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26/08/2020
Bolhas de proteção estão segurando o covid19

“Bolhas” de proteção local podem ter freado covid-19 em São Paulo, aponta pesquisa. Existência de locais onde infectados estão rodeados de pessoas imunes e esgotamento de redes de contágio podem explicar recuo da covid-19 na capital paulista.

Estudo com participação do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo e da Faculdade de Medicina da USP mostra que diminuição do número de casos de covid-19 na cidade de São Paulo pode estar ligada à formação de bolhas de proteção local, onde infectados estão rodeados de pessoas imunes, ao mesmo tempo em que esgotaram as redes de contágio – Foto: Pixabay

Em julho, depois de quatro meses de epidemia de covid-19 na cidade de São Paulo, teve início uma fase de relaxamento das medidas de distanciamento social, trazendo o temor de piora da situação. No entanto, o que aconteceu foi uma redução do número de casos, mortes e de ocupação de leitos. Para entender essa situação, uma pesquisa com participação do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (IMTSP) e da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) usou um modelo que simula a disseminação da doença a partir dos números oficiais de distanciamento social. O estudo, publicado como pré-print (versão prévia de artigo científico, sujeita a verificação), concluiu que a diminuição pode ser causada pela formação de bolhas de proteção local, onde os infectados estão rodeados de pessoas imunes, ao mesmo tempo em que se esgotam as redes de contágio.

A pesquisa usou um modelo desenvolvido pelo Ação Covid-19, um grupo interdisciplinar que estuda como a desigualdade afeta a evolução da pandemia no Brasil, reunindo pesquisadores da Universidade Federal do ABC (UFABC) e de outras instituições. O modelo combina o cronograma oficial da taxa de distanciamento social divulgado pelo governo do Estado de São Paulo com a hipótese de redução da taxa de distanciamento social para 20% em média em 100 dias, a partir de 12 de julho.

“A curva epidêmica média após 238 dias de simulação, contados desde o primeiro caso da doença, registrado em 25 de fevereiro, mostra uma taxa de 12,71% de infectados e 0,12% de mortes, ou seja, 0,9% de letalidade”, afirma Gerusa Maria Figueiredo, pesquisadora do IMTSP, que participou do trabalho. “A simulação mostra a curva de transmissão diminuindo, mesmo com uma redução drástica do isolamento social, com um aumento leve e temporário a partir do 150º dia.”

De acordo com a pesquisadora, o resultado parece contraditório ao levar em conta que devido à baixa taxa de imunidade, a imunidade de rebanho está distante. “Por isso foi levantada a hipótese do surgimento de bolhas locais de proteção na cidade. As bolhas seriam locais onde existem pessoas infectadas, mas rodeadas de pessoas já imunes, quer seja pela doença sintomática ou assintomática, e estas protegendo os suscetíveis dessa mesma região”, explica.

“As pessoas infectadas teriam dificuldade em encontrar as suscetíveis pela barreira das imunes. Assim, as bolhas reduziriam a velocidade de propagação do vírus, causando reduções curtas e temporárias na curva epidêmica, mas se manifestam como um equilíbrio instável.”

Gerusa aponta que uma explicação adicional para a redução do contágio é o esgotamento da rede de infecção. “Isso ocorre quando o vírus está presente em uma parte da população por um período relativamente longo, nesse caso, de 138 dias desde o primeiro caso registrado. Um número substancial de infectados não encontra muitas pessoas suscetíveis no ambiente para infectar durante o período de transmissão, o que seria suficiente, a princípio, para diminuir a taxa de transmissão”, aponta. “Esses resultados podem ser encontrados em outras situações, como as de Manaus e Estocolmo, que também tiveram queda de casos após relaxamento das políticas de distanciamento social.”

Bolhas de proteção

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Dado o baixo número de pessoas imunes no município de São Paulo apresentado pelos inquéritos sorológicos, essa redução representa um equilíbrio instável, que é fundamentalmente diferente da estabilidade esperada da imunidade de rebanho, observa a pesquisadora. “Essas bolhas de proteção podem estourar ou as redes podem ser reiniciadas, ou seja, novas ondas de transmissão podem ocorrer se o distanciamento social cair muito ou houver uma reintrodução do vírus em regiões da cidade onde poucas pessoas foram infectadas e, portanto, não se tornaram imunes à doença”, alerta. “Prever essas ‘bolhas estouradas’ é difícil, mas não é um fato improvável.”

“O risco de rompimento das bolhas poderia ser bastante reduzido com políticas de testes em massa ou com a combinação de testes seletivos e rastreamento de contato”, ressalta Gerusa. “No momento, onde perdeu-se a chance de lockdown, a testagem de casos pouco sintomáticos e o rastreamento de contatos com realização de testes RT-PCR seria uma estratégia razoavelmente eficaz na redução da cadeia de transmissão”, afirma. “Infelizmente, além do número total de testes realizados, não se sabe como esta estratégia está sendo efetivada nos territórios cobertos pela atenção básica, comprometendo o trabalho da Vigilância Epidemiológica. Uma estratégia de comunicação clara para a população, com mensagens não contraditórias, também é de suma importância.”

Esgotamento das redes de infecção acontece quando um grande número de infectados não encontra muitas pessoas suscetíveis para infectar durante período de transmissão, o que pode reduzir taxa de contágio – Arte: Moises Dorado sobre imagens Flaticon

A pesquisadora observa que, embora o modelo seja adequado para abordar heterogeneidades dentro da cidade (diferenças nas vulnerabilidades dos bairros, por exemplo), a pesquisa considerou a cidade como uma unidade homogênea. “Para contemplar a heterogeneidade, seria necessário construir um modelo mais complexo com diferentes ambientes interconectados.”

As conclusões da pesquisa são detalhadas no artigo Local protection bubbles: an interpretation of the decrease in the velocity of coronavirus’s spread in the city of Sao Paulo publicado no site Medrxiv.

A pesquisa foi coordenada por José Paulo Guedes Pinto, da Universidade Federal do ABC, em São Bernardo do Campo (Grande São Paulo). O trabalho teve a participação de Patrícia Camargo Magalhães, da Universidade de Bristol (Reino Unido), Gerusa Figueiredo, da FMUSP, Domingos Alves, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP e Diana Maritza Segura-Angel, da Escola de Aviação do Exército, em Bogotá (Colômbia).

Mais informações: e-mail [email protected], com Gerusa Figueiredo

 

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Jornal da USP