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19/07/2019
Pirâmides financeiras, novos golpes

Estadão detona os novos golpes

Novas pirâmides prometem lucro de até 50% com investimentos em bitcoin . Com a ajuda de um grupo anônimo de hackers, autoridades investigam ao menos sete empresas de investimentos clandestinos e que atraem, pelo menos, 4 milhões de pessoas

Depois da engorda de bois que não nasceram nas Fazendas Reunidas Boi Gordo e dos telefones da Telexfree que não davam linha, uma nova onda de investimentos suspeitos de prática de pirâmide financeira cresce pelo Brasil. Os supostos esquemas, agora, envolvem as moedas virtuais, ou criptomoedas, como o bitcoin. As empresas prometem ganhos de até 50% ao mês sobre o capital aportado pelos investidores.

Essas empresas estão sob a mira do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e da Procuradoria da Fazenda Nacional. Nos últimos meses, as autoridades fecham o cerco sobre esses grupos que, segundo a polícia, apresentam-se disfarçados de empresas de investimentos. Supervisionado por essas autoridades, um grupo anônimo de hackers formado por integrantes do mercado de criptomoedas identificou mais de 50 empresas do gênero em atividade pelo Brasil no momento.

As autoridades estimam que esses negócios movimentam algumas dezenas de bilhões de reais e que tenham arregimentado, pelo menos, 4 milhões de pessoas. Apenas uma dessas empresas,contava, segundo a própria empresa, com quase 2 milhões de investidores no final de junho.

De acordo com as autoridades, o alto crescimento desses negócios está no fato de que eles realmente pagam aquilo que prometem no início aos participantes. O dinheiro para os saques seria proveniente dos novos aportes, realizados pelo crescimento da base de clientes, e não resultado dos investimentos que eles dizem realizar.

Para se ter uma ideia, enquanto uma aplicação de renda fixa como um CDB emitido por uma banco de grande porte rende entre 5% e 6% ao ano, as empresas que operam nesse modelo divulgam lucros de 20%, 30% e até 50% ao mês sobre o capital investido.

E, para pagar esse “lucro”, as autoridades dizem que as empresas precisam aumentar sua base de participantes pelo menos de forma proporcional. “Uma empresa que diz pagar 15% de juros ao mês, precisa aumentar sua base de vítimas em pelos menos 15% ao mês”, explica Guilherme Helder, delegado da Polícia Federal do Espírito Santo, que investiga algumas dessas empresas.

Como justificativa para esses rendimentos turbinados, as empresas divulgam vídeos e fazem encontros presenciais com possíveis interessados. Nelas, recorrem ao histórico de oscilação do bitcoin, moeda virtual que, no final de 2017, alcançou uma valorização de quase 1.000% em um ano, chegando a US$ 20 mil - para desabar na sequência e nunca mais recuperar esse patamar.

Especialistas, contudo, duvidam da técnica. Segundo eles, apesar de lucrativa, essa arbitragem não é garantia de sucesso há pelo menos dois anos e, mesmo no passado, sempre dependeu de fatores externos ao interesse do operador para ser bem-sucedida.

Hackers e autoridades

Das sete empresas identificadas, uma se tornou alvo de uma operação da Polícia Federal, no dia 21 de maio, outra foi denunciada pelo Ministério Público no começo de junho, e outras duas deixaram de operar, concluindo o golpe, na opinião dos investigadores. Em pelo menos um desses casos, o fim da operação acabou em caso de polícia. Furiosos, os investidores invadiram a sede do empreendimento na cidade de Rondonópolis, em Mato Grosso, depredaram as instalações e agrediram funcionários.

“A volatilidade das criptomoedas por si só já demonstra que o sistema de rentabilidade fixa nesses modelos de empresas é uma bola de neve em que uma hora novos investidores estarão na verdade remunerando a rentabilidade dos anteriores, o que caracteriza o modelo piramidal, conhecido pelo mercado como esquema de ponzi”, diz a Procuradora da Fazenda Ana Paula Bez Batti.

Segundo ela, a falta de regulamentação do mercado de criptomoedas, onde não há sequer a obrigatoriedade de identificação no momento da abertura de um cadastro nas corretoras especializadas, leva muitas empresas que ela reputa de má-fé a ocultar o registro de seus domínios na internet. “E sumirem com o dinheiro de seus clientes, dificultando para as autoridades identificar os atores dessas fraudes”, conta.

De acordo com um empresário do ramo, também investigado por esquema de pirâmide e que conversou sob a condição de anonimato, os investimentos clandestinos terminam de duas formas: abruptamente ou bem devagar. “A segunda opção é sempre a perseguida pelos estelionatários, que tentam evitar a todo o custo a versão abrupta, que sempre causa furor no mercado”, diz.

Boi gordo

Um exemplo de fim tumultuado dentro desse mercado é o da Fazendas Reunidas Boi Gordo. A empresa prometia retornos de até 42% em um ano e meio em troca de investimentos coletivos em bezerros e no processo de “engorda do gado”, mas caiu subitamente em 2004, deixando dívidas de R$ 4,2 bilhões e um rastro de 32 mil pessoas sem seus investimentos.

Dono de esquema falido de pirâmides conta detalhes do modus operandi

Segundo especialistas, o momento de encerrar um golpe do tipo é quando o negócio começa a arrecadar menos do que está pagando. Quando as retiradas são maiores do que as entradas, o dono começa a alterar os bônus pagos aos participantes. Começa com pequenas travas de saques, aumenta as taxas e, quando a coisa aperta, diminui os bônus.

“Aí, se o dono tiver sorte, as pessoas vão saindo, até que quem fica é tão pouca gente que o barulho da reclamação não é tão grande… No final, o negócio, que era um esquema, foi mudando até se tornar um negócio normal. Ninguém que entrou pelo esquema quer mais continuar nele”, destaca o ex-dono de uma pirâmide.

Fonte:

https://www.estadao.com.br/infograficos/economia,novas-piramides-prometem-lucro-de-ate-50-com-investimentos-em-bitcoin,1002597


jas