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23/05/2006
Paliativos

Comemoram-se os 150 anos do nascimento de Sigmund Freud, que nos ensina no Mal Estar na Civilização, a existência de três desafios para os homens: o poder destrutivo e incontrolável da natureza, o perecimento fatídico do corpo, e os relacionamentos humanos. Este último é o mais nefasto, pois é portador de constante sofrimento, decepções e carga de frustrações insuportáveis. Para suportá-las, necessitamos de paliativos, espécie de anestésico que nos alheia à cruel realidade. O isolamento, a sublimação, as substâncias narcóticas e os sistemas religiosos são os paliativos mais recorrentes no combate pessoal ao pesar de cada dia. Porém, da reza ao gole de cachaça, nada detém a força do acúmulo de frustração. Essa força gera medo, histeria, e, principalmente, violência.

AL QUAEDA, LULA, PCC e TSUNAMIS.

 

Crise do gás da Bolívia, os discursos palanqueiros de Lula, a onda de violência do PCC, a guerra civil do Iraque, dentre outros eventos revoltantes, nos deixam sem fôlego, perplexos diante de tanta ignomia, como se estivéssemos de ressaca. O sentimento de inevitabilidade do aumento do gás e combustíveis – depois das eleições, claro -, da perspectiva de reeleição de Lula, - a menos que algo vire o jogo -, de manchetes sobre guerras civis, pede um tempo. Essa vontade de estar apático, de cruzar os braços, é uma manifestação paliativa. Pronto, fingimos que não é aqui, que se governa, que se tem segurança física e alimentar, até que alguém nos denuncie.

 

FINGIR FINGIMENTO

 

No trecho abaixo do discurso de posse do Ministro Marco Aurélio de Melo, essa apatia é dunciada:

“Infelizmente, vivenciamos tempos muito estranhos, em que se tornou lugar-comum falar dos descalabros que, envolvendo a vida pública, infiltraram na população brasileira - composta, na maior parte, de gente ordeira e honesta - um misto de revolta, desprezo e até mesmo repugnância. São tantas e tão deslavadas as mentiras, tão grosseiras as justificativas, tão grande a falta de escrúpulos que já não se pode cogitar somente de uma crise de valores, senão de um fosso moral e ético que parece dividir o País em dois segmentos estanques - o da corrupção, seduzido pelo projeto de alcançar o poder de uma forma ilimitada e duradoura, e o da grande massa comandada que, apesar do mau exemplo, esforça-se para sobreviver e progredir.

Não há, nessas afirmações - que lamento ter de lançar -, exagero algum de retórica. Não passa dia sem depararmos com manchete de escândalos. Tornou-se quase banal a notícia de indiciamento de autoridades dos diversos escalões não só por um crime, mas por vários, incluindo o de formação de quadrilha, como por último consignado em denúncia do Procurador-Geral da República, Doutor Antônio Fernando Barros e Silva de Souza. A rotina de desfaçatez e indignidade parece não ter limites, levando os já conformados cidadãos brasileiros a uma apatia cada vez mais surpreendente, como se tudo fosse muito natural e devesse ser assim mesmo; como se todos os homens públicos, nas mais diferentes épocas, fossem e tivessem sido igualmente desonestos, numa mistura indistinta de escárnio e afronta, e o erro passado justificasse os erros presentes.

Se, por um lado, tal conduta preocupa, porquanto é de analfabetos políticos que se alimentam os autoritarismos, de outro surge insofismável a solidez das instituições nacionais. O Brasil, de forma definitiva e consistente, decidiu pelo Estado Democrático de Direito. Não paira dúvida sobre a permanência do regime democrático. Inexiste, em horizonte próximo ou remoto, a possibilidade de retrocesso ou desordem institucional. De maneira adulta, confrontamo-nos com uma crise ética sem precedentes e dela haveremos de sair melhores e mais fortes. Em Medicina, "crise" traduz o momento que define a evolução da doença para a cura ou para a morte. Que saiamos dessa com invencíveis anticorpos contra a corrupção, principalmente a dos valores morais, sem a qual nenhuma outra subsiste.”


Hermano Leitão / JAS