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08/07/2020
Estação Ferroviária de Caieiras e seu Boulevard

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Estação de Caieiras, 2020. Ao alto, à esquerda, o viaduto construído na década passada. Em primeiro plano, as construções do Boulevard Caieiras. Em destaque, em rosa, o que se consegue avistar hoje da estação ferroviária

Os recentes debates que se formaram acerca da construção do Boulevard Caieiras nos arredores da estação ferroviária desta cidade nos motivaram a desenvolver este artigo.

Construído pela Prefeitura Municipal, o empreendimento tem instigado uma acalorada discussão sobre sua existência em tal localização. São opiniões expressas por meio de vídeos, textos, comunicações em redes sociais que se dividem entre aqueles defendem com afinco a empreita e os que a consideram uma aberração arquitetônica. Trata-se de um conjunto formado por cerca de vinte e dois boxes, dispostos dois a dois em pequenas construções que mimetizam as antigas casas operárias das Vilas da Companhia Melhoramentos. Os edifícios são construídos em placas de concreto pré-fabricado, revestidos e cobertos com tijolos e telhas de barro e destinam-se à acomodação dos comerciantes locais. A questão que se pretende discutir referente a tal obra é a relação que esta estabelece com a cidade e a respeitabilidade ao patrimônio histórico e arquitetônico de Caieiras.

Há aproximadamente quinze anos iniciamos nossos estudos sobre preservação do patrimônio arquitetônico local e bens de relevância histórica. Este tema constituiu parte significativa de nossos trabalhos acadêmicos. Esta predileção deu-se, em partes, devido ao reconhecimento da importância arquitetônica dos edifícios remanescentes dos séculos XIX e XX e devido ao carinho e apreciação que, como moradores, aprendemos a cultivar pelo local. Porém, resultou também dos descuidos no trato dos remanescentes observados durante os mais de vinte anos que permanecemos na cidade.

Nossa intenção sempre foi “jogar luz” sobre a rica herança da era industrial brasileira que permanecia na cidade, ainda que já bastante modificada. Tínhamos como objetivo, por meio de nossos trabalhos, conseguir espalhar a “semente da preservação” entre os poderes locais e população, disseminar o gosto e o apreço pela construção histórica, sobretudo naquele ainda começo de século XXI, século este que prometia colocar Caieiras na “crista da onda” no que se referia ao desenvolvimento e crescimento. Promessa cumprida! Caieiras passou de pequena e pacata cidade que se desenvolveu em função da Companhia Melhoramentos para esta atual que esboça feições de cidade média, com o despontar de um maior número de indústrias e serviços especializados. E neste contexto, como tratar as construções antigas? Como relacionar crescimento, desenvolvimento e patrimônio? Foi a partir desta vertente que nossos trabalhos tomaram fôlego.

Em 2011, discorremos sobre as demolições em massa dos edifícios remanescentes da Companhia Melhoramentos que ocorreram de forma acentuada a partir da década de 1980, edifícios estes que representavam o caieirense operário em seus modos de vida, suas habitações e seu trabalho. Nesta mesma publicação, chamamos a atenção para uma nova fase de intervenções que avançava pelos anos 2000, com foco na construção de um viaduto que oprimia o prédio da estação ferroviária que naquela época estava em processo de tombamento, prestes a ser concluído4. Não nos posicionávamos contra a existência do viaduto, mas contra a maneira como foi concebido pelo governo estadual, sem que se considerasse a relevância da estação enquanto exemplar representativo da arquitetura ferroviária paulista prestes a ser tombado.

Agora, voltamos com o mesmo tema para discutirmos o Boulevard Caieiras, enquanto obra edificada no entorno da estação, já tombada pelo Condephaat. Assim como na questão do viaduto, nada temos contra as obras públicas realizadas pelas autoridades caieirenses e que, sem dúvida, acreditamos terem as melhores das intenções, servindo aos propósitos de atender àqueles que necessitam ganhar o pão de cada dia. Mas não se trata apenas de utilidade, pois como diria um certo filósofo, a objetividade, por vezes, denuncia-se como falta de bom senso.

As questões sobre o Boulevard, portanto, são: o que pretendiam seus idealizadores ao projetarem algo tão devastador à paisagem cultural caieirense? Por que não recorreram aos estudos sobre o patrimônio da cidade para, então, elaborarem um plano que atendesse a história de um dos seus símbolos mais representativos? Por que a insistência em depredar o passado, já que este se constitui importante referência que traz à memória a identidade do caieirense? Por que esse anseio em desfigurar o conteúdo antropológico de um povo, deixando atrás de si um rastro de equívocos que, por fim, nada restará à lembrança daqueles que viveram e presenciaram o surgimento de uma cidade?

Se a estação de Caieiras, reconhecida e tombada em esfera estadual como bem significativo e representativo da história paulista, recebeu este tratamento, o que podemos esperar para os fornos de cal, Capela São José, Igreja do Rosário, oficinas, armazém e grupo escolar, que embora sejam de extrema relevância para a compreensão da formação da cidade, não obtiveram tombamento?

É certo que tudo passa e nada dura para sempre. O mundo é feito de mudanças. Mas deixamos aqui a última indagação, que deveria servir de reflexão para as próximas obras públicas que pretendem aniquilar, com a brutalidade de um trator, o passado de Caieiras: será que tudo vale à pena, apenas por questões políticas e econômicas? Coincidência ou não, presenciamos um momento onde política e economia "matam mais que bala de revólver".

Aos cidadãos caieirenses e àqueles que aprenderam a amar essa bela cidade, ficam nosso protesto e pesar; mas com a esperança de que as autoridades recobrarão o bom senso e, deixando de lado a vaidade, farão o bem que tem que ser feito.

Autores:

Vanice Jeronymo

Doutora em Ciências, no programa de Arquitetura e Urbanismo. Área de Concentração: Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo pelo IAU-USP - São Carlos (2016) . Mestrado pelo IAU-USP - São Carlos (2011), área de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo. Especialista em Patrimônio Arquitetônico: Preservação e Restauro pela Universidade Cruzeiro do Sul (2006) e graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Braz Cubas (1993).

Marcelo Augusti

Mestre em Ciência da Motricidade, UNESP-Rio Claro (2014). Graduado em Educação Física, ESEF-Jundiaí (1997).

Fontes:

JERONYMO, Vanice. Caieiras: núcleo fabril e preservação. Dissertação (Mestrado) - IAU-USP, São Carlos, 2011.

 Escrito entre os anos de 2009 e 2010 e publicado em 2011.

 MAZZOCO, Maria Inês Dias. SANTOS, Cecília Rodrigues dos. De Santos à Jundiaí: nos trilhos do café com a São Paulo Railway. São Paulo: Magma Editora Cultural, 2005.



JAS