03/12/2013
Pai de meu Pai


PAI DE MEU PAI 
Há uma quebra na história familiar onde as idades se acumulam e se sobrepõem e a ordem natural não tem sentido: é quando o filho se torna pai de seu pai.
É quando o pai envelhece e começa a trotear como se estivesse dentro de uma névoa. Lento, devagar, impreciso.
É quando aquele pai que segurava com força nossa mão já não tem como se levantar sozinho. É quando aquele pai, outrora firme e instransponível, enfraquece de vez e demora o dobro da respiração para sair de seu lugar.
É quando aquele pai, que antigamente mandava e ordenava, hoje só suspira, só geme, só procura onde é a porta e onde é a janela – tudo é corredor, tudo é longe.
É quando aquele pai, antes disposto e trabalhador, fracassa ao tirar sua própria roupa e não lembrará de seus remédios.
E nós, como filhos, não faremos outra coisa senão trocar de papel e aceitar que somos responsáveis por aquela vida. Aquela vida que nos gerou depende de nossa vida para morrer em paz.
Todo filho é pai da morte de seu pai.
Ou, quem sabe, a velhice do pai e da mãe seja curiosamente nossa última gravidez. Nosso último ensinamento. Fase para devolver os cuidados que nos foram confiados ao longo de décadas, de retribuir o amor com a amizade da escolta.
E assim como mudamos a casa para atender nossos bebês, tapando tomadas e colocando cercadinhos, vamos alterar a rotina dos móveis para criar os nossos pais.
Uma das primeiras transformações acontece no banheiro.
Seremos pais de nossos pais na hora de pôr uma barra no box do chuveiro.
A barra é emblemática. A barra é simbólica. A barra é inaugurar um cotovelo das águas.
Porque o chuveiro, simples e refrescante, agora é um temporal para os pés idosos de nossos protetores. Não podemos abandoná-los em nenhum momento, inventaremos nossos braços nas paredes.
A casa de quem cuida dos pais tem braços dos filhos pelas paredes. Nossos braços estarão espalhados, sob a forma de corrimões.
Pois envelhecer é andar de mãos dadas com os objetos, envelhecer é subir escada mesmo sem degraus.
Seremos estranhos em nossa residência. Observaremos cada detalhe com pavor e desconhecimento, com dúvida e preocupação. Seremos arquitetos, decoradores, engenheiros frustrados. Como não previmos que os pais adoecem e precisariam da gente?
Nos arrependeremos dos sofás, das estátuas e do acesso caracol, nos arrependeremos de cada obstáculo e tapete.
E feliz do filho que é pai de seu pai antes da morte, e triste do filho que aparece somente no enterro e não se despede um pouco por dia.
Meu amigo Zé acompanhou o pai até seus derradeiros minutos. No hospital, a enfermeira fazia a manobra da cama para a maca, buscando repor os lençóis, quando Zé gritou de sua cadeira:
– Deixa que eu ajudo.
Reuniu suas forças e pegou pela primeira vez seu pai no colo.
Colocou o rosto de seu pai contra seu peito.
Ajeitou em seus ombros o pai consumido pelo câncer: pequeno, enrugado, frágil, tremendo.
Ficou segurando um bom tempo, um tempo equivalente à sua infância, um tempo equivalente à sua adolescência, um bom tempo, um tempo interminável.
Embalou o pai de um lado para o outro.
Aninhou o pai.
Acalmou o pai.
E apenas dizia, sussurrado:
– Estou aqui, estou aqui, pai!
O que um pai quer apenas ouvir no fim de sua vida é que seu filho está ali. 

JORNAL ZERO HORA       



Leia outras matérias desta seção
 » O neto...
 » O inverno - de Caieiras a Paris...
 » Os livros da Editora Vagalumes
 » O sopro da vida
 » À Família
 » Marchinhas antigas de carnaval proibidas
 » Bonjour Caieiras
 »     E agora, manés e brucutus? 
 » O singelo ato de viver
 » Memória Seletiva Atemporal
 » O protagonismo dos coadjuvantes
 » A realidade racional óbvia e desconcertante
 » As métricas
 » Eles e elas votam
 » WhatsApp dois golpes comuns
 » Como teoria da relatividade de Einstein calibra GPS
 » As mãos do meu Avô
 » Deixamos tudo para depois
 » Fronteiras do Pensamento - Covid19- Jared Diamond
 » O Anjo protetor de cada signo
 » Queridos formandos burros
 » Nem a morte nos separa
 » A mentira global
 » Confidência virtual
 » Séries o novo comportamento social
 » Depois
 » Febeapá - Festival de Besteiras que Assola o País
 » PIX nem começou e já faz vítimas
 » Juquery está presente na 11ª Bienal de Berlim
 » A boneca de crochê, réquiem para os homens
 » Tsunamis, o poder destrutivo
 » O Abismo - Livro Espírita
 » Expressões e provérbios-casa da mãe joana
 » Proibido peidar em avião, hilário porém verdadeiro
 » Filhos da CUT e filhos do Brasil
 » Leis de Murphy (repaginadas)
 » Estado Islâmico queria explodir o Cristo Redentor no Rio
 » Para - choque de caminhão
 » Cristóvão Colombo era solteiro
 » Gaúcho bom de beijo
 » Frases de sabedoria
 » Vôo MH370 Ficção???? Criatividade???? Novo filme do 007 ????
 » O rabo abanando o cachorro
 » Rir é o melhor remédio
 » Nunca provoque pessoas inteligentes
 » Racismo à brasileira
 » Dicas para fazer sexo na 3ª idade
 » Batom no espelho do banheiro
 » Pérolas da 3ª idade
 » Juiz esperto....
 » Pai de meu Pai
 » O Cético e o Lúcido
 » Carta ao inquilino
 » Cuidado com o bolsa família
 » Parece piada, mas não é!
 » Vou abrir minha igreja e já volto
 » Nossos heróis da Infância
 » A origem dos burros nos governos
 » Eles e Elas votam...
 » Guia do sexo seguro (só para homens)
 » Respostas na ponta da língua
 » teste seu cérebro
 » Leis da atração
 » Brasileiro reclama de que?
 » Professores.....
 » Recepcionistas de médicos e suas indiscrições
 » Laudo Pericial sobre o "baixo fudetório) antológico
 » Diário de um homem sózinho em casa
 » Classe média, sempre tomando fumo
 » Duas galinhas
 » Filosofia pura
 » Paraiso x Inferno
 » Dilúvio a brasileira
 » O julgamento de Hitler
 » Carta aberta dos italodescendentes da Mooca
 » Escolha o adesivo para o seu carro
 » Fábulas adaptadas
 » Teatro Santana, só para maiores de 60 anos
 » Piadas quase santas...
 » Doutor, até quando ?
 » O segredo do Teorema de Pitágoras
 » Noivo educado
 » Bunda.....
 » Vestiu a carapuça?
 » Consultório sentimental
 » Sexo na 3ª Idade
 » Solidão
 » Militar é incompetente demais
 » Corrigindo velhos ditados
 » Pérolas dos tribunais
 » Quatro frases célebres
 » As vantagens da 3ª Idade
 » Os mistérios das ONGS na Amazonia
 » O silêncio dos bons
 » Niemayer e o pinico
 » Física Nuclear x Bosta nenhuma, resposta fulminante!
 » O Brasileiro reclama de que?
 » Noite de amor....
 » Politicamente correto, as insanidades
 » Como viver 90 anos
 » Desabafos de um bom marido
 » Lei de Murphy
 » Foda-se e outros desabafos
 » A rifa do burro
 » Frases de humor negro
 » Frase da semana
 » Ano 1971: Homem fumar era bonito, dar o rabo era feio. · Ano 2011: Homem fumar é feio, dar o rabo é bonito.
 » Espiritualidade x Religião
 » O defeito na mulher
 » O caso do goleiro Bruno
 » Pérolas do enem
 » O padre novato
 » Gestão estratégica
 » Cantadas originais (?)
 » Bobagens do cotidiano
 » Concurso para assessor de político
 » Como fazer uma mulher feliz
 » De repente 60
 » Hemorróidas....ria bastante mas pode acontecer com você
 » Ser Pai, difícil trajetória
 » Um dia de merda
 » Ganhei coragem
 » Email ao meu irmão!
 » O que você vai ser quando crescer, meu filho!
 » Nosso folclore II
 » Crianças de hoje
 » Diário de uma doméstica
 » É Pic, É Pic, Aniversário de São Paulo

Voltar