09/05/2012
Padre Frederico

“Meos carríssimos ermaos”! Assim começava o sermão do pároco da minha cidade. Alemão de nascimento, chegou ao Brasil ainda jovem, logo depois de concluir o seminário na Bavária. Mesmo morando há mais de cinquenta anos no país, nunca aprendeu falar nosso português com clareza e sem sotaque.
Homem de conduta ilibada, reservado por natureza, bem ao gosto de uma comunidade cristã e conservadora, onde predominava a origem italiana.
Quase sempre de batina e um chapéu preto, de pelos de castor, desfilava com elegância pelas ruas da pequena cidade, talvez para medir sua popularidade, uma vez que sua simpatia deixava a desejar. A italianada temente a Deus o respeitava como um digno representante de Cristo na terra. Ficávamos tão maravilhados com sua presença, que por pouco não fui ser um deles, não por vocação, mas com certeza para fugir do cabo da enxada e da vida dura da roça.
Aos domingos a missa era disputadíssima. Carroças, charretes, cavalos, bicicletas e pouquíssimos carros estacionavam em frente à igreja, vindos de todos os lados, principalmente das fazendas. Os sinos dobravam por longos cinco minutos, anunciando que estava próximo da missa começar.
Para os fiéis a missa era um importante acontecimento. Todos se esmeravam no traje usando sempre a melhor roupa que tinham. Claro, dentro da simplicidade da época e da posse de cada um.
Naquele tempo, se quiséssemos ter nossos pecados perdoados, tínhamos que nos confessar ao padre antes de recebermos a comunhão. Tarefa esta que muito nos constrangia apesar de não vermos o rosto do pároco. Somente sua voz e as penitências passadas para serem cumpridas. Saíamos do confessionário de alma lavada, até cometermos o próximo pecado.
Comungávamos em jejum, e esta era a orientação. Causava-nos calafrios saber da existência do inferno e de seu dono – o Lúcifer!
Padre Frederico era um puritano de mão cheia e raras eram as vezes que não se postava na porta da igreja, antes da missa começar, para conferir o quão discretos estavam os trajes femininos. Saias curtas e decotes nem pensar! Eram barradas ou obrigadas a usar uma capinha de cetim, que mantinha por prevenção, no caso de ombros de fora.
Dia de procissão era um saco! Além de longas e cansativas, as músicas entoadas eram repetidas diversas vezes. O tal do “bendito louvado seja é o santíssimo sacramento”... impregnou em minha memória até hoje.
Na Sexta - Feira Santa, havia a adoração ao Nosso Senhor Morto, sempre com a igreja lotada, mas antes assistíamos no cine Rosário o filme – A Paixão de Cristo. Padre Frederico morreu com mais de oitenta anos, e nos deixou um legado de retidão de caráter e dedicação. Sua pontualidade, firmeza e discrição foram preponderantes para que conseguisse permanecer por mais de cinqüenta anos à frente de nossa paróquia. Com certeza São Pedro o recebeu de braços abertos, sem saber do grande trabalho que teria para domar sua teimosia germânica.
E VIVA O PADRE FREDERICO!
[email protected]


Osvaldo Piccinin

Leia outras matérias desta seção
 » Situações indesejáveis .
 » A lição do pato .
 » Maldita ganância
 » Tonico e Tinoco Inesquecíveis
 » Maria Fumaça
 » REI ROBERTO CARLOS
 » Um navio de saudade
 » No escurinho do cinema
 » Tributo á primavera
 » Serenata do adeus
 » Que belíssimo exemplo
 » Papai noel esqueceu de mim
 » O domador de burro xucro
 » Nerso meu primo sabido
 » Mané cebola
 » Jabuticabeiras centenárias
 » Exame de próstata
 » Dor da saudade
 » Clima de velório
 » Bar do trinta
 » Atílio barbeiro
 » Alegria de pobre
 » Velho meu querido velho
 » Torrador de café
 » Rugas do tempo
 » Quando floresce o flamboyant
 » Paiol de milho
 » O dia em que saí de casa .
 » Na soleira da porta
 » Maldita ganância
 » Inveja do morto
 » Estrada boiadeira
 » Dito sorveteiro
 » Casamento na roça
 » Banho de rio
 » Atendimento preferencial
 » Álbum de fotografia
 » Velha porteira
 » Titão sapateiro
 » Rica infância
 » Poeira do laço
 » Padre Frederico
 » No silêncio
 » Mula formosa
 » Lobo
 » Histórias de meu avô
 » Estilingue
 » Dia de finados .
 » Carro de boi !!!!
 » Banho de bacia !!!
 » Assassinos do parque .
 » A espingarda que meu pai me deu ...
 » Usina Tamoio ....
 » Telefonando para o céu
 » Relógio cuco
 » Peão de rodeio
 » O vício de fumar
 » Meu primeiro emprego- Parte 2
 » Lamparina à querosene
 » Fogão de lenha
 » Estação de trem
 » De médico e louco , todo mundo tem um pouco !!!!
 » Cadeira de balanço.
 » Avenida São João
 » Ando devagar pq já tive pressa ....
 » A canção que prometi
 » Situações indesejáveis ...
 » Raízes da terra
 » Parque Pedro Pedrossian
 » O primeiro emprego - Parte 1
 » Ninho vazio
 » Maria alemoa
 » Lacuna de saudade - Luiz Henrique Anelo
 » Fibra de peão
 » Engenho de pinga ...
 » Culpa do viagra
 » Caçada de onça .
 » A varanda da fazenda limão doce !!!!!
 » A morte como ela é ....
 » A angústia da espera ....

Voltar