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07/10/2020
Catarata: proteína pode estar ligada a ela

Detectada no olho humano alteração em proteínas que pode estar ligada a catarata. Mudanças causadas por oxidação das proteínas do cristalino do olho foram detectadas pela primeira vez em amostras humanas

Proteínas que formam o cristalino – que funciona como uma “lente” no olho humano – permanecem as mesmas durante toda a vida e estão sujeitas a mudanças causadas por oxidação; cientistas pesquisam quais dessas alterações podem levar à opacidade do cristalino, ou seja, à ocorrência de catarata – Foto: Dennis Kuhn via Flickr – CC

Pela primeira vez, ligações entre proteínas que podem estar associadas à ocorrência de catarata foram identificadas em amostras biológicas humanas. A descoberta aconteceu em uma pesquisa do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão de Processos Redox em Biomedicina (Cepid Redoxoma), sediado no Instituto de Química (IQ) da USP. As ligações surgem devido à oxidação das proteínas do cristalino (a “lente” do olho) e acredita-se que essas alterações possam ter influência na perda de transparência do cristalino, que leva à catarata. Os resultados do trabalho contribuirão com o futuro desenvolvimento de antioxidantes para prevenir ou retardar o aparecimento de problemas de visão.

A agregação de duas ou mais proteínas em ligações cruzadas é um fenômeno que ocorre em várias doenças, entre elas as neurodegenerativas, aterosclerose e catarata, por exemplo. “O objetivo do trabalho foi examinar a presença de alguns tipos de ligações cruzadas, como ligações triptofano-triptofano e triptofano-tirosina, em catarata”, afirma a professora Ohara Augusto, do IQ, que coordenou a pesquisa. “Esses tipos de ligações só tinham sido detectados apenas recentemente e somente em proteínas oxidadas em condições de laboratório, e nunca tinham sido identificados em amostras biológicas, inclusive as humanas.”

A pesquisa analisou os cristalinos (parte do globo ocular que funciona como uma espécie de lente) de três pacientes com catarata nuclear avançada, que foram classificados e operados no Departamento de Cirurgia de Catarata do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP pelos professores Amaryllis Avakian e Paulo Junqueira de Melo. “Os cristalinos foram homogeneizados, separados em proteínas solúveis e insolúveis e cada fração foi analisada pelo processo de eletroforese”, relata a professora.

As proteínas com diferentes massas moleculares foram coletadas e hidrolisadas para quebrar algumas das ligações entre elas (ligações peptídicas). “As partes resultantes dessa quebra, chamadas de peptídeos, em seguida passaram por análises de cromatografia líquida associada a espectrometria de massas”, descreve Ohara. “Essa técnica permite separar diferentes peptídeos e reconstituir as proteínas modificadas ou não, ou seja, permite visualizar quais proteínas estão modificadas, em quais resíduos e quais os tipos de modificações presentes.”

Ligações cruzadas

A etapa seguinte do estudo foi a identificação das ligações cruzadas entre proteínas por meio de ferramentas de bioinformática, que ajudam a selecionar possíveis ligações que serão confirmadas manualmente em laboratório, uma por uma. “O desafio é maior porque são milhares de análises para serem feitas e ainda não existem ferramentas específicas para detectar ligações cruzadas”, destaca a professora. “Dessa forma, a busca empregou três diferentes ferramentas e foram examinadas manualmente as ligações indicadas por pelo menos delas.”

Os pesquisadores detectaram dois tipos de ligações cruzadas (triptofano-triptofano e triptofano-tirosina) nos cristalinos analisados. “As proteínas que formam o cristalino humano permanecem as mesmas durante toda a vida e estão sujeitas a inúmeras modificações oxidativas, muitas já identificadas e que aumentam com a catarata, mas não se sabe quais delas são mais importantes para levar à opacidade do cristalino, ou seja, à ocorrência de catarata”, aponta Ohara. “Uma hipótese para explicar se existe essa relação é o fato de o triptofano ser muito sensível à luz solar, favorecendo a oxidação e o aparecimento de ligações cruzadas, e sabe-se que a radiação do sol influencia muito o desenvolvimento de catarata relacionada à idade.”

Durante o trabalho também foram realizados experimentos com cristalino de boi, irradiados com luz solar. “A irradiação levou à formação de agregados, como no caso da catarata, onde foram identificadas ligações cruzadas similares às identificadas em cristalinos humanos”, ressalta Ohara. “Esse é um possível indício de que essas ligações sejam importantes para o desenvolvimento da catarata, o que será objeto de novas pesquisas.”

A professora destaca que a relevância do estudo é mais científica do que clínica. “Todavia, a pesquisa abre a perspectiva de que o uso de antioxidantes como glutationa reduzida, ácido ascórbico e nitróxidos possa contribuir não só para a prevenção ou retardamento da catarata, mas também para estabelecer o mecanismo patogênico da doença”, conclui. Os resultados do trabalho são descritos no artigo Human cataractous lenses contain cross-links produced by crystallin-derived tryptophanyl and tyrosyl radicals, publicado no site da revista científica Free Radical Biology and Medicine, em 26 de agosto.

Os estudos começaram durante o doutorado de Verônica Paviani no Departamento de Bioquímica do IQ. Atualmente Verônica está fazendo pós-doutorado na Feinberg School of Medicine of Northwestern University, em Chicago (Estados Unidos). Os experimentos com cromatografia líquida e espectrometria de massa tiveram a colaboração dos professores Graziella Ronsein, co-orientadora do trabalho, e Paolo de Mascio. Também colaboraram os professores Amaryllis Avakian e Paulo Junqueira de Melo, do Departamento de Cirurgia de Catarata do HC. O Cepid Redoxoma tem o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

 


Jornal da USP