refluxo gástrico esofágico (RGE) está associada com rinossinusite em muitos estudos. Phipps et al.373 conduziram um estudo prospectivo com 30 pacientes pediátricos com sinusite crônica submetidos à phmetria de 24 horas e descobriram que 63% das crianças com RSC tinham RGE. Entre as crianças diagnosticadas e tratadas para RLF, 79% obtiveram melhora dos sinais e sintomas de rinossinusite.373 Apesar de outros estudos também descreverem resultados semelhantes entre RLF e RSC, ainda não se pode preconizar o tratamento antirrefluxo de rotina em pacientes com RSC.

 

Alergia

 

Artigos de revisão sugerem que a atopia predispõe à RSC.374,375 Ambas as condições estão frequentemente associadas e compartilham de prevalências crescentes.376,377 Uma série de estudos relata que marcadores de atopia são mais prevalentes em populações com RSC.35,378–380 Entretanto, o papel da alergia na RSC é questionado por outros estudos epidemiológicos, que demonstram não haver aumento na incidência de doenças infecciosas.381

 

Entre 0,5% a 4,5% dos indivíduos com rinite alérgica apresentam PN.382–384 Por outro lado, a prevalência de alergia em pacientes com PN varia de 10% a 64%.385–387 Contrariando os estudos que descrevem a atopia como mais prevalente em pacientes com PN, outros autores não encontraram tal associação.384,387–389 Alergia não parece ter relação direta com PN, mas pode ser um fator agravante.

 

Recentemente, Bachert et al.390 encontraram associação entre níveis de ambas as IgE total e específica E com infiltração eosinofílica em PN.

 

Recente estudo391 comparando a flora bacteriana da mucosa nasal entre alérgicos e não alérgicos não demonstrou maior crescimento bacteriano naqueles com alergia. Porém, na rinite alérgica, não existem dúvidas de que o edema da mucosa na região dos óstios sinusais pode comprometer a ventilação e drenagem dos mesmos, provocando retenção de muco e infecção.

 

Rinite eosinofílica não alérgica

 

A rinite eosinofílica não alérgica apresenta características clínicas semelhantes à rinite alérgica. Inicia-se na idade adulta, por volta dos 20 aos 30 anos, e é frequentemente associada à rinossinusite com polipose em 30% dos pacientes e asma. Apresentam teste cutâneo e níveis de IgE normais. Recomenda-se não usar AAS e outros anti-inflamatórios não hormonais.

 

Asma

 

A RSCcPN e a asma estão frequente e intimamente associadas, mas sua interrelação ainda precisa ser mais bem compreendida.392,393 A asma é relatada por 26% dos pacientes com RSCcPN, contra 6% dos controles.394,395Alternativamente, 7% dos asmáticos apresentam PN,382 com prevalência de 13% na asma não atópica e 5% em asma atópica.388 Existe alta prevalência de alterações radiológicas dos seios paranasais em pacientes asmáticos.396–398 Os asmáticos com RSCcPN apresentam sintomas nasais mais gaves. Tal associação deve ser uma ferramenta clínica para identificar a gravidade de ambas as doenças.399

 

Intolerância ao ácido acetilsalicílico (AAS) ou doença respiratória exacerbada pelo ácido acetilsalisílico

 

Intolerância ao AAS, asma e PN é uma associação frequente, também conhecida como Síndrome de Samter ou F. Widal. Atualmente, também descrita como AERD pelo AAS, é comum se apresentar com dois componentes, como, por exemplo, PN e asma, aparecendo posteriormente a intolerância aspirínica. O fator etiológico é desconhecido, embora se conheça bem a evolução, que frequentemente é desfavorável, apresentando índice muito alto de recidiva e frustração quando analisado o resultado cirúrgico.

 

Pacientes com intolerância ao AAS apresentam RSCcPN em 36% a 96% dos casos.35,383,400–404 A avaliação radiológica desses pacientes revela que até 96% têm alterações nos seios paranasais.405 Do ponto de vista epidemiológico, pacientes com intolerância ao AAS são, geralmente, não atópicos, com prevalência aumentada em idade superior a 40 anos. Os filhos de pacientes com asma, PN e intolerância ao AAS apresentaram PN e RSC com mais frequência do que os filhos dos controles,406 sugerindo fator hereditário. Zhang et al.407constataram que a IgE específica para enterotoxinas pode ser encontrada na maioria dos PN de pacientes com intolerância ao AAS.

 

Fibrose cística

 

O achado de PN em uma criança é raro (menos de 0,1% das crianças) e deve suscitar uma investigação de FC, presente em até 60% das crianças com PN. Em contraposição, a PN não afeta todos os pacientes com FC, e sua presença varia com a mutação particular do gene da FC responsável pela doença, mas, em geral, em torno de 20% dos pacientes com FC têm PN. A RSC está presente em 70% a 100% dos pacientes. As manifestações clínicas da FC são variáveis, e adultos em suas quinta e sexta décadas de vida podem, em raras ocasiões, apresentar FC recém-diagnosticada.408,409

 

Adultos com PN datando desde a infância devem fazer os testes de sódio/cloreto no suor ou teste genético, ou ambos, para avaliar a FC. Até 7% dos pacientes com RSC são heterozigotos para um gene de FC, em comparação com menos de 1% dos controles normais. As implicações fisiopatológicas desse achado permanecem desconhecidas. A RSCcPN na FC é geralmente caracterizada como RSC não eosinofílica e mais neutrofílica.410

 

Imunodeficiências

 

As imunodeficiências primárias ou congênitas manifestamse com sintomatologia de rinossinusite desde a infância, normalmente associada a infecção em outros órgãos. Nas imunodeficiências adquiridas, principalmente nos pacientes HIV positivos, a rinossinusite é bastante frequente, presente em mais de 50% deles. Pacientes com imunossupressão após tratamento com imunoterápicos, ou portadores de diabetes mellitus, podem apresentar RSC e rinossinusite fúngica invasiva indolente ou fulminante, que são habitualmente graves e devem ser tratadas prontamente quando diagnosticadas.

 

Doenças crônicas concomitantes

 

Uma série de doenças pode estar associada à RSC, e devido a seu amplo envolvimento com a medicina geral torna-se impossível esgotar o assunto. Por vezes, a queixa nasossinusal pode oferecer a primeira sugestão para fechar um diagnóstico clínico importante, contribuindo de maneira positiva na evolução do paciente. São elas:

 

Granulomatose de Wegener: associada à vasculite, frequentemente inicia-se no nariz e nos seios paranasais com RSC; em fase avançada, dissemina-se para outros órgãos, principalmente rins e pulmões. O diagnóstico é difícil, dependendo da confirmação da vasculite. A biópsia, quando realizada na região do seio maxilar acometido, aumenta a possibilidade de positividade.

 

Síndrome de Sjogren: caracterizada principalmente pela secura ocular e da mucosa bucal, associando-se a sintomas reumatológicos e RSC.

 

Síndrome de Churg-Strauss: são verificadas RSCcPN, asma grave e vasculite. Observa-se também eosinofilia generalizada. Hemograma com aumento de eosinófilos superior a 20% é um fator de suspeição.

 

Lúpus eritematoso sistêmico: é, às vezes, de difícil diagnóstico, dependendo de uma série de critérios, mas frequentemente associa-se à RSC.

 

Sarcoidose: frequentemente associada à RSC, é também de difícil diagnóstico, apresentando à biópsia granuloma não caseoso. À rinoscopia anterior, a presença de finas granulações de coloração levemente amarelada são fatores de suspeição que permitem o diagnóstico quando associado a outros exames.

 

Outras doenças sistêmicas estão associadas à RSC, e é fácil a condução do paciente quando já se tem um diagnóstico. Mas o desafio de procurar um possível fator causal ou de manutenção da condução do paciente é uma obrigação do otorrinolaringologista.

 

Comentários

 

As múltiplas causas da RSC podem provocar apenas manifestações nasossinusais; porém, deve-se lembrar que o nariz e os seios paranasais podem refletir os primeiros sintomas de doenças sistêmicas. A identificação de fatores predisponentes e doenças associadas às rinossinustes são de fundamental importância para a adequada condução do paciente.

 

Tratamento clínico

 

Tratamento com antimicrobianos sistêmicos e tópicos

 

A crescente percepção das RSC como um processo inflamatório multifatorial já foi expressada de forma clara no último consenso, ou seja, não se trata de uma infecção bacteriana persistente.411 Esse fato tem levado a um obrigatório repensar teórico sobre o uso de antimicrobianos para o tratamento dessa entidade. Entretanto, e infelizmente, não surpreende que, na prática, esse grupo de medicamentos siga como parte constante do arsenal de drogas utilizadas no dia a dia desses pacientes, assim como persistentemente identificado entre as diferentes propostas de abordagem dessa doença.412 Possivelmente, isso se deve à falta tanto de alternativas quanto de conhecimento sobre a presença de bactérias nos seios paranasais desses pacientes na forma livre e/ou em biofilmes. Essa principal base teórica para a eleição dos antibióticos também padece de ferramentas que permitam diferenciar o verdadeiro papel das bactérias encontradas nos seios paranasais, pois sua simples identificação não significa quadro infeccioso ou inflamatório reacional à sua presença.413 Porém, a identificação de bactérias como o Staphylococcus e a Pseudomonas em percentuais maiores entre pacientes com quadros recidivantes (pós-operatórios) segue perpetuando a crença sobre a necessidade de se pensar nesses elementos como parte da fisiopatogenia da RSC. Cabe, para fins de ilustração e questionamento, apesar da análise estatisticamente significativa, dizer que, percentualmente, o número de culturas positivas nesse estudo foi elevado tanto no grupo de má evolução quanto no de evolução favorável (87% vs. 73%), e que para a bactéria em questão a diferença absoluta foi de 14% (39% vs. 25%).414

 

Estudos recentes têm pesquisado as bactérias como um elemento necessário e responsável, dependendo da sua interação com o hospedeiro, para a manutenção do equilíbrio da resposta inflamatória. A utilização tópica de probióticos e bactérias na tentativa de formarem flora e biofilmes indutores de homeostase nasossinusal é um exemplo.415

 

Nos últimos cinco anos não surgiram evidências verdadeiramente impactantes sobre o uso de antimicrobianos na RSC. Apesar da falta de evidências, há a recomendação para o uso, por longos períodos, de macrolídeos, por exemplo, na ausência de elevação da IgE sérica.1,416–420 Meltzer et al. (2011),421 em artigo de revisão, concluíram pela falta de publicações capazes de definir uma proposta comprovadamente efetiva para o tratamento da RSC, e destacam que, enquanto não forem bem-definidas as diferentes apresentações da doença, os tratamentos diversos seguirão com limitações na interpretação e extrapolação dos resultados. Salientam, ainda, haver sinais de aumento do interesse no desenvolvimento de pesquisas, porém a simples checagem dos registros atuais de ensaios clínicos randomizados controlados (ECR) contra placebo, ou seja, delineamentos adequados para busca de tais repostas junto ao Instituto Nacional de Saúde Americano (NIH - ClinicalTrial.gov), não permite constatar tal empenho (http://clinicaltrials.gov/ct2/results). Assim, critérios mais específicos de inclusão e exclusão, randomização, caráter prospectivo e braços-controle são necessários para o estudo do tratamento com antibióticos na RSC.

 

Antibióticos sistêmicos

 

Existem poucos estudos que avaliaram a utilização do antibiótico sistêmico em pacientes com RSCsPN e RSCcPN. Eles vêm sendo estudados principalmente em relação aos efeitos nas reagudizações de quadros crônicos, indiscutivelmente o uso mais comum em longo prazo (mais de quatro semanas) pelo efeito anti-inflamatório que alguns medicamentos dessa classe apresentam, como os macrolídeos, por exemplo.

 

Van Zeele et al. (2010)422estudaram a doxiciclina no tratamento de pacientes com RSCcPN em comparação à metilprednisolona (20 dias) em um ECR contra placebo. No período de 12 semanas de seguimento, o antimicrobiano apresentou resultados menos intensos que o corticoide oral, porém mais duradouros que o primeiro medicamento, tanto em aspectos endoscópicos (tamanho do pólipo) quanto na mensuração de marcadores inflamatórios que sofreram reduções diferentes das determinadas pelo corticoide. Esses achados permitem imaginar que os medicamentos poderiam ter efeito sinérgico se utilizados concomitantemente. Em um estudo observacional com 125 pacientes, os autores não encontraram evidências da eficácia dos antibióticos, e deduziram que achados considerados típicos, tais como a endoscopia e a TC, são inespecíficos e não guardam relação com a indicação dessas drogas.423 Ainda seguindo a linha dos tratamentos com antimicrobianos por curto prazo de tempo (21 a 30 dias), Shlalek et al.424 estudaram diferentes antimicrobianos (ciprofloxacino, amoxicilina/ácido clavulânico e cotrimoxazol), também em pacientes com polipose, e não encontraram resultados com diferença estatítisca. Se há consenso de que as bactérias podem fazer parte da etiologia, mas indubitavelmente não são o principal fator na RSC, estudos como o de Liu et al. (2103)425 se tornam importantes. Infelizmente, com uma amostra de somente seis pacientes, esses autores estudaram os efeitos do tratamento na microbiotia do seio maxilar de pacientes com clínica e achados compatíveis com doença persistente nesse seio, mesmo após tratamento cirúrgico. Além de descreverem variações individuais nas alterações da flora, observaram de forma significativa o surgimento de bactérias menos susceptíveis.

 

Nas diretrizes de 2008,411 a possibilidade de utilização de alguns antibióticos, identificados com efeitos anti-inflamatórios, parecia iniciar uma possível nova era para alguns pacientes com RSC. Entretanto, a falta de estudos definitivos, assim como o crescente risco de indução de resistência bacteriana, trouxeram novos questionamentos. Videler et al. (2011)426 publicaram um ECR contra placebo para avaliar a azitromicina por 12 semanas em 60 pacientes, com e sem polipose, e com e sem asma, além de um percentual já operado, para vários desfechos objetivos e subjetivos, e em nenhum deles foi encontrada diferença estatística em relação ao grupo placebo. Foi a comparação das características dessa amostra em relação à amostra de estudo prévio, também ECR contra placebo, em que detectou-se significância em favor do grupo tratado, que apontou para a possibilidade de esse tipo de tratamento beneficiar uma população específica de pacientes com RSC (sem pólipos, com IgE normal e, possivelmente, com menos doença de mucosa).427 Em outro estudo retrospectivo, Videler et al. (2012)428 identificaram melhora em alguns desfechos entre pacientes holandeses com RSC, tanto com azitromicina quanto com trimetoprinsulfametoxazol em relação aos que não usaram qualquer antimicrobiano. Os autores salientaram que, diante do tipo de delineamento, não seria ainda apropriado definir o verdadeiro impacto dessas drogas.

 

No mesmo ano, Majima et al. (2012)429 compararam a eficácia da claritromicina por 12 semanas ou associada a carbacisteína em 425 pacientes e concluíram que a combinação dos dois medicamentos apresenta resultados significativamente melhores em relação ao uso do antimicrobiano isolado. Se por um lado obtiveram uma amostra grande e desfechos adequados, a falta de um grupo-placebo prejudicou muito a extrapolação de seus resultados.

 

Comentários

 

Fica um alerta para o uso frequente de antimicrobianos e sobre a importância de se saber diferenciá-los entre as opções terapêuticas para a RSC. Por outro lado, também não há informações suficientes para que seu uso seja completamente descartado. Faz-se necessário encontrar formas de identificar quem é exatamente esse paciente que poderia se beneficiar com o uso de antimicrobianos em casos de reagudização clínica inequívoca e definição do agente por cultura e antibiograma. Já a opção de uso prolongado para casos de RSCcPN, nos quais haja persistência de sintomas intensos sem melhora, com vários tratamentos, incluindo a cirurgia, e, mesmo assim, sem elevação do IgE sérico, ainda carece de evidências, e seus possíveis efeitos biológicos devem pesar de forma significativa na restrição de seu emprego.

 

Antibióticos tópicos

 

Os tratamentos com soluções tópicas têm sido foco da atenção da comunidade científica na última década, representando, diante de tantas dificuldades no manejo da RSC, uma nova expectativa de melhores resultados terapêuticos. Os problemas quanto à qualidade da literatura disponível não se modificam em relação às avaliações sobre os antibióticos sistêmicos. Nesse sentido, não só o tipo de delineamento necessário (ensaios clínicos randomizados contra placebo) é um problema por sua escassez, mas também pela constituição das populações estudadas. Entre as opções tópicas estão os antibióticos que fazem parte do armamentário de tratamento para pacientes com doenças crônicas das via aéreas inferiores.

 

Algumas questões, além da eficácia dessas drogas na forma tópica, devem ser abordadas. Uma das preocupações é seus possíveis efeitos adversos pelo desconhecido grau de absorção sistêmica. Por exemplo, a gentamicina, apesar de em níveis baixos, foi detectada sericamente após lavagem durante procedimento cirúrgico nasossinusal.430 Outra preocupação, ainda com menos respostas, mas que deve ser lembrada, é o possível impacto sobre a microbiota em termos de indução de resistência. Por fim, é necessário saber se os medicamentos utilizados de forma tópica chegam até os seios paranasais. Em um estudo com cadáveres, somente partículas pequenas (0,67-0,99 microm) chegavam até os seios maxilares com grandes antrostomias. Partículas maiores ficavam depositadas na válvula nasal.431

 

Poucos estudos apontam para melhorias na qualidade de vida de pacientes com RSC tratados com antibióticos tópicos na forma de nebulização com partículas pequenas, enquanto outros não encontram resultados diferentes das lavagens com soluções salinas, além de alertarem para possíveis efeitos adversos da absorção dessas drogas.432 Mais recentemente, o ensaio clínico de Videler et al.433 também não identificou diferença estatística entre pacientes operados previamente e resistentes a outros tratamentos com nebulização com colimicina e bacitracina.

 

Em conclusão, não existem evidências, em número e qualidade necessários, para a recomendação do uso de antibiótico tópico tanto para a RSCcPN quanto para a RSCsPN.

 

Corticosteroide na rinossinusite crônica

 

Quando o assunto é RSC, independentemente de ser com ou sem pólipos, só há um consenso no momento: trata-se de uma doença inflamatória com diferentes gatilhos. Dessa forma, nada mais racional que a escolha pelo uso de drogas com efeitos anti-inflamatórios, cujos principais representantes são os corticosteroides. Além disso, tem sido investigado o potencial dessas drogas também como moduladoras da presença bacteriana. Nesse grupo de medicamentos existem as opções de uso tópico intranasal, sistêmico oral e injetável. As indicações podem ser para controle sintomático contínuo, preparo cirúrgico e manutenção pós-operatória. O uso relacionado ao tratamento cirúrgico é discutido em outra sessão deste documento. A utilização dessas medicações será dividida para pacientes com e sem PN. Essa divisão se justifica por se tratarem de dois grupos distintos em relação à fisiopatogenia, sintomatologia e aos resultados terapêuticos.1

 

Corticosteroide tópico (RSCcPN)

 

Esses medicamentos alteraram favoravelmente o perfil das citocinas na camada subepitelial, porém não determinaram alteração nas características do biofilme.434

 

Goggin et al. (2014)435demonstraram, in vitro, o potencial inibidor do crescimento bacteriano em forma de biofilme quando da exposição a corticosteroides tópicos. Em uma revisão sistemática com 48 estudos foi observado que o tratamento cirúrgico prévio é um fator de benefício para a efetividade dos corticosteroides tópicos, principalmente por auxiliar na distribuição do medicamento na mucosa nasossinusal.436 Em outra revisão sistemática, 25 estudos sobre o uso desses medicamentos foram analisados, e verificou-se que em pacientes com RSC e polipose essas drogas se mostraram eficazes, não sendo identificado o mesmo efeito em pacientes sem polipose.437 Resultados semelhantes foram encontrados em outra metanálise.438 Em uma recente revisão da Cochrane, os corticosteroides tópicos foram eficazes na melhora dos sintomas, na redução do tamanho dos pólipos e na taxa de recorrência pós-cirúrgica. Os autores observaram também que os pacientes submetidos à cirurgia nasossinusal prévia responderam melhor a essa terapêutica. Relataram, ainda, que não houve diferença quanto aos efeitos adversos em relação ao grupo-placebo.439

 

Além de variados graus de irritação local, entre os principais efeitos adversos destacam-se epistaxe e raras descrições de perfuração septal.1 Também cabe referir que existem, na literatura internacional, discussões sobre benefícios de diferentes formas de distribuição da técnica e do dispositivo utilizado com os medicamentos.436,437

 

Corticosteroide tópico (RSCsPN)

 

Diferentemente dos pacientes com polipose, nesse grupo os resultados não são tão uniformes, com detecção de efeitos positivos nos sintomas, mas não em outros desfechos, tais como escores endoscópicos e aspecto radiológico.440

 

Corticosteroide sistêmico (RSCcPN)

 

Recente revisão sistemática indicou que o uso desse tipo de droga, por curto período de tempo, está fortemente recomendado para esses pacientes, assim como em seu preparo pré-operatório.441 No EPOS 2012, os efeitos benéficos também são citados em relação aos sintomas e à redução dos pólipos; porém, vale ressaltar a curta duração desses efeitos para uma doença crônica.1

 

Corticosteroides sistêmicos (CE) (RSCsPN)

 

A mesma recente revisão sistemática sugeriu que para o uso do medicamento nesse subgrupo não existem evidências que permitam sua indicação ou contraindicação.441 O EPOS 2012 corrobora tal opinião, de acordo com a literatura disponível.1

 

Comentários

 

A terapia com os corticosteroides tópicos e/ou sistêmicos funciona como fator de grande valia no tratamento da RSC. Esse efeito é comprovado de forma mais contundente nos pacientes com polipose. Embora necessite de maior número de estudos e fundamentação, considera-se um aliado no combate à RSC, sobretudo quando utilizado por via tópica. É sugerida sua administração por via sistêmica para os casos de RSC com sintomatologia não controlada, em que o objetivo é diminuir, mesmo que temporariamente, o impacto da doença sobre a vida do paciente. Nessas situações, recomenda-se utilizar a menor dose eficaz pelo menor tempo possível para minimizar os efeitos colaterais, potencialmente mais graves.

 

Antileucotrienos e rinossinusite crônica

 

A PN é uma doença inflamatória crônica do trato respiratório superior que afeta 2% a 4% da população e 2/3 dos pacientes com asma sensível ao AAS. A histologia dos pólipos é similar à da asma, com eosinófilos em abundância, mastócitos e altos níveis de cistenil leucotrienos pró-inflamatórios.1

 

Tem sido proposto que uma das causas potenciais da RSCcPN, em geral, sejam os defeitos na via dos eicosanoides, mais fortemente associada à intolerância ao AAS.442Especificamente, o aumento da síntese de leucotrienos próinflamatórios e a diminuição da síntese de prostaglandinas anti-inflamatórias têm sido o mecanismo aceito, não somente para a RSCcPN em poliposes sensíveis ao AAS, como aos tolerantes a este.443

 

Em relação aos leucotrienos e RSC, existem muitos dados em relação à sua atuação na redução da inflamação, especialmente quanto ao eosinófilo e na via dos eicosanoides.444 O montelucaste mostrou redução da inflamação eosinofílica, viabilidade e produção de citocinas em pólipos nasais após tratamento com montelucaste.445

 

Di Capite et al. (2009)446utilizaram imuno-histoquímica, imunoensaios e imagem de íons de cálcio citoplasmático em mastócitos humanos de culturas agudamente isoladas de pacientes com polipose. Demonstrou-se que o influxo de cálcio para o mastócito pela via da ativação da liberação dos canais de cálcio estimula a produção de leucotrienos C4, o que, por sua vez, ativa maior influxo de cálcio. A combinação de baixas concentrações de bloqueadores de canais ativados da liberação de cálcio e um antagonista de receptor de leucotrienos foi tão efetiva quanto uma concentração dos dois antagonistas sozinhos, para a inibição da ativação mastocitária. Tal fato deve ser mais bem estudado para avaliar se existe algum significado clínico nesta inibição mastocitária dos antileucotrienos.446

 

Os dados em relação à fisiopatologia das RSC suportam o uso dos antileucotrienos com muita clareza, mas quando analisados em relação aos estudos clínicos randomizados duplo-cegos, verificou-se que não suportam tão claramente os estudos teóricos em relação à eficácia dos inibidores de leucotrienos.447

 

A eficácia dos antileucotrienos na rinite alérgica e asma, após mais de 15 anos de uso, é amplamente comprovada. O montelucaste foi muito bem avaliado para o tratamento da rinite alérgica sazonal e perene em grandes estudos, duplo-cegos randomizados controlados, indicando melhoras significativas nos sintomas nasais e oculares entre um e três dias, sintomas noturnos, qualidade do sono e de vida.448 A iniciativa ARIA (rinite alérgica e seu impacto sobre a asma) sugere que os antagonistas de receptores de leucotrienos devem ser usados em adultos e crianças com rinite alérgica intermitente e em crianças pré-escolares com rinite alérgica persistente, devido à sua eficácia, alta segurança e tolerabilidade.449 Os antagonistas de leucotrienos, como montelucaste, zafirlucaste e zileuton, foram avaliados em inúmeros estudos envolvendo pacientes com RSCcPN e DREA,450,451 mas os resultados não foram muito esclarecedores. Muitos estudos abertos não controlados sugerem o benefício dos antileucotrienos na sintomatologia, no tamanho dos PN e escores tomográficos.452 Outros resultados incluem melhora significativa de escores em sintomas de cefaleia, dor e pressão facial, desconforto auditivo, dor dentária, secreção nasal purulenta, gotejamento pós-nasal, congestão e obstrução nasal e também olfação.453 Os autores desses estudos concluíram que medicamentos modificadores de leucotrienos, se adicionados a medicações-padrão, incluindo os corticosteroides, resultam em melhora dos sintomas nasais de pacientes com RSCcPN e RSCsPN.454–456 Entretanto, os dados de estudos duplo-cegos randomizados e controlados não suportam consistentemente o benefício da terapia com antileucotrienos em pacientes com RSC.450,457 Apesar de serem eficientes para os pacientes com DREA, eles não são mais efetivos do que nos indivíduos tolerantes ao AAS.456,458

 

Em relação à associação do montelucaste com os corticosteroides intranasais, existem estudos que comprovam a eficácia do uso combinado na RSC. Segundo Fergusson et al. (2009),459 o montelucaste adicionado aos corticosteroides intranasais melhoram os sintomas dos pacientes com RSC, com perfil de segurança excelente. Um estudo recente avaliando os efeitos pós-operatórios de montelucaste e mometasona intranasal em pacientes com RSCcPN mostrou resultados complementares entre as drogas. Ambos os tratamentos levaram à redução significativa dos escores do SNOT-22 e dos PN, com vantagem marginal do montelucaste.460 Por esses motivos, a ação dos antileucotrienos, quando analisada sob o ponto de vista da medicina baseada em evidências, revela limitado nível de eficácia (III) e baixo grau de recomendação (C) para pacientes que sofrem de RSCcPN.461

 

Comentários

 

Os antileucotrienos são usados há mais de 15 anos para tratamento - primeiramente da asma, depois da rinite alérgica -, com eficácia comprovada, nível A de evidência e recomendação para essas doenças.449 Mais tardiamente, foram utilizados em outras doenças nasais crônicas, principalmente RSCcPN ou RSCsPN, devido ao alto grau de morbidade e baixo nível de qualidade de vida dos pacientes.

 

O montelucaste foi o antileucotrieno mais utilizado até agora, e existem dados que comprovam sua ação como antagonista de receptor de leucotrienos. Suas ações anti-in-flamatórias, principalmente as relacionadas ao eosinófilo, e suas citocinas são comprovadas por inúmeros estudos. Outros fatores importantes quando se fala de montelucaste são a alta segurança e tolerabilidade; o montelucaste é livre de efeitos adversos, mesmo em crianças.444 O que é claramente depreendido é sua utilidade nos pacientes alérgicos, com asma e naqueles com intolerância ao AAS. Esses são os pacientes com RSC que devem utilizar os antileucotrienos como tratamento, como adjuvante ou não, para pós-operatório e manutenção.

 

Segundo Scadding et al. (2010),462 com o passar do tempo torna-se mais evidente que certos pacientes respondem melhor aos antileucotrienos que outros. As razões para isso estão se tornando gradualmente mais claras,462 com características genéticas associadas a essas respostas. No presente momento, os testes farmacogenéticos necessários ainda não estão disponíveis. Portanto, um simples teste terapêutico por cerca de um mês, com monitoramento por medidas objetivas e subjetivas, é sugerido, especialmente nos pacientes cujos tratamentos com outras medicações apresentam resposta limitada. Exceção concedida a pacientes que podem estar sujeitos à Síndrome de Churg Strauss.

 

Dessensibilização ao AAS

 

A dessensibilização com AAS nos casos de RSC tem sido uma opção de tratamento clínico nos pacientes com DREA. Essa doença é caracterizada por RSC com degeneração polipoide, asma e intolerância ao AAS. Os pacientes apresentam alta taxa de recorrência da doença, e são dependentes de corticosteroides e com cirurgia nasal recorrente, ou requerem terapia com AINES por outras razões médicas, como artrite crônica ou doença coronária.463A dessensibilização pode ser feita por via nasal, inalatória, oral e injetável. A proposta de dessensibilização terapêutica teve sua primeira descrição em 1976 e foi corroborada pela observação de melhora da sintomatologia nasossinusal com uso de aspirina para o tratamento de outras doenças sistêmicas.464,465

 

Metodologia da dessensibilização

 

As drogas utilizadas para a dessensibilização são a aspirina e a aspirina lisina. A melhora obtida com esse processo é dose-dependente. Após a interrupção da dose de manutenção, em poucos dias os sintomas nasais recorrem. Independentemente da via, não há uma dose predefinida para o início da dessensibilização nem para sua manutenção diária. Os protocolos são baseados na administração controlada e progressiva de pequenas doses crescentes de AAS ingeridas no período de dois a três dias, concluída pela tolerância de 3 horas sem apresentar reação adversa após a ingestão de 650 mg. O procedimento deve sempre ser realizado em ambiente hospitalar devido à possibilidade de ocorrência de reações adversas graves, que variam de 12,5% a 23%.464,466,467 A manutenção é feita pela administração diária de doses de 100 a 300 mg.

 

A dessensibilização padrão é feita com uso da aspirina via oral por três a cinco dias; depois, a dose deve ser mantida diariamente.468 Em razão dos efeitos gastrointestinais, aproximadamente 30% dos pacientes interrompem o tratamento, com redução para 9% de abandono quando os inibidores da bomba de prótons são utilizados.464,468 A aspirina lisina via nasal tem sido mais empregado em estudos recentes, proporcionando menor risco de efeitos adversos, como demonstrado no estudo de Miller et al.469 Os autores avaliaram 150 pacientes, dos quais apenas três apresentaram reação adversa com dose superior a 375 mg de aspirina. Na via inalatória, utilizando aspirina lisina, o efeito adverso geralmente é o broncoespasmo moderado reversível com beta-agonista; já na via endovenosa não há maior incidência de efeitos adversos que as demais, apresentando a vantagem da interrupção da infusão se efeitos adversos graves ocorrerem.470 Quaisquer das vias utilizadas necessitam de supervisão devido ao risco desses efeitos adversos graves, que podem ocorrer a partir da ingestão de 30 a 150 mg de aspirina.464 A associação do cetorolaco intranasal no teste de dessensibilização mostrou-se efetivo, seguro e mais rápido para se atingir a dose de dessensibilização da aspirina, sendo que nos protocolos estudados, o cetorolaco é usado em quatro doses crescentes, no intervalo de 30 minutos e, após, introduz-se a aspirina oral.471,472

 

Mecanismo da dessensibilização

 

O mecanismo da dessensibilização é baseado no bloqueio da via lipoxigenase. Foi demonstrada redução do leucotrieno B4 e tromboxano B4 em modelo de células cultivadas após a dessensibilização, assim como a diminuição da responsividade brônquica para o leucotrieno B4 após iniciar-se a dessensibilização.473 O eosinófilo também tem sido correlacionado, por meio de sua ativação após a dessensibilização intranasal, com a aspirina lisina, que se mantém tanto na fase inicial quanto na tardia. O cisteinil leucotrieno também foi aumentado na fase inicial, mas não se manteve na fase tardia.474 Rizk sugere a possibilidade de inibição das vias bioquímicas intracelulares envolvendo a IL-4 e a IL-13.464 Em estudo recente, ficou postulado que a ingestão de aspirina diminui a ativação da tirosina quinase, que inibe a fosforilação da STAT6, reduzindo a produção da IL-4 com consequente queda da produção da cisteinil leucotrieno (CysLt) e da expressão do receptor CysLt, finalizando com a redução do tecido inflamatório.475 Os autores têm encontrado melhora significativa da sintomatologia quando se realiza a dessensibilização por tempo prolongado, no período de um a seis anos, com redução significativa do uso de corticoide oral para a asma, da dosagem do corticoide nasal, do número de infecções, da necessidade de realização de cirurgia nasal por ano, de hospitalização e do olfato nesses pacientes.463 A efetividade da dessensibilização também foi evidenciada na avaliação da taxa de recorrência dos pólipos. Essa taxa, em um e seis anos, no grupo de pacientes submetidos à dessensibilização, foi de 6,9% e 65%, enquanto no grupo sem dessensibilização foi de 51,3% e 93,5%, respectivamente, além de diminuir a perspectiva de custo, pelo valor da aspirina e pela redução de internações e cirurgias.463,476

 

Assim, a dessensibilização mostra-se uma opção de tratamento para os casos de maior morbidade, obtendo-se mais melhoras significativas para os sintomas nasossinusais do que para a asma. O uso da aspirina lisina e do cetorolaco intranasal pode contribuir para a redução dos efeitos adversos da dessensibilização. Entretanto, novos estudos devem ser realizados para a padronização da metodologia e da dose de manutenção da aspirina a ser utilizada.

 

Antifúngicos

 

Apesar de vários estudos demonstrarem a coexistência de fungos no nariz, tanto em indivíduos saudáveis quanto naqueles com RSC, ainda há quem recomende o uso de antifúngicos tópicos para o tratamento dessa doença.477 O uso de anfotericina B tópica nasal associou-se com menor recorrência de PNS e melhora dos sintomas e dos aspectos tomográficos, principalmente quando administrada com acetilsalicilato de lisina, de acordo com estudos sem grupo-controle.432,478–481 A irrigação nasal com uma suspensão de anfotericina B duas vezes ao dia por quatro semanas, mostrou resolução da PN em 39% dos casos.432,479 No entanto, estudos grupo-controle subsequentes utilizando anfotericina B tópica (irrigação ou spray) demostraram não haver efeito benéfico significativo para pacientes com RSCcPN ou RSCsPN. Não houve diferença nos marcadores inflamatórios do grupo-controle com o uso dos antifúngicos, além da cicatrização ser melhor no grupo-controle.212,432 Estudo duplocego randomizado salientou maior taxa de efeitos adversos, além de ausência de benefício com o tratamento com antifúngicos.482 Outro estudo duplo-cego multicêntrico randomizado também mostrou não haver diferença na melhora dos sintomas no tratamento com anfotericina B, durante três meses, comparado ao placebo.211

 

Recentemente, três metanálises concordaram que, apesar da utilização do antifúngico tópico melhorar o aspecto radiológico, a sintomatologia não melhorou significativamente e ainda apresentou elevada taxa de efeitos colaterais.213,432,483–486 Alguns estudos, com o aumento da frequência e quantidade de anfotericina B tópica (quatro vezes ao dia por oito semanas), não obtiveram efeitos adicionais em comparação ao uso exclusivo de solução salina nasal no tratamento da RSC.208,210 O uso do antifúngico sistêmico, como a terbinafina oral, não mostrou melhora, mesmo nos casos de RSC com presença de fungo na pesquisa e cultura positiva.207

 

Os estudos também apresentaram alguns vieses devido à falta de padronização na forma de aplicação, na posologia do medicamento e no tempo de tratamento, que variou entre 4 a 80 semanas.432 Além disso, questionou-se o armazenamento da anfotericina B, já que este medicamento perde sua estabilidade na exposição luminosa.432 Dessa forma, Shin et al. (2004)201 realizaram um ensaio clínico prospectivo randomizado duplo-cego com grupo-placebo utilizando a anfotericina B por 12 meses e não encontraram benefício significativo nos 33 pacientes com RSCcPN.

 

Atualmente, a utilização do antifúngico nas terapias da RSC é muito limitada.207,212,213,432,477,478,483–487 Sacks et al. (2012)485 realizaram estudo clínico randomizado controlado com placebo para avaliar o tratamento da RSC com antifúngico tópico e/ou sistêmico e demostraram que os efeitos colaterais superam os benefícios do tratamento com os antifúngicos. No entanto, outros estudos recentes encontraram, por meio de análise por PCR da secreção da cavidade nasossinusal, quantidade elevada de tipos incomuns de fungos (A. alternata, C. cladosporioidie, C. herbarum, P. brevicompactum, P. crustosum e P. chrysogenum) somente nos pacientes com RSC.483,488 Os autores relataram que existem subgrupos de pacientes com altíssima concentração desses fungos e outros sem fungos.488 Além disso, referem que estudos in vitro não apresentaram o espectro dos antifúngicos disponíveis e estes não foram testados para estas espécies incomuns. Portanto, pode ser que seja necessário mais de um antifúngico para erradicar o fungo existente na mucosa nasossinusal.483,486 Os autores discutiram, ainda, a possibilidade do insucesso no tratamento das RSC com antifúngico pela não erradicação total do fungo no nariz.483,488

 

Khalil et al. (2011)484avaliaram o tratamento com antifúngico na RSC fúngica alérgica recorrente após a sinusectomia endoscópica, utilizando antifúngico oral (itraconazol por três meses) e/ou antifúngico spray nasal (fluconazol em 500 mL solução salina fisiológica) e o mesmo antifúngico tópico por irrigação nasal. Como resultado, houve recorrência similar entre os pacientes que utilizaram placebo e itraconazol oral (67%). O grupo que menos apresentou recorrência foi o que usou fluconazol spray (10%), sugerindo que se realize a cultura para fungos, mesmo com a pesquisa de fungo negativa no anatomopatológico, quando se suspeita de rinossinusite fúngica alérgica (RFA). Também comentam que alguns autores defendem o uso de antifúngico tópico associado ao corticoide tópico nasal na RFA.489,490 Porém, outros estudos contradizem o uso do antifúngico tópico, relatando que este pode até piorar os sintomas e provocar efeitos colaterais deletérios, assim como o antifúngico sistêmico com a hepatotoxicidade e nefrotoxicidade. Alguns autores encontraram bons resultados com itraconazol na RFA refratária.491,492 Rains e Mineck (2003)493 defendem a utilização da associação de itraconazol e corticoides orais e tópicos com a cirurgia endoscópica para o controle da RFA, considerando que nos casos refratários possa haver invasão mínima de fungo na mucosa nasossinusal. Os autores concluíram que o antifúngico fluconazol tópico (spray ou irrigação) pode reduzir significativamente a recorrência da RSCcPN após a sinusectomia endoscópica. Para eles, não há benefício em associar o tratamento sistêmico com itraconazol,493 acreditando que o antifúngico sistêmico não atinge o alvo, já que o fungo fica na superfície da mucosa sem penetrá-la e, portanto, não chega na corrente sanguínea; ou seja, o fungo atuaria como desencadeador de uma reação alérgica e não infecciosa.493 Para alguns autores, o tratamento convencional com corticoide tópico e antibiótico em pacientes no pós-operatório de RFA beneficia razoavelmente na prevenção da recorrência da polipose.484,493 Os resultados correlacionaram-se bem com os achados de um estudo realizado por Jen et al. (2004),494 que descobriram que 12 de 16 (75%) pacientes com rinossinusite fúngica alérgica (RSFA) melhoraram após o tratamento com fluconazol spray nasal. Por outro lado, Weschta et al. (2004)482 conduziram um estudo randomizado, duplo-cego, controlado por placebo e com antifúngico anfotericina B tópica em 60 pacientes com RSC, com resultados ineficientes.

 

Devido à controvérsia nos resultados desses estudos, acredita-se que existem diferentes genótipos e, conforme as influências ambientais e comportamentais, os diferentes fenótipos da RSC são gerados. Portanto, os fungos deixaram de ser o agente principal na fisiopatogenia da RSC e passarem a exercer influência restrita em um subgrupo denominado RFA. Tanto o tratamento com antifúngico tópico quanto sistêmico na RSC ainda não apresentaram evidência de sua eficácia na literatura atual.432,483–494

 

Pré-operatório nos pacientes com indicação cirúrgica

 

As condutas empregadas no período pré-operatório da cirurgia da RSC não são uniformes e têm poucas publicações baseadas em evidências.

 

Combinações de antibióticos, esteroides, lavagens nasais e descongestionantes nasais são os medicamentos mais usados no manejo pré-operatório. A utilização de antibióticos para prevenir infecções pós-operatórias tem sido adotada em cirurgia endoscópica nasossinusal, uma vez que em 77% dos casos existem espécies potencialmente patogênicas na cavidade nasal, tais como S. aureus, Klebsiella spp. e/ou Escherichia coli. Além disso, os pacientes com RSC costumam receber cursos repetidos de antibióticos, o que favorece o desenvolvimento de espécies patogênicas resistentes. Embora os antibióticos sejam amplamente utilizados por cirurgiões no período pré-operatório com o objetivo de diminuir a inflamação ao minimizar a infecção e, portanto, melhorar o campo operatório, não existem ensaios clínicos justificando esta atitude, e somente alguns estudos têm examinado o manejo pós-operatório.495

 

Segundo Portela et al. (2012),496 27% dos cirurgiões prescreviam antibióticos no pré-operatório e 35% no pós-operatório. Os fármacos utilizados eram amoxicilina-clavulanato, claritromicina, eritromicina, doxiciclina, entre outros, por um período variável de 7 a 40 dias. Uma pesquisa recente entre membros da American Rhinologic Society constatou que cerca de 90% dos otorrinolaringologistas prescrevem antibióticos por três a quatro semanas no tratamento da RSC.497

 

Em algumas instituições, como a Stanford University e o Johns Hopkins Hospital, os pacientes são orientados sobre a possibilidade de uso de antibióticos no pré-operatório, na vigência de infecção ativa. No Brasil, o protocolo da USP propõe a amoxicilina-clavulanato, cinco a sete dias antes da cirurgia, para os pacientes com infecções inflamatórias graves.498–500

 

Maier e Strutz (1992)501 desenharam um estudo com 106 pacientes, incluindo também os submetidos à parotidectomia e esvaziamento cervical. Trinta e seis pacientes do subgrupo cirurgia endoscópica nasossinusal foram randomizados, e receberam dose única de cefuroxima 1,5 g por via intravenosa no pré-operatório contra três doses adicionais a cada 8 horas de pós-operatório. Não houve relato de infecção ou efeitos colaterais para qualquer paciente no subgrupo cirurgia endoscópica nasossinusal de ambos os braços de tratamento.

 

A antibioticoterapia profilática no transoperatório também é controversa. Alguns guidelines501,502 de profilaxia de antibióticos em cirurgia, como o da Surgical Infection Society Latin-America, não recomendam o uso de antibióticos em cirurgia endoscópica. No Brasil, entretanto, hospitais de primeira linha recomendam a administração de antibióticos profiláticos. A cefazolina tem ação contra estafilococos meticilinossensíveis e estreptococos (exceto pneumococo e alguns bacilos gram-negativos), sendo a primeira escolha para a profilaxia de cirurgias potencialmente contaminadas. A clindamicina pode ser utilizada em doentes alérgicos a betalactâmicos. A amoxicilina-clavulanato é a primeira escolha para cirurgias com risco de contaminação por micro-organismos anaeróbios. A profilaxia antibiótica deve ser utilizada durante a anestesia. A dose deve ser repetida se o tempo cirúrgico exceder a meia-vida do antibiótico ou ocorrer hemorragia importante (10-20% do volume de sangue), não necessitando de novas doses no pós-operatório.495,503–506

 

Em relação aos corticosteroides no pré-operatório, os orais e tópicos têm efeito bem documentado na RSC, principalmente na polipose nasal bilateral. Não há, no entanto, padronização da dose e/ou do corticosteroide oral a ser utilizado. Alguns estudos demonstram a eficiência dos corticosteroides pré-operatórios na melhora no campo operatório, na diminuição do sangramento e no menor tempo cirúrgico.507–509

 

Wright e Agraval (2007)507 realizaram um estudo duplocego randomizado, controlado por placebo, em pacientes submetidos à cirurgia endoscópica com RSCcPN. Os participantes foram randomizados para receber 30 mg de prednisona ou placebo, durante cinco dias no pré-operatório e nove dias no pós-operatório. Em termos de sintomas pós-operatórios, não houve diferença entre os grupos de tratamento.

 

Outro ensaio clínico aleatório avaliou o efeito de uma dose única de prednisolona (1 mg/kg/dose 24 horas antes da cirurgia) vs. cinco dias de prednisolona (1 mg/kg/dia antes da operação) no pré-operatório de 80 pacientes com PN bilaterais. Os pacientes foram operados sob anestesia geral, utlizando-se o mesmo protocolo. A pressão sanguínea arterial média foi de 70-80 mmHg em ambos os grupos. A média de sangramento durante a operação foi 266,5 ± 96,31 mL no grupo A e 206 ± 52,81 mL no grupo B, com diferença significativa entre os grupos. Não houve diferença significativa entre os grupos na opinião dos cirurgiões sobre a qualidade do campo operatório. Em conclusão, ao contrário de uma única dose (1 mg/kg/dose), o tratamento com prednisolona (1 mg/kg/dia) por cinco dias pode reduzir a perda de sangue durante a cirurgia de forma mais eficiente, assim como melhorar a qualidade do campo operatório.508

 

Estudo duplo-cego, randomizado, analisou 70 pacientes com RSCcPN e RSCsPN. Desse grupo, 35 receberam furoato de mometasona (FM), e os outros 35 placebo, por quatro semanas antes da cirurgia endoscópica nasossinusal. O sangramento no grupo tratado com FM foi de 142,8 mL, menos do que no grupo-controle (170,6 mL). A diferença entre os grupos foi de 27,7 mL, estatisticamente significativa. O tempo de cirurgia foi de 59 minutos no grupo de FM e 70 minutos no grupo-controle. A diferença foi de 11,2 minutos, estatisticamente significativa. A qualidade do campo cirúrgico endoscópico foi significativamente melhor para os pacientes tratados com FM. O uso de corticoide tópico FM no pré-operatório pode melhorar a visão endoscópica, reduzir o sangramento e diminuir o tempo de operação em pacientes com RSCcPN e RSCsPN submetidos à cirurgia endoscópica dos seios paranasais.509

 

Comentários

 

Embora haja controvérsias, em pacientes com RSCsPN com secreção purulenta pode ser utilizada amoxicilina com clavulanato 875 mg, de 12/12 horas, ou cefuroxima 500 mg de 12/12 horas, por 7-10 dias no pré-operatório e manter 7-21 dias no pós-operatório. Em alguns casos, podem ser prescritos fluorquinolonas ou macrolídeos.

 

Nos pacientes com RSCcPN, sugere-se a utilização de corticosteroides orais por três a cinco dias, com manutenção no pós-operatório, de acordo com a extensão da doença. Exemplo: prednisolona 0,50 mg/kg/dia.

 

A irrigação da mucosa nasal com soluções fisiológicas (isotónicas) e hipertônicas, com e sem conservantes, é uma medida clássica e segura no tratamento da RSC e bastante útil na mobilização das secreções e hidratação da mucosa nos períodos pré e pós-operatório. Não há evidências da sua ação em uso isolado.411

 

Avaliação pré-operatória segundo a idade do paciente e comorbidades

 

Para os pacientes que utilizam aspirina, ibuprofeno e outros anti-inflamatórios não hormonais, vitamina E, ginkgo biloba, ginseng e comprimidos de alho, recomenda-se a interrupção do uso de sete a dez dias antes da cirurgia, por aumentarem o tempo de coagulação, favorecendo os sangramentos. Se o paciente usar anticoagulante, interromper sete a dez dias antes da cirurgia endoscópica nasossinusal, se possível. Os tempos de tromboplastina parcial e protrombina devem estar normais. Os pacientes asmáticos ou com outras comorbidades devem estar compensados no pré-operatório. Por exemplo, os pacientes com asma podem manter os sprays broncodilatadores até o dia da cirurgia. Os que utilizam corticoides cronicamente recebem no pré-operatório imediato 100 mg de hidrocortisona endovenosa. A TC é primordial no planejamento cirúrgico e deve estar presente na sala cirúrgica. O paciente dever ser orientado quanto ao procedimento a ser realizado, aos passos da cirurgia e aos riscos inerentes ao procedimento. Recomenda-se o uso do termo de consentimento.

 

Tratamento cirúrgico: técnicas

 

Existem várias técnicas cirúrgicas descritas para serem abordadas nos pacientes com RSCcPN e RSCsPN, refratários ao tratamento clínico. É importante ressaltar que não existe uma técnica padrão-ouro que possa ser aplicada a todos os casos. Devido à carência de estudos randomizados e controlados, vários aspectos do manejo cirúrgico permanecem controversos. O mais importante deles é a extensão da dissecção cirúrgica. Em função disso, diretrizes atuais, baseadas fundamentalmente em estudos de série de casos e opinião de experts, indicam que o manejo cirúrgico deve ser individualizado. A tendência atual na RSCcPN e RSCsPN é a dissecção cirúrgica, tanto quanto for a extensão da doença.1

 

A via de acesso cirúrgico mais utilizada é a endonasal. Contudo, alguns casos podem requerer acessos externos ou combinados. Exemplos são as lesões laterais do seio maxilar ou frontal, ou mesmo diante da falta de reparos anatômicos seguros para a abordagem endonasal exclusiva. Independentemente da técnica e do instrumental utilizado, existe, claramente, uma curva de aprendizado em cirurgia endoscópica nasossinusal. É essencial que o cirurgião tenha conhecimento profundo da anatomia cirúrgica e que realize treinamento prévio em cursos específicos de dissecção do nariz e dos seios paranasais.

 

O tratamento cirúrgico da RSC evoluiu muito a partir do uso da endoscopia nasossinusal. A precisão de imagem proporcionada pelos endoscópios (óptica de 0 grau grande angular), assim como suas angulações (30, 45 e 70 graus), permite visualizar todos os detalhes e recessos das cavidades paranasais. Mais ainda, o desenvolvimento de outros equipamentos e instrumentais específicos para uso intranasal e sinusal (ex.: balões de dilatação, neuronavegador e microdebridador) possibilitam a realização de procedimentos cirúrgicos que variam desde a simples dilatação dos óstios de drenagem até a marsupialização completa dos seios paranasais para o interior da cavidade nasal.510–512

 

A seguir, serão revisadas brevemente as principais técnicas endoscópicas descritas para o tratamento cirúrgico da RSC.

 

A técnica mais amplamente utilizada para o tratamento cirúrgico da RSC é denominada functional endoscopic sinus surgery (FESS).513 Contudo, a palavra funcional passou a ser bastante questionada, e muitos preferem hoje utilizar o termo ESS (endoscopic sinus surgery). Dessa forma, a mesma passará a ser referida como cirurgia endoscópica nasossinusal. A palavra funcional foi empregada por seus autores para diferenciar o procedimento das técnicas tradicionais, as quais preconizavam a remoção completa da mucosa dos seios paranasais para o tratamento da RSC. A técnica, como originalmente descrita por Messerklinger,513,514 visa à melhora de ventilação dos seios paranasais e, consequentemente, da função mucociliar, com a preservação da mucosa, tanto quanto possível. A remoção judiciosa de tecidos inflamados e osso para desobstruir e, quando necessário, alargar os óstios naturais de drenagem são as proposições básicas da cirurgia endoscópica nasossinusal.

 

A forma pela qual os cirurgiões realizam a cirurgia é muito variável, em especial o instrumental cirúrgico, os reparos anatômicos seguidos, os métodos de hemostasia, a sequência e, principalmente, a extensão da dissecção. A maior parte dos cirurgiões segue a dissecção anteroposterior, por lamelas, conforme sistematizado por Stammberger et al. (1986):514 primeiro, a apófise unciforme; depois, a bula etmoidal; e, na sequência, a lamela basal e a esfenotomia. Outros têm como parâmetros principais os limites externos da dissecção, ou seja, a lâmina papirácea lateralmente, a concha média medialmente e a base do crânio posteriormente. Esta técnica é chamada de centrípeta.515

 

A forma pela qual os cirurgiões manuseiam os óstios dos seios, em especial do maxilar, do frontal e do esfenoide, e também as alterações inflamatórias intrassinusais e a con cha média é muito variável. Independentemente da técnica utilizada, é vital que os óstios de drenagem naturais sejam incluídos nas dissecções cirúrgicas para evitar fenômenos de recirculação de muco e perpetuação, ou mesmo piora do quadro crônico.

 

A cirurgia endoscópica nasossinusal tradicional tinha a proposição inicial focada na remoção da doença, particularmente localizada no complexo ostiomeatal, com o alargamento dos óstios naturais de drenagem e preservação máxima da mucosa nasossinusal. Rapidamente, o procedimento evoluiu para dissecções e ressecções mais extensas, incluindo tecidos polipoides, osteíte e alargamento dos outros óstios naturais de drenagem, quando comprometidos. Outro objetivo da técnica passou a ser a possibilidade de maior penetração dos medicamentos tópicos no pós-operatório. Para isso, maiores aberturas dos seios paranasais são necessárias.436Contudo, alguns autores optam pela cirurgia focada apenas nos espaços de transição dos seios paranasais (espaços pré-óstios de drenagem natural dos seios por onde circula o ar e drenam as secreções), independentemente da extensão da doença.516,517 Nesta técnica, definida como MIST (minimally invasive sinus technique), os óstios de drenagem não são alargados e o procedimento é realizado em grande parte com o microdebridador. No extremo oposto, uma técnica chamada de nasalização é utilizada, em particular, no manejo cirúrgico da RSCcPN grave.518 Ela consiste na esfenoetmoidectomia completa com remoção da mucosa associada à ressecção total da concha média.

 

Um grande entrave para esta discussão é a total falta de estudos comparativos bem delineados que permitam um comportamento mais padronizado entre os cirurgiões. Mais importante ainda é a falta de compreensão precisa dos fatores etiológicos da RSC e a grande variabilidade e gravidade da doença entre os pacientes. Assim, os critérios de inclusão e exclusão dos estudos, muitas vezes, não levam em consideração, por exemplo, a presença ou não de polipose nasal associada, maior ou menor grau de eosinofilia, intolerância a anti-inflamatórios não esteroides, e assim por diante. O grande fator decisório para os cirurgiões são as alterações endoscópicas e tomográficas.

 

Por estes fatores e também diante de algumas evidências importantes é que as diretrizes atuais indicam que o tratamento cirúrgico deve ser individualizado à situação clínica do paciente.1 Quanto maior a extensão da doença, maior parece ser a necessidade de extensão do procedimento.

 

Masterson et al. (2010)519 compararam a etmoidectomia anterior com a completa em 149 pacientes portadores de RSCcPN submetidos à cirurgia endoscópica nasossinusal. O seguimento de três anos mostrou recidiva da polipose em 12,5% dos casos de pacientes submetidos à etmoidectomia anterior, contra 4% dos submetidos à etmoidectomia completa. O estudo mostrou também que, em mãos experientes, os índices de complicações são pequenos e independem da extensão do procedimento.

 

Mais recentemente, Wu et al. (2014)520 avaliaram os fatores que afetam o tempo para cirurgia revisional em pacientes com RSCcPN. Os autores observaram que a ressecção da concha média parece aumentar o tempo de efetividade da cirurgia endoscópica nesses casos. Isto está de acordo com os dados previamente descritos por Jankovski et al. (2006).518

 

Vários estudos, fundamentalmente séries de casos, demonstraram taxas de sucesso bastante elevadas com a cirurgia endoscópica nasossinusal, como tradicionalmente descrita, em média 88%.521–523 Contudo, recentes avaliações mostram que, diante de um alto grau de inflamação de mucosa, os desfechos cirúrgicos são piores.524–526 Mais ainda, estes pacientes podem apresentar melhores resultados com cirurgia mais radical e extensa, como a mega-antrostomia maxilar endoscópica e o lothrop modificado endoscópico.527–529Felizmente, aprimoramentos tecnológicos permitem que estas técnicas mais radicais possam ser realizadas com segurança por via endonasal endoscópica, em pacientes com RSC recalcitrante a tratamento medicamentoso e à cirurgia endoscópica tradicional.

 

O advento dos microdebridadores permitiu grande avanço nas cirurgias endonasais. Por facilitar a retirada de estruturas com segurança e rapidez, além de manter o campo limpo pela aspiração constante de sangue e secreções, o microdebridador é um auxiliar importante, especialmente nos casos de polipose extensa.530 O uso do neuronavegador, principalmente para cirurgias extensas ou casos de reoperação, em que há ausência de parâmetros anatômicos confiáveis, traz aumento significativo na segurança do procedimento.531 Outra técnica utilizada é a sinuplastia com balões.511 O procedimento consiste na inserção de um cate-ter com balão de diferentes tamanhos pelo espaço de transição dos seios paranasais. Após certificação de sua localização no óstio de drenagem (transiluminação ou imagem), o mesmo é acionado para alargar os óstios, sem ressecção de tecidos. O procedimento é, então, viável para os seios maxilar, frontal e esfenoidal, não sendo útil para o etmoide. O procedimento é relativamente simples de ser realizado e é, teoricamente, interessante em função do menor trauma às estruturas intranasais sem doença e aos riscos de reações cicatriciais. Porém, os poucos estudos comparativos com as técnicas endoscópicas tradicionais falham, até o presente momento, em demonstrar resultados convincentes que justifiquem seu alto custo-benefício.511,532–534

 

Muitos autores consideram os balões como instrumentos e não como uma técnica cirúrgica, da mesma forma que utilizam o microdebridador ou o neuronavegador, e realizam cirurgias chamadas de híbridas. Ou seja, em conjunto com a dissecção tradicional endoscópica, por exemplo, do etmoide, os cateteres com balões são acionados para a dilatação dos óstios naturais de drenagem dos demais seios paranasais.535

 

Tratamento pós-operatório - tópico

 

Diversos produtos tornaram-se disponíveis para o tratamento tópico pós-operatório. Os mesmos podem ser aplicados em altos ou baixos volumes, com pressão alta, baixa ou negativa.536 A capacidade do fármaco em atingir a região anatômica apropriada nos seios paranasais tem sido tema de muitas pesquisas nos últimos cinco anos. A terapia tópica eficaz depende de vários fatores, como a técnica de aplicação, a anatomia nasossinusal pós-operatória e a dinâmica dos fluidos (volume, pressão e posição). Esses fatores combinados parecem ter impacto significativo sobre a efetividade da terapia tópica na mucosa nasossinusal doente.537–540

 

A remoção mecânica de muco, antígeno, poluentes, produtos inflamatórios e bactérias/biofilmes são os alvos do tratamento tópico. Essas intervenções, muitas vezes, dependem de soluções de pressão positiva de alto volume para fornecerem forças de cisalhamento que alterem a tensão de superfície entre ar e líquido. No entanto, a mesma abordagem pode não ser apropriada para a aplicação de composições farmacêuticas que necessitam de propriedades que visem à distribuição completa no seio paranasal, longo tempo de contato com a mucosa para a absorção local e desperdício mínimo.536

 

Considera-se muito importante continuar o tratamento clínico no pós-operatório em quase todas as formas de RSC. Atualmente, recomenda-se a lavagem salina nasal e os corticoides tópicos nasais após a cirurgia endoscópica nasossinusal para RSC.437,536

 

O uso do medicamento diretamente no local da doença tem a vantagem de permitir doses locais elevadas e minimizar os efeitos colaterais.537

 

A distribuição da solução tópica para os seios não operados parece ser limitada. Assim, a cirurgia endoscópica nasossinusal é essencial para permitir a efetiva distribuição tópica para os seios paranasais.1 A distribuição pós-operatória é superior com dispositivos de pressão positiva de alto volume.538–540 Sprays e gotas de baixo volume têm distribuição pobre e devem ser considerados como tratamento apenas para a cavidade nasal, especialmente antes da cirurgia endoscópica nasossinusal. Há dados limitados sobre o volume exato necessário para permitir a completa distribuição. Dentre as terapias tópicas utilizadas em pós-operatório de cirurgia endoscópica nasossinusal, é possível destacar:

 

Corticoide tópico

 

Há quatro estudos randomizados, duplo-cegos, controlados (placebo), nível 1b, avaliando o uso de corticoide tópico no período pós-operatório precoce. Três deles recomendam o uso de corticoide tópico,541–543 e apenas um não demonstra benefícios.544

 

Rinossinusite crônica sem polipose nasossinusal

 

A eficácia dos corticoides tópicos foi investigada em diferentes pesquisas, e quase todas mostraram poder reduzir os sintomas do paciente.545 Estudos compararam a ação do tratamento clínico em pacientes não operados com o tratamento clínico após cirurgia endoscópica nasossinusal, mostrando que o segundo grupo tem melhor resposta ao tratamento e melhor função olfatória, baseados em critérios objetivos e subjetivos.545

 

Em pacientes portadores de RSCsPN, apenas os que tinham se submetido à cirurgia endoscópica nasossinusal prévia obtiveram melhora dos sintomas com o uso de corticoide tópico. Quando foram avaliados os tipos de corticoide, comparando os modernos (mometasona, fluticasona, ciclesonida) com os de primeira geração (budesonida, betametasona, triancinolona, dexametasona), não houve diferença significativa em relação aos sintomas nos dois grupos.1 Recente revisão da Cochrane demonstrou que a aplicação de corticoide tópico em paciente com RSCsPN proporcionou maior benefício no controle de sintomas quando esta foi feita diretamente na cavidade sinusal, ao invés do uso de sprays nasais comuns.546

 

Rinossinusite crônica com polipose nasossinusal

 

Os corticoides tópicos nasais são medicamentos seguros para utilização no pós-operatório de pacientes com RSCcPN, apresentando melhora significativa no tamanho dos pólipos, nos sintomas e na diminuição da recorrência dos pólipos no primeiro ano pós-cirurgia.547

 

Pacientes em pós-operatório de cirurgia nasossinusal responderam melhor aos corticoides tópicos do que os sem, na redução do tamanho dos pólipos. Contudo, melhorias nos sintomas e no fluxo de ar nasal não foram estatisticamente diferentes entre os dois subgrupos. Em estudo de Rowe-Jones et al. (2005),541 109 pacientes (77 dos quais tinham pólipos) foram randomizados para receber fluticasona spray no pós-operatório, com início em seis semanas após a cirurgia endoscópica nasossinusal. A mudança na escala visual analógica e as alterações endoscópicas dos pólipos foram significativamente melhores no grupo da fluticasona em cinco anos, enquanto mais cursos de prednisolona foram prescritos no grupo-placebo neste período.

 

Não parece haver benefício significativo dos corticoides modernos (mometasona, fluticasona e ciclesonida) sobre os de primeira geração (budesonida, beclometasona, triancinolona) para o sintoma final ou redução do pólipo.547

 

Antibiótico tópico

 

O uso de antibióticos tópicos é controverso, em função da escolha do agente antibacteriano a ser utilizado, da dosagem, do método de aplicação e se sua eficácia é melhorada em uma cavidade de pós-operatório. Estudos têm sido realizados com preparações tópicas de tobramicina, mupirocina, neomicina, bacitracina/colimicina e ciprofloxacino. As evidências são insuficientes para apoiar um benefício claro ao uso de antibióticos tópicos no pós-operatório da cirurgia endoscópica nasossinusal.437

 

Irrigação nasal com solução salina

 

Muitas teorias sobre o potencial benefício fisiológico da utilização da irrigação nasal com solução salina têm sido propostas, tais como melhora no clearance do muco, aumento da atividade do batimento ciliar, quebra e remoção de antígenos, biofilmes e mediadores inflamatórios e proteção direta da mucosa sinusal. O uso de irrigações salinas nasais tem sido recomendado por médicos otorrinolaringologistas, tanto como terapia adjuvante para os sintomas crônicos nasossinusais quanto para o pós-operatório e para umedecer e limpar coágulos e crostas nasossinusais, bem como para promover a cicatrização da mucosa.437

 

Soluções salinas isotónicas ou hipertônicas são frequentemente utilizadas sob a forma de ducha nasal (irrigação com seringas de grande volume e baixa pressão positiva, alcançando maior extensão de desbridamento mecânico), spray nasal ou nebulizador para o tratamento das doenças dos seios paranasais, principalmente como suplemento para outras terapias, como a cirurgia endoscópica nasossinusal.532,548

 

A irrigação nasal com solução salina pode melhorar os sintomas da RSC, especialmente após a cirurgia nasossinusal.

 

A penetração de soluções salinas isotónicas ou hipertônicas nos seios paranasais difere em pacientes submetidos ou não à cirurgia endoscópica nasossinusal, dependendo também do modo de aplicação.

 

Wormald et al. (2004)549 compararam a utilização de spray nasal, nebulização e ducha nasal em pacientes submetidos à cirurgia endoscópica nasossinusal. Cada método foi testado usando um traçador de tecnécio. O acúmulo da radioatividade foi avaliado na cavidade nasal anterior, posterior, seios maxilares, esfenoide e frontal, além do recesso frontal. Apesar de a cavidade nasal ter sido bem irrigada pelas três técnicas, a ducha foi significativamente mais eficaz na penetração do seio maxilar e recesso frontal, quando comparada aos outros métodos. Os seios esfenoidais e frontais foram mal irrigados por todos os três métodos.

 

O valor da ducha nasal após a cirurgia foi avaliado em um ensaio clínico randomizado, cego e controlado. Duchas nasais foram utilizadas por 22 pacientes após cirurgia em um dos lados da cavidade nasal, três vezes por dia, durante seis semanas. A cavidade nasal oposta não era irrigada. A presença de aderências, pólipos, crostas, secreção ou edema foi avaliada três semanas e três meses após a cirurgia. Em três semanas, a ducha salina melhorou a presença de secreção ou edema, mas não teve efeito sobre as aderências ou crostas. Aos três meses, não houve diferenças significativas entre ambas as cavidades nasais.550

 

Um estudo que avaliou três ensaios clínicos randomizados em pacientes pós-cirurgia endoscópica nasossinusal mostrou que dois deles obtiveram melhores resultados com solução salina intranasal comparados com o grupo sem irrigação, enquanto o terceiro não demonstrou diferença no escore de sintomas entre pacientes que utilizaram solução salina, hipertônica ou sem irrigação. Os que usaram solução salina hipertônica apresentaram mais dor. No geral, as soluções salinas são bem toleradas. Os efeitos colaterais são raros, incluindo desconforto nasal, secreção, epistaxe, cefaleia e otalgia. A maioria dos estudos mostra melhora dos sintomas e da qualidade de vida com o uso da irrigação nasal, mas a superioridade da solução salina hipertônica em relação à isotônica ainda não está clara.551

 

Rudmik et al. (2011)552 revisaram seis estudos sobre os cuidados após a cirurgia endoscópica nasossinusal e verificaram que a maioria deles demonstrou melhora nos escores de sintomas com o uso de soluções salinas no pós-operatório. Dentre esses estudos, Liang et al. (2008)553 compararam irrigações de soluções salinas combinadas com desbridamento pós-operatório vs. apenas desbridamento, e observaram que o desbridamento pós-operatório combinado com o uso de irrigação de solução salina melhorou significativamente o aspecto endoscópico e os sintomas dos pacientes com quadro leve de RSC, embora não tenha sido observada melhora nos casos moderados e graves. Os autores concluíram que a irrigação nasal de solução salina é bem tolerada e melhora o aspecto endoscópico e os sintomas pós-operatórios precoces com nível de evidência 1b e 2b.552 Lavagens nasais são, portanto, recomendadas para RSC em adultos no período pós-operatório.

 

Outros

 

Surfactante: Não há estudos controlados e randomizados que recomendem o uso de surfactantes no pós-operatório (incluindo baby shampoo).554,555

 

Antifúngicos: Nenhum benefício foi encontrado em ensaios clínicos randomizados ou revisões sistemáticas para o uso de antifúngicos tópicos no pós-operatório de RSC.437,486

 

Furosemida: Com base nos dados atuais de pós-operatório nasal em longo prazo, o tratamento com a furosemida não é recomendado.556

 

Capsaicina: Estudo randomizado e controlado foi realizado com pacientes em pós-operatório de cirurgia endoscópica nasossinusal usando capsaicina (algodão embebido) em meato médio em ambas as narinas por 20 minutos, uma vez por semana, por cinco semanas, comparando com o grupo-controle e mostrando no grupo tratado melhora do estadiamento da polipose. Seu grau de recomendação é C.1,556

 

Comentários

 

A lavagem nasal com solução salina isotônica pode ser utilizada no pós-operatório imediato de RSC, assim como o corticoide tópico nasal, que pode ser iniciado após duas a três semanas de pós-operatório ou após o desaparecimento de crostas. Não há dados relevantes na literatura que apoiem o uso de outros agentes tópicos nasais no pós-operatório de RSC.

 

Tratamento pós-operatório - sistêmico

 

O tratamento sistêmico no pós-operatório da RSCcPN ou RSCsPN pode basear-se no uso de corticosteroides e antibióticos, e será discutido a seguir.

 

Corticosteroide (CE)

 

Após o tratamento cirúrgico da RSC, os corticosteroides sistêmicos podem ser utilizados basicamente de duas formas: em doses curtas, entre 7 e 14 dias, com manutenção da dose por todo o tratamento; ou em períodos maiores, utilizando-se doses decrescentes.556,557 O principal papel dos corticosteroides neste tipo de doença é o de reduzir o processo inflamatório da mucosa, proporcionando, consequentemente, melhores resultados cirúrgicos. Porém, o uso desta medicação ainda é evitado por muitos cirurgiões em função dos seus potenciais efeitos colaterais.

 

Um estudo nível 1b (randomizado, duplo-cego e placebo-controlado), conduzido por Wright e Agrawal (2007),507 avaliou os resultados endoscópicos no pós-operatório de pacientes com RSCcPN que utilizaram 30 mg/dia de prednisona cinco dias antes da cirurgia e mais 30 mg/dia nove dias após a cirurgia. Além do melhor status intraoperatório dos pacientes que utilizaram o corticosteroide, os resultados demonstraram significativa melhora na aparência endoscópica da mucosa até seis meses do pós-operatório, e mais evidente na segunda semana. É importante ressaltar que, em relação aos sintomas pós-operatórios, não houve diferença entre os grupos tratados. Ambos os grupos (placebo e prednisona) apresentaram melhora significativa no pós-operatório quando comparados com o pré-operatório.

 

Após cuidadosa avaliação dos riscos e benefícios, podese considerar o uso de corticosteroide oral por curto período de tempo com o intuito de minimizar a inflamação durante o período de cicatrização e prevenir complicações relacionadas com o edema de mucosa e crostas, especialmente nos casos de RSCcPN.556

 

Em relação ao uso de CE no pós-operatório do paciente com RSFA, muitos estudos não placebo-controlados mostraram efeito positivo.558–560 Rupa et al. (2010),561 em estudo prospectivo, randomizado, duplo-cego e placebo-controlado (nível 1b), compararam os resultados de pacientes submetidos à cirurgia com diagnóstico de RSFA. Um grupo de pacientes recebeu 50 mg de prednisolona via oral por dia, por seis semanas, e, posteriormente, doses decrescentes por mais seis semanas, enquanto outro grupo recebeu placebo por 12 semanas. Após este período houve melhora significativa dos sintomas e do exame endoscópico no grupo que fez uso de CE. Todos os pacientes receberam CE tópico e antifúngico sistêmico (itraconazol) por 12 semanas. Com 18 meses de pós-operatório, os pacientes que pararam com todo o tratamento, incluindo CE tópico, apresentaram recorrência da doença. Fica, portanto, difícil de avaliar se o tratamento com CE oral por 12 semanas teve impacto na evolução aos 18 meses.

 

Antibiótico

 

A finalidade do uso de antibiótico no pós-operatório é a de prevenir infecção da secreção retida nos seios paranasais imediatamente após a cirurgia. Se houver presença de secreção purulenta durante o procedimento cirúrgico, antibióticos deverão ser prescritos, baseando-se na cultura e no antibiograma. Caso contrário, antibióticos efetivos contra os patógenos mais comuns deverão ser empregados.557 Uma metanálise e revisão sistemática, publicada em 2011, e que incluiu três artigos, demonstrou que o uso de antibióticos usados profilaticamente no período pós-operatório não mostrou redução estatisticamente significativa de infecção, escores endoscópicos e sintomas.562 Vale citar o estudo randomizado, duplo-cego, placebo-controlado (nível 1b) conduzido por Albu et al. (2010),563 que avaliou o protocolo do uso de amoxicilina 625 mg duas vezes ao dia, por duas semanas, no pós-operatório. Os resultados mostraram melhora dos sintomas nos primeiros cinco dias e da aparência endoscópica nos 12 primeiros dias. Além disso, houve redução significativa da formação de crostas. Outro estudo nível 1b avaliou o uso de antibiótico por apenas dois dias do pós-operatório e não observou resultado efetivo.564

 

Em relação ao uso dos macrolídeos por longos períodos (12 semanas) no pós-operatório, há apenas um estudo nível 1b, publicado em 1995, que encontrou benefícios.565 Uma vez que não há outro estudo específico mensurando o efeito deste medicamento especificamente no pós-operatório, têm sido utilizados macrolídeos por longa data, independentemente do período pós-operatório. Neste sentido, as evidências são contraditórias e, à luz do conhecimento atual, apontam para possíveis resultados positivos em pacientes com RSCsPN e IgE normal.426,427

 

Comentários

 

Apesar dos poucos dados na literatura sobre a eficácia dos antibióticos no pós-operatório de cirurgia endoscópica nasossinusal, acredita-se que eles possam melhorar os sintomas e a aparência endoscópica se utilizados por um período maior (pelo menos 14 dias), porém, sem dados conclusivos sobre a duração desses benefícios. Em geral, os derivados da penicilina, em especial a amoxicilina-ácido. clavulânico e o axetil-cefuroxima, são os mais utilizados.

 

Antifúngicos

 

Kennedy et al. (20 05)207realizaram um único estudo controlado (1b) comparando o uso do antifúngico terbinafina com placebo em pacientes com RSCcPN que apresentavam ou não positividade para fungos. Os resultados mostraram que a terbinafina não melhorou os sintomas ou os achados radiológicos pós-operatórios, mesmo nos casos em que a cultura foi positiva para fungo. Uma série de outros estudos não controlados apresentou resultados conflitantes sobre uso de antifúngico sistêmico no pós-operatório da RSC, alguns deles mostrando efeitos colaterais importantes de tal medicação.492,493,561,566Baseado nos dados atuais, o uso de antifúngico sistêmico no pós-operatório de RSCcPN nao é recomendado.1

 

Aspectos especiais das rinossinusites nas crianças

 

Epidemiologia

 

Crianças menores de 5 anos de idade apresentam, em média, entre dois e sete episódios de infecções de vias aéreas superiores (IVAS) ao ano.567,568 Caso estejam frequentando escolas e creches, os episódios aumentam para até 14 vezes ao ano.569 Estima-se que 4% a 7,3% das IVAS evoluam para RSA bacteriana, ocorrendo com maior frequência em crianças no primeiro ano de vida e que frequentam creches.570

 

Seios paranasais na criança

 

Nem todos os seios paranasais estão desenvolvidos ao nascimento.

 

Seio frontal: Inicia seu desenvolvimento aos 4 anos de idade, tendo crescimento lento após essa idade. Apenas 20-30% das crianças com 6 anos de idade têm seio frontal visível radiologicamente. Mais de 85% vão apresentar pneumatização do seio frontal à TC na idade de 12 anos.571

 

Seios etmoidal e maxilar: Já se encontram desenvolvidos o suficiente ao nascimento. São os que têm significância clínica nas rinossinusites. Os seios etmoidais crescem rapidamente até os 7 anos de idade e completam seu desenvolvimento ao redor dos 15-16 anos. O seio maxilar já está habitualmente pneumatizado ao nascimento, e seu volume aos 2 anos de idade é de cerca de 2 mL, aos 9 anos 10 mL, e 14,8 mL aos 15.572 A maior parte do crescimento após os 12 de anos de idade ocorre na porção inferior, com a pneumatização do processo alveolar após a segunda dentição. O assoalho do seio maxilar, que na criança se encontra superior ao nível do assoalho da cavidade do nariz, vai abaixando, e, na vida adulta, estará cerca de 4-5 mm inferior à cavidade do nariz.

 

Seio esfenoidal: Ao nascimento, o seio esfenoidal é uma pequena evaginação do recesso esfenoetmoidal. Aos 7 anos, ele se estende posteriormente, e aos 8, cerca de 85% dos pacientes apresentam pneumatização visível à TC;571 atinge seu desenvolvimento ao redor dos 15 anos de idade, mas pode continuar a crescer até a vida adulta.

 

Definição e classificação da rinossinusite aguda na criança

 

A RSA na criança é definida e classificada da mesma forma que no adulto.

 

Diagnóstico

 

O diagnóstico clínico de RSA na criança não é fácil. Muitos sintomas são comuns a outras doenças na infância, como os resfriados, as gripes e a rinite alérgica. Além disso, existem as limitações e dificuldades do exame clínico na população pediátrica.

 

Sinais e sintomas mais frequentes

 

Os estudos em crianças com RSA mostram que o quadro clínico frequentemente inclui febre (50-60%), rinorreia, (7180%), tosse (50-80%) e dor (29-33%),38além de secreção e obstrução nasal.19 Em crianças até a idade pré-escolar, o sintoma de dor tem baixa prevalência, sendo substituído pela tosse. Já para as crianças em fase escolar e adolescentes, o sintoma de dor torna-se mais comum.

 

Embora não haja muitos estudos, a maioria dos profissionais médicos e guidelines recomendam que o diagnóstico de RSA bacteriana seja clínico, baseado no tempo de evolução (sintomas de IVAS além de dez dias de duração), pelo início abrupto de sintomas com forte intensidade (já nos primeiros quatro dias), ou pela piora dos sintomas após o período inicial de melhora no decorrer de um IVAS, conhecida como dupla piora. Podem fazer parte dos sintomas e sinais a febre alta, a secreção purulenta nasal abundante, o edema periorbitário e a dor facial.1,19,573–576

 

Exame clínico

 

Além dos sinais e sintomas já mencionados, a endoscopia nasal auxilia no diagnóstico e na diferenciação entre viral e bacteriana, valorizando a visualização da secreção nasal e na rinofaringe. Quando positiva para RS aguda bacteriana (secreção purulenta drenando do meato médio), confirma o diagnóstico. No entanto, nem sempre é de fácil realização na população infantil. Além disso, a despeito da alta especificidade, apresenta baixo grau de sensibilidade, pois um exame negativo não exclui o diagnóstico de RSAB.

 

Estudo por imagem

 

Há praticamente um consenso entre os guidelines mais recentes de que o diagnóstico da RSA não deve ser baseado em exames radiológicos, particularmente das radiografias simples.1,573,576

 

Processos virais em crianças frequentemente envolvem os seios paranasais. Crianças com sintomas de IVAS com pelo menos seis dias de quadro clínico costumam apresentar sinais de anormalidade em todos os seios, o maxilar e o etmoidal, o esfenoidal e o frontal, em ordem de frequência. O velamento é inespecífico, podendo ocorrer em processos virais, bacterianos, alérgicos, tumorais, ou ainda por não formação do seio em específico.

 

Estudos tomográficos em crianças com quadro clínico sugestivo de RSA demonstraram que mesmo os quadros mais importantes apresentam regressão significativa das alterações após duas semanas.577 As indicações de TC nos quadros agudos sinusais devem, portanto, ser reservadas para os pacientes que não melhoram e persistem com sintomas após terapia adequada, e naqueles com suspeita de complicação.574

 

Diagnóstico diferencial

 

O principal diagnóstico diferencial da RSA na criança é a adenoidite aguda infecciosa, pois pode apresentar sinais e sintomas muito parecidos, incluindo secreção posterior e tosse. É provável que exista alta porcentagem de associação das duas doenças, embora essa diferenciação seja muito difícil na prática clínica. Estudos mostram que, em crianças que apresentam sintomas por mais de dez dias, cerca de 89,2% apresentam RSA, e 19,2% adenoidite associada. Adenoidite, isoladamente, está presente em cerca de 7% das crianças. Pacientes mais jovens (2-5 anos de idade) apresentam associação de RSA e adenoidite com maior frequência.578 Na prática clínica, o diagnóstico diferencial nem sempre é necessário, uma vez que o tratamento é o mesmo para as duas entidades.

 

Outro diagnóstico diferencial menos importante seria o de corpo estranho nasal. Nesses casos, a secreção costuma ser fétida e quase sempre unilateral.

 

Bacteriologia

 

Os agentes etiológicos mais frequentes na RSA bacteriana em crianças são o S. pneumoniae, H. influenza, M. catarrhalis, S. pyogenes e anaeróbios.19,579

 

Tratamento medicamentoso da rinossinusite aguda em crianças

 

A maioria é autolimitada, resolvendo-se espontaneamente.1

 

Antibióticos

 

Resultados de metanálise sugerem que a taxa de resolução e melhora da RSA entre 7 e 15 dias é discretamente maior quando são utilizados antibióticos.579 Por esta razão, acredita-se que os antibióticos devam ser reservados para casos mais graves ou na presença de moléstias concomitantes que poderiam ser exacerbadas com a RSA, como, por exemplo, asma e bronquite crônica.1,573,575 Entretanto, ainda não existe consenso universal sobre os antibióticos a serem utilizados na RSA.

 

De forma geral, a amoxicilina (40 mg/kg/dia ou 80 mg/kg/dia) ainda é considerada um tratamento inicial racional na maioria dos estudos. Amoxicillina/clavulanato e cefalos-porinas são consideradas boas opções contra produtores de beta-lactamase,1 devendo ser indicados em casos de falhas no primeiro tratamento.

 

De forma semelhante às recomendações para otite média aguda, também na RSA existe a opção de uma dose única de ceftriaxona 50 mg/kg EV (endovenosa) ou IM (intramuscular) para as crianças que apresentam vómitos e que são incapazes de tolerar medicação oral.62–64 Se houver melhora clínica em 24 horas, o tratamento é completado com antibiótico oral.575

 

Em relação aos pacientes alérgicos à penicilina, existe certa controvérsia entre os guidelines internacionais mais recentes. Alguns consideram a sulfametoxazol-trimetoprim, macrolídeos e clindamicina boas opções1 nestas situações; outros não recomendam o uso de sulfametoxazol-trimetoprim e macrolídeos em decorrência da resistência crescente do Pneumococo e H. influenzae a estes medicamentos, sugerindo uma quinolona, como a levofloxacina, como alternativa, especialmente em crianças maiores, mesmo em vista da toxicidade, do custo e da resistência emergente.580,581

 

Não existem revisões sobre a duração ideal do tratamento. Recomendações baseadas em observações clínicas têm variado muito, de 10-28 dias de tratamento. Uma sugestão tem sido manter a terapia por sete dias após a resolução dos sintomas.582

 

Corticosteroides intranasais

 

O corsticosteroide intranasal por três semanas, associado ao antibiótico, parece apresentar vantagens em relação ao tratamento de RSA em crianças e adolescentes com antibiótico isoladamente, principalmente em relação à tosse e secreção nasal.85,92,95

 

Existe também alguma evidência, baseada em um único estudo duplo-cego e randomizado, que em pacientes maiores de 12 anos a dose dobrada de corticosteroide intranasal, como única droga, pode ser mais efetiva no controle da RSA do que o tratamento com antibiótico isolado.85

 

Terapia adjuvante

 

Revisão sistemática da literatura em relação à eficácia de descongestionantes, oral ou intranasal, anti-histamínicos e irrigação salina não demonstra evidências de eficácia em crianças com RSA.100

 

Rinossinusite aguda recorrente (RSAr)

 

A maioria dos autores aceita que a RSAr seja definida por episódios agudos, que duram menos que 30 dias e apresentam intervalos de pelo menos dez dias com o paciente totalmente assintomático. Segundo alguns autores, o paciente deveria apresentar pelo menos quatro episódios ao ano para preencher os critérios de recorrência.575

 

Assim como nos quadros crônicos, deve-se procurar afastar algumas causas de origem sistêmica. A investigação deve incluir os processos alérgicos, com a realização de testes específicos; as deficiências de imunoglobulinas, com pesquisa quantitativa, particularmente a IgA e IgG; fibrose cística; refluxo gastroesofágico; e doenças ciliares.583 A hipertrofia, mesmo que discreta, de tonsilas faríngeas também deve ser considerada, pela possibilidade de a mesma atuar como um reservatório de patógenos. Fatores anatômicos, embora considerados de pouca relevância na criança, também devem ser afastados (concha bolhosa, desvios septais etc.). Nesses casos, a TC, a endoscopia nasal e ou a RM poderiam auxiliar no diagnóstico do processo obstrutivo e malformações.

 

A bacteriologia é a mesma das RSA e, portanto, o tratamento da fase aguda deve seguir os mesmos preceitos.584Infelizmente, é necessário reconhecer que muitos antibióticos em curtos intervalos de tempo podem contribuir para a resistência bacteriana. A profilaxia com antimicrobianos deve ser reservada para casos excepcionais, geralmente com doenças de base confirmadas, particularmente as imunodeficiências.

 

Como medidas profiláticas gerais, recomendam-se a vacinação anual para Influenza e a vacina para pneumococo. Casos em que a rinite alérgica ou o refluxo gastroesofágico estão associados, a frequência dos eventos de agudização diminui quando a doença associada é tratada. Vários estudos têm demonstrado que medicações imunoestimulantes, como os lisados bacterianos, auxiliam no controle das IVAs virais e bacterianas recorrentes, e podem ser um adjuvante no controle das RSAr.113

 

Particularidades da rinossinusite crônica na criança

 

A RSC em crianças não é uma entidade tão estudada quanto em adultos, e sua prevalência ainda não está totalmente estabelecida. Acredita-se que vários fatores contribuam para a doença, incluindo os bacteriológicos e inflamatórios, e que a tonsila faríngea seja um fator importante nesta faixa etária. O tratamento é principalmente medicamentoso, e a terapia cirúrgica é reservada para a minoria dos pacientes.

 

Definição

 

A RSC em crianças é definida, semelhante à dos adultos, como uma inflamação da mucosa nasal e dos seios paranasais, com período de duração superior ou igual a 12 semanas, sem períodos de melhora.1

 

Fisiopatologia

 

Fatores anatômicos

 

Não está claro se as anormalidades anatômicas contribuem, de alguma maneira, no desenvolvimento e na manutenção da RSC em crianças. Os estudos sugerem que, apesar da ocorrência comum desses fatores anatômicos (concha bolhosa, hipertrofia de conchas, desvios septais etc.), eles parecem não se correlacionar com o grau e a existência de RSC.1

 

Papel da adenoide

 

Estudos relacionados com o papel das adenoides na RSC estão sendo realizados, mas ainda são limitados. Eles sugerem um papel para as adenoides em pacientes com RSC, tanto do ponto de vista bacteriológico como imunológico. Todos confirmam que, independentemente do tamanho da tonsila faríngea, elas podem servir como reservatório bacteriano para infecções sinusais.585,586

 

Rinite alérgica

 

Aparentemente, crianças com RSC apresentam RAST (teste de IgE específico) positivo na mesma proporção da população geral, sugerindo que a relação causal entre alergias e RSC em crianças ainda seja controversa, e que muito provavelmente não exista.587,588

 

Asma

 

A asma é uma doença comumente associada com RSC na faixa etária pediátrica. No entanto, as limitações da maioria dos estudos disponíveis incluem a falta de bons controles ou randomização para diferentes modalidades de tratamento e, portanto, a relação entre RSC e asma em crianças ainda precisa ser mais bem estudada.

 

Doença do refluxo gastroesofágico

 

A DRGE também tem sido associada com rinossinusite em vários estudos. Apesar de algumas evidências suportarem a associação entre DRGE e RSC, mais estudos controlados serão necessários para reforçar tal associação e validá-la. Portanto, tratamento antirrefluxo de rotina das crianças com RSC não se justifica.1

 

Imunodeficiência

 

Estudos em crianças com RSr e RSC têm demonstrado porcentagem razoável de disfunção imunológica, incluindo diminuição nos níveis de IgG3, IgA e IgG1, com fraca resposta à vacina pneumocócica e baixos níveis de imunoglobulina em resposta a vacinas normais. Por essa razão, recomendase avaliar a função imune na criança com RSC recorrente com dosagens de imunoglobulinas e títulos para tétano e difteria, bem como títulos para pneumococo. Se as respostas forem anormais, deve-se repetir os exames após a vacinação antipneumocócica.1

 

Discinesia ciliar primária

 

O diagnóstico deve ser suspeitado em criança com asma atípica, bronquiectasia, tosse crônica produtiva, RSC e otite média grave (especialmente com drenagem crônica em crianças com tubos). O diagnóstico específico requer o exame dos cílios por meio de microscopia eletrônica, que é geralmente disponível em centros especializados.1

 

Fibrose cística

 

A prevalência de RSC nesses pacientes é alta, e pólipos nasais ocorrem entre 7-50% dos afetados.589,590 Essa é uma das poucas causas de PN em crianças, de achado incomum, e quando presente, deve levar à suspeita de fibrose cística ou RSFA, que também se apresenta com quadro clínico bastante singular, incluindo PN e imagens de TC e RM características.591

 

Quadro clínico e diagnóstico

 

O diagnóstico clínico da RSC em crianças é ainda considerado um desafio, pois muitas vezes se sobrepõe ao de outras doenças comuns na infância, tais como infecções virais do trato respiratório superior, hipertrofia das tonsilas farínge-as/adenoidite e rinite alérgica. Os sinais e sintomas mais importantes incluem bloqueio/obstrução/congestão nasal, rinorreia (anterior/posterior), ± dor/pressão facial, tosse ± e/ou sinais endoscópicos da doença. A TC pode mostrar alterações relevantes dos seios paranasais.1

 

Exames de imagem

 

Estudos que examinaram a incidência de anormalidades nos seios paranasais na TC, obtidos por razões clínicas não relacionadas com a RSC em crianças, têm mostrado uma por centagem de anormalidades radiográficas sinusais que varia de 18%2,3 a 45%, porcentagens essas semelhantes às encontradas em crianças com sintomas de RSC. Isso demonstra que o valor da imagem é relativo e deve ser sempre ser analisado em conjunto com o quadro clínico.

 

Bacteriologia

 

Existem poucos estudos sobre a bacteriologia da RSC na criança. Os micro-organismos já encontrados em aspirados ou intraoperatoriamente incluem: S. alfa hemolíticos e Staphylococcus aureus; S. pneumoniae; H. influenzae e M. Catarrhalis; assim como organismos anaeróbicos, como bacteroides e fusobactérias Brook I.592–594

 

Tratamento

 

Medicamentoso

 

Os estudos existentes demonstram que o tratamento da RSC em crianças com antibióticos por período curto de tempo não é justificável.1 Por outro lado, tanto o corticosteroide nasal quanto a solução salina têm demonstrado benefício, sendo considerados tratamento de primeira linha para essa doença, com ou sem pólipos.595,596

 

Cirúrgico

 

A abordagem cirúrgica deve ser sempre reservada para casos especiais, ou seja, crianças que não responderam ao tratamento clínico adequado. Os estudos mostram melhora significativa do quadro clínico e da qualidade de vida, sem que haja repercussões negativas em relação às sequelas osteoesqueléticas faciais.597 Infelizmente, a maior parte dos estudos que sustentam esta recomendação não é prospectiva randomizada. De forma geral, a abordagem cirúrgica, quando indicada, pode consistir, inicialmente, de uma adenoidectomia597 com lavagem de seio maxilar.598 A cirurgia pode ser feita com ou sem dilatação por balão,599,600 seguida de cirurgia endoscópica dos seios paranasais, no caso de recorrência dos sintomas.601 Nos casos de crianças com fibrose cística, PN, pólipo antrocoanal ou rinossinusite fúngica alérgica, a cirurgia endoscópica é a opção inicial. Talvez, estudos futuros comparativos entre os diversos métodos de tratamento, com questionário de sintomas padronizado pré e pós-operatório, possam orientar a melhor abordagem terapêutica nos pacientes pediátricos com RSC.

N.R. As figuras e referências podem ser obtidas na fonte citada abaixo.

Fonte:

Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial

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