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17/08/2021
Coronavac x doenças autoimunes

acientes com doenças reumáticas autoimunes (DRA) apresentaram resposta de anticorpos moderada à Coronavac após tomarem a segunda dose da vacina, resposta essa considerada satisfatória em 70% deles. A vacina também demonstrou um bom perfil de segurança para este grupo. Essas são algumas das conclusões de um estudo prospectivo liderado pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).

Como era esperado pela própria característica da doença, seis semanas após a segunda dose houve menor taxa de soroconversão (geração de anticorpos IgG) no grupo com doença reumática (70%) em comparação com o grupo controle (95%). A pesquisa apontou ainda que a identificação de anticorpos neutralizantes – capazes de bloquear a entrada do vírus nas células, evitando a replicação viral e o adoecimento -, foi menor nos pacientes portadores de DRA. 56% deles tiveram teste positivo para estes anticorpos, contra 79% daqueles no grupo controle.

Desenho

O estudo teve como objetivo principal avaliar a imunogenicidade humoral – que é a capacidade de uma substância provocar uma resposta imune com produção de anticorpos pelo paciente. Também se buscou contribuir com mais dados sobre a segurança da vacina no grupo estudado.

Os voluntários (910 portadores de doenças reumáticas autoimunes e 182 adultos saudáveis, com idade e sexo pareados) receberam as duas doses da vacina em um intervalo de 28 dias e foram acompanhados por 80 dias por meio de atendimentos presenciais, telefone, mensagens instantânea e e-mail.

Trabalhos anteriores que investigaram a eficácia de vacinas de RNA mensageiro (como das da Pfizer e da Moderna) contra a covid-19 em pacientes com DRA mostraram respostas ligeiramente reduzidas, mas foram os resultados foram limitados pela ausência de um grupo controle e pelo pequeno número de pacientes com DRA. Além disso, a produção de anticorpos neutralizantes não foi necessariamente avaliada.

De acordo com Eloísa Bonfá, médica reumatologista e professora de do Departamento de Clínica Médica da FMUSP, pacientes imunocomprometidos estão mais propensos a desenvolverem doenças infecciosas devido à desregulação imunológica e aos regimes de tratamento para as respectivas doenças. “Por esses motivos, a gente espera uma ação reduzida da vacina”, explica ao Jornal da USP. “Quando iniciamos o trabalho, nosso intuito era investigar que tipo de dano essa menor proteção poderia causar.”

Perfil dos voluntários

Os grupos DRA e controle tinham idades semelhantes (51 e 50 anos, respectivamente) e as mulheres eram a maioria (77%) nos dois grupos. A população de pacientes com doenças reumáticas autoimunes representava oito doenças sistêmicas, tais como artrite reumatoide, lúpus, esclerose sistêmica, miopatias inflamatórias idiopáticas, entre outras.

Um total de 348 pacientes com DRA faziam tratamento contínuo com prednisona e 573 usavam drogas imunossupressoras (como metrotexato e leflunomida, entre outras). Além disso, 321 deles estavam sendo tratados com terapias biológicas: 15% usavam inibidores do fator de necrose tumoral (TNFi) e o restante utilizava outros tipos de drogas.

As análises realizadas 28 dias após a aplicação da primeira dose mostra que uma minoria de participantes desenvolveu anticorpos do tipo IgG em ambos os grupos logo após a primeira dose (19% em pacientes com DRA e 35% nos controles). “Com a aplicação da segunda dose esse número praticamente triplica, ou seja, chega a 70% nos pacientes com DRA e a 95% no grupo controle”, ressalta Ana Ribeiro, assistente da disciplina da reumatologia da FMUSP e primeira autora do estudo. “Isso mostra a importância da segunda dose para garantir uma proteção.”

Em relação à produção de anticorpos neutralizantes, ela diz que “existe uma diferença entre os grupos, mas a resposta imunológica induzida pela vacina consegue bloquear a ligação do vírus na célula um pouco mais que 30%, que é o mínimo aceitável pela literatura, na maioria.”

Quanto aos efeitos adversos relacionados à vacina, a maioria foram leves. Os efeitos colaterais mais frequentes relatados depois da primeira dose nos dois grupos foram dor no braço, sonolência e dor de cabeça. Reações gerais foram apontadas com mais frequência em pacientes com DRA, incluindo artralgia (dor nas articulações), dor nas costas, mal estar, náusea e sudorese. Depois da segunda dose, os portadores de doenças reumáticas relataram menos coceira no local da aplicação e mais suor.

Dor de cabeça é um dos efeitos colaterais mais comuns após a aplicação da Coronavac 

Eloísa alerta que pacientes imunossuprimidos também têm mais dificuldade de eliminar vírus do organismo, o que pode facilitar mutações e, consequentemente, o  aparecimento de novas variantes. “Nessas pessoas que o sars-cov-2 tem a oportunidade de viver mais tempo, se multiplicar e criar outras cepas”, diz. “Cuidar desse grupo é beneficiar não só eles, mas a população como um todo.”

Próximos passos

Alguns voluntários (30% dos portadores de doenças reumáticas) não alcançaram uma proteção satisfatória contra o sars-cov-2. Esse número ficou em torno de 5% em pacientes saudáveis. De acordo com as pesquisadoras, isso acontece geralmente em pacientes idosos. “Sabemos também que o uso de alguns remédios prejudicam uma melhor resposta do organismo ao patógeno”, explica Ana Ribeiro.

Entre as drogas imunossupressoras, o metotrexato e o micofenolato de mofetila tiveram um impacto negativo sobre a imunogenicidade. Já o abatacepte e o rituximabe causaram mais danos naqueles tratados com produtos biológicos.

Eloísa contou ao Jornal da USP que essa pesquisa abriu várias frentes de trabalho. “Em uma delas, vamos estudar a especificidade de cada patologia pois, apesar de elas formarem um grande grupo, cada doença pode causar melhor ou pior resposta a vacinas.”

Em novembro deste ano, os pesquisadores pretendem realizar um novo mutirão para testar novamente a sorologia dos voluntários, além de fazer uma vigilância epidemiológica com o objetivo de investigar novos casos de covid-19 nessa população. “Se isso acontecer, podemos pensar em diferentes estratégias de tratamento, como um reforço rápido ou mesmo a aplicação de uma terceira dose da Coronavac”, conclui a médica.

Um artigo com mais detalhes da pesquisa foi publicado na revista Nature Medicine.

Mais informações: e-mail [email protected], com Eloisa Bonfá


Jornal da Usp