09/05/2012
Inveja do morto

Que coisa macabra! Sentir inveja do defunto!  Francamente! Pois é, meu amigo depois da quarta cerveja, no auge de seu entusiasmo, veio com essa. Contou-me que um senhor, seu conhecido, era tão querido na cidade, mas tão querido, que, quando morreu, acompanharam seu féretro mais de dez mil pessoas entre familiares, conhecidos e curiosos.
Ao lembrá-lo que nesta cidade não tinha mais de cinco mil habitantes, respondeu na lata: - A maioria era das cidades vizinhas e das fazendas da redondeza, tche!  Foi neste momento que fiquei morrendo de inveja do falecido.  Sinceramente, interpelei: - Com uma torcida dessa dá até vontade de morrer!
- Tratava-se de alguma pessoa importante? – Apenas um empresário muito rico, mas miserável que dava dó, respondeu-me o amigo.  - Com certeza será o morto mais rico do cemitério, retruquei em tom jocoso.  Grande coisa, como dizia o nono italiano. Foi aí então que...
Pensei montar um crematório, por não suportar a idéia de ser velado passando o constrangimento de ficar naquela posição cadavérica, num caixão apertado, entupido de margaridas, sendo observado por amigos parentes e curiosos como um frango num balcão de açougue.
Fui voto vencido, não houve unanimidade entre os sócios e o projeto do crematório cancelado. Um dos sócios foi taxativo: - Me inclua fora dessa. Este é um negócio macabro. - Já pensou cremar entes queridos dos amigos e ainda cobrar? - E daí, perguntei? Qual o problema?
Temos três alternativas depois de secarmos o talo: ou enterramos – é o menos ecologicamente correto - ou deixamos à própria sorte, no tempo, para os vermes e urubus se refestelarem, ou cremarmos – ato rápido, higiênico e bem mais barato que o tradicional sepultamento. Até a propaganda para alavancar a queimação eu já havia bolado, e, seria mais ou menos assim o nome - Cinzas da Saudade!
Campanha no radio com depoimento de gente que cremou seus mortos. Campanhas de cumprimento de metas entre os vendedores sorteando uma passagem com acompanhante para a Terra do Fogo. Sorteios oferecendo uma cremada para quem morresse no primeiro ou último dia do mês ou no dia do aniversário. Que tal uma campanha do tipo: creme agora e só comece a pagar no ano vem?
  Que tal um consórcio, onde o sujeito começa a pagar bem antes de apagar?  Se o sortudo for contemplado, antes de morrer, ele repassa para um amigo ou sogra ou alguém que foi antes do combinado.
  Pensei numa promoção do tipo: Creme dois e pague um. Minha chamada seria: Não deixe que o diabo lhe carregue, queime antes seu corpinho.
Outra sugestão tentadora: queime sua sogra conosco e ganhe um porta cinza de prata personalizado e cravejado de brilhantes.  Faríamos outdoors com os dizeres: se você ama de fato sua esposa ou sogra creme-as, principalmente se jararacas foram em vida.  Este primeiro contato, com o fogo, serviria de estágio e adaptação para o passo seguinte. –Quem sabe?
Mais uma sugestão: dar liberdade ao cliente de levar sua própria lenha, ou outro 
combustível  de sua preferência. Com certeza iríamos ter um grande leque de sugestões. Posso imaginar algumas delas, tais como: uísque trinta anos para os mais abonados, querosene de avião para os pilotos fanáticos, óleo de soja para os sojicultores, pétalas de rosas para os delicados, dinheiro de propina para os corruptos e assim por diante.
Morte é coisa séria amigo, acaba com a vida da gente! Não podemos nos esquecer que temos apenas uma chance de morrer. Esse negócio de sete vidas só quem as tem são os gatos.  Por isso mesmo, temos que adiar o máximo possível o encontro com essa “marvada” e sermos cremados ou enterrados em grande estilo.
Como será inevitável, prefiro um cerimonial num crematório chique ao som de música clássica, bolero ou sertaneja das antigas. Não poderão faltar rodadas de champanhes, bons vinhos e, sem dúvida, uma boa cachaça para os mais chegados.
Quando vejo os pedreiros cimentando a pesada lage de concreto, dando a impressão que não é para nos atrevermos a ressuscitar de jeito nenhum, além daquele “mundarel” de gente jogando terra no infeliz e indefeso ex-vivente, confesso: sinto uma tremenda falta de ar!
E VIVA SEI LÁ O QUE, TÔ FORA MEU!
[email protected]


Osvaldo Piccinin

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