LULA da SILVA: pragmático ou desnudo?

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Capa: Hermano Leitão

Leitão, Hermano

LULA da SILVA: pragmático ou desnudo?/
Hermano Leitão, São Paulo, 2004.

Inclui Bibliografia.
ISBN 85-904214-2-2

1. Ensaio – Comportamento. 2. Historia - crônica.
3. Ciência Política.

“O Brasil, como os demais povos de sua categoria, não consta senão como massa inerte de manobra... A sua vida econômica não é função de fatores internos, de interesses e necessidades da população que nele habita; mas contingência da luta de monopólios e grupos financeiros internacionais concorrentes...
... a intervenção totalitária do imperialismo na economia brasileira desvirtua seu funcionamento, subordinando-a a fatores estranhos...
...As flutuações do nosso mercado financeiro resultam em geral não de conjunturas internas e próprias da economia nacional, mas de situações inteiramente estranhas...” 1976.

Caio Prado Júnior in Historia Econômica do Brasil.

Sumário



Prefácio e agradecimentos – 6 Apresentação do autor – 7 Introdução - 9

Capítulo I – A que ele assistiu?


Artes – 12 Comportamento – 24

Política – 31 Economia - 45 Mundo – 63 Conclusão - 75

Capítulo II – O que ele assistiu?

Sindicalismo – 78 Partido Político – 98 Eleições -101
Capítulo III – Com o que ele assiste hoje?

Reformas - 113

O monstro da máquina - 115

Conclusão - 116

Sobre o autor – 117 Bibliografia selecionada – 118 Índice remissivo – 119


Prefácio e agradecimentos



Este livro se baseia numa percepção generalizada de que a transformação de ideais e idéias constitui uma fonte de pesquisa para aferição de tendências e exercício comedido de futurologia. Por essa noção, a trajetória de Lula da Silva representa um experimento real para conjecturarmos sobre o futuro, além de responder em que medida a necessidade imediata se sobrepõe a utopia revolucionária. Porém, advertimos que a sistematização é precária e guiamo-nos mais por um dizer - ouvido numa sala de aula -, a respeito de onde aprendemos a matéria em baila: par tout et nule part. Divirtam-se!

Por oportuno, agradecemos aos nossos pais, Lourdes e Adauto Leitão, pela base moral e ética que nos fazem tentar canalizar a fúria de nossos sentimentos para a realização do humano; a todos os amigos, por nos estimular na trilha que escolhemos. O livro é dedicado a Matheus, Lucas, Caio, Camila, Priscila, Manuela e Breno, sobrinhos queridos, e in memorian a José Miranda de Almeida, meu querido avo.

Apresentação do autor

Sissa Hache

A história do teatro se repete como a costureira ao coser firmemente o tecido roto, que tem a obrigação de desvendar a arte dos novos diante do respeitável público. Explico. Hermano Leitão é um diretor estreante que traz no seu tecido genético o script de grandes figuras da cena teatral de todos os tempos, sem falar do berço fatídico e esplêndido no qual foi embalado. Que vestimenta será para ele melhor apropriada nesse emaranhado de estilos cênicos? De noiva é que não é, pois, desconsiderando o gosto pela teoria da libido, parece que opta pelos modelos feitos para registrar o hoje, os conceitos e preconceitos.

De Sófocles (496 ªC), alinhava o humanismo com coincidente noção da precariedade do mundo. Sir Hermano interpreta também papel feminino, mas por necessidade diversa. Em que pese não haverem semelhanças na grandiosidade da dramaturgia, tampouco no estilo clássico do maior dos gregos, o herdeiro estampa sua coragem de escrever e encenar suas próprias obras. E ainda lhe empresta o forro de ser filho de comerciante bem estabelecido.

De Shakespeare (1564-1616), desfila, guardadas as proporções das passarelas, a iniciativa de ser dramaturgo e ator de teatro. O desenvolvimento espiritual de ambos foi bordado de maneira lenta – os moldes mais usados só ficaram prontos depois dos trinta anos de idade. Dirigem uma trupe de teatro. E ainda lhe empresta a coincidência de ser filho de comerciante bem estabelecido e ter tido uma educação guiada por seu próprio espírito.

De Molière (1622-1673), calça, guardadas também as proporções do salto de Luis XIV, o sapato de dramaturgo, diretor, produtor e ator de teatro. Filho de comerciante, gosto pela comédia, estudante de Direito, suas sátiras às convenções sociais e às fragilidades da natureza humana são um retrato da sociedade da época em que vive.
De Lorca (1898-1936), copia, guardadas as cores do folclore regional de cada um, o estudo do Direito e da Literatura. Criam um grupo de jovens com a intenção de fazer teatro, para diversão e instrução dos homens.

Como se não bastasse esse tecido, a fazenda agreste é o seu berço. Por que será que o nordeste brasileiro tem uma arte tão rendeira? Hermano é cerzido até cinco anos no sertão da Paraíba. Ouviu o tilintar dos bilros durante quinze anos no Ceará. Ensaiou vestir os punhos de renda do Itamaraty nas provas e reprovas, ao longo de três anos, sem se incomodar com as cigarras de Brasília. A deselegância discreta de suas meninas não tem sido a percepção dele nos onze anos de São Paulo, nem foi um difícil começo para quem já transitava nas calçadas do Rio de Janeiro, Paris, Londres, Roma e as outras.
Para não dizerem que os manequins são apenas de confecção estrangeira, faço minha a textura apresentada por Jefferson Del Rios, na Revista Bravo, edição 76, que convida a platéia a correr os teares e saber “se Hermano Leitão anuncia um comediógrafo de fôlego com algo de novo entre Silveira Sampaio, João Bithencourt e o chamado “besteirol”.”

Talvez a vivência e a cultura pregueadas aqui e ali arrematem para Hermano Leitão o futuro dos grandes artesãos, que têm a paciência das mulheres de Atenas para tecer a estampa e a forma de sua própria arte.

Introdução

“A extrema beleza de uma mulher inibe o desejo de tê-la... Para desejá-la, precisamos esquecer que ela é bela, porque o desejo é um mergulho no coração da existência no que ela tem de mais contingente e de mais absurdo”. Jean-Paul Sartre in L imaginaire.

O mundo e os homens, conseqüentemente, não são mais os mesmos. O embate hodierno e frenético de idéias transformou conceitos e preconceitos. Em um foco simbólico-cronológico do período de 1945 a 2003, queremos indagar a natureza dessa transformação em um indivíduo em particular: Lula da Silva, não apenas porque era no passado distante o representante do radicalismo militante, mas, também, porque ascendeu ao mais alto cargo da República por meio do mais alto grau de flexibilidade política, inimaginável há vinte anos atrás. A questão: Lula da Silva, pragmático ou desnudo? Vamos ver. Poder-se-ia dizer que o motivo da indagação advém de um sentimento de deslocamento errático de quem assistiu a trajetória de um líder sindical operário ao posto de Presidente da República, cujo discurso no inicio incluía “FORA FMI”, e, depois no hoje, “vamos cumprir todos os contratos assumidos pelo Brasil”, ganha grau dez pela obediência exemplar aos ditames do velho Fundo. Nessa contemplação cronológica, os fatos emblemáticos são pinçados, para aplicar a teoria - que defendemos no livro Tratado sobre a Burrice ao alcance de todos -, de passar o homem por três fases distintas em sua vida: formação, operação e superação, por meio da qual talvez se possa dar cabo a pergunta central anunciada.
A formação (o que ele assistiu?) constitui uma reflexão sobre o volume de informações que se recebe, diante do qual o indivíduo tem poucos instrumentos disponíveis para associações e análises, que o levaria a compreensão dos fatos e capacidade de interagir conscientemente no seu meio; a segunda, da operação (a que ele assistiu?) responde se o indivíduo se forma e decide sua ação, quando completa o ciclo de informações que o habilitariam a imitar os comportamentos matizados em sua consciência, principalmente por impulso de acomodação - as atitudes seriam basicamente reflexo da formação do indivíduo, porque a maior ansiedade dele seria fazer uso das informações recebidas, por meio das quais já teria consciência de seu poder de articulação; e a terceira, superação (o que ele pode fazer agora?) trata se ele tem a oportunidade de dar rumo a sua vida, em virtude de poder ter os instrumentos necessários a sua disposição para assumir o papel de seu próprio mediador.

Dessa forma, focalizam-se os fatos como conteúdo de informação em várias áreas (artes, comportamento, política, economia etc), para conjecturar eventuais influências e interações delas no ofício que Lula da Silva se ocupa. Entretanto, advertimos que essa investigação não pretende estabelecer uma verdade científica, tampouco aplicar uma metodologia empírica, mas, sim, um diálogo que instigue análises e associações possíveis em busca de uma identidade, em virtude de parecer se encaminhar uma crônica anunciada ou um virtual balanço de boas intenções, tal como ensismesmar-se com o objetivo de erradicar a fome no Brasil em quatro anos.


Capítulo I

Artes


Teatro

“a bandeira do teatro político e popular é a bandeira da minha geração" e "a liberdade não é um estado, mas um ato, e o artista engajado exerce a libertação de maneira contínua e integral". Dias Gomes, nos anos 70.

Ninguém poderia passar incólume a efervescência do teatro brasileiro e, sobretudo no período que nos interessa, quando dois mestres firmaram seu olhar na cena nacional: Ariano Suassuna e Dias Gomes. Aquele influenciou gerações com O auto da Compadecida (1955), O santo e a porca (1957), O casamento suspeitoso (1957), e A pena e a lei (1959). Dias Gomes enalteceu a função política dos artistas pelo respeito a sua obra como em O pagador de promessas (1960) e O Santo Inquérito (1966). Parece que Lula da Silva, como personagem, se encaixa nesses enredos, ou comunga do ideário de seus criadores, cujas peças refletem a sinceridade das preocupações sociais, contra uma impiedosa conspiração em curso.
Esse ideário reverberou na literatura dramática com Gianfrancesco Guarmieri em Eles não usam black-tie (1958), Arena conta Zumbi (1965), Arena conta Bahia e Arena conta Tiradentes (1968), contornou a censura da época da ditadura militar (pós-1964) com Botequim (1973) e Um grito parado no ar (1975). Seu companheiro, Augusto Boal, estimulador de uma concepção marxista da função teatral, tem na sua obra O Teatro do Oprimido (1975) a mais fidedigna noção da participação popular, que Lula da Silva praticava nas portas das fábricas.
“Há dois problemas que afligem o teatro em São Paulo e em todo Brasil, em 1974: a falta de subvenções adequadas e a falta de liberdade de expressão... A liberdade para questionar as situações de toda ordem, seja no plano ético, seja no social. O teatro só interessa na medida em que põe o dedo numa ferida...” Sábato Magaldi e Maria Thereza Vargas in Cem anos de teatro em São Paulo.

Lula da Silva assistiu a talvez mais vigorosa resistência contra a opressão seja por meio da estória de Branca Dias, Zé do Burro, João Grilo, seja por um enredo como de Roda-viva, Gota d'água ou Ópera do malandro, estes de Chico Buarque. O teatro representava o lado romântico do ideário revolucionário, eco de “um grito parado no ar”, da luta contra a mais valia, contra o pequeno burguês alienado, o imperialismo capitalista, contra a omissão que torna um indivíduo cúmplice - e como todo cúmplice é aquele que se omite por egoísmo ou covardia, quando podia fazer valer a sua voz, pois quem cala, na verdade, colabora. De Morte e vida Severina (em que o personagem Severino, um homem da zona árida do nordeste, vai em busca da costa e, em cada parada do caminho, enfrenta a morte, até chegar à última pousada, onde toma conhecimento do nascimento de um menino, fato visto como prova de que se pode resistir à negação da existência) até Crime na rua Relator (1987), João Cabral de Melo Neto, nesse compromisso de fazer valer a voz, direciona seu teatro para os interesses das coisas do Brasil, como meio de tentar apreender e transformar a realidade.
Não tem sido cova grande nem pequena, mas a parte que lhe cabe neste latifúndio, Lula da Silva.
Cinema

“Cinema popular é aquele que denuncia o povo ao povo. Um cinema popular, analisando a opressão a que é submetido um povo, deve ser capaz de conduzir o espectador a uma tomada de consciência que abra caminho à ação. Foi esta linha de pensamento que exprimiu o Manifesto de Glauber Rocha, intitulado “Uma estética da fome”, em 1965: o cinema novo, cuja perspectiva é a liberdade da América Latina, é, afinal, “um conjunto de filmes em evolução que proporciona ao público a consciência de sua própria miséria”.Guy Hennebelle in Os cinemas nacionais contra Hollywood.
Glauber Rocha resta insuperável como melhor cineasta brasileiro de todos os tempos, não apenas pelo que há de simbólico em ser um dos criadores do cinema novo na década de 1950, mas, também por renovar o cinema brasileiro mediante crítica ao falso populismo e ao vazio temático das grandes produções ao realizar filmes de caráter ideológico, como Deus e o diabo na terra do sol (1964), retrato de um povo que não consegue encontrar soluções para seus problemas. Em Terra em transe (1967), criticou os problemas das alianças sonhadas na época da ideologia populista. Para ele, os juízos de valor se organizam como autodefesa em uma linguagem fetichista. Foi atuante crítico da burocracia que reprime a criação artística. Argumentava que a crítica se nutre da arte e a arte, da vida, dialética que reage a cada ruptura revolucionária da arte e reestrutura a regressão. Denunciou a fragilidade da crítica e a decadência artística como resultantes de uma prática intelectual que é incapaz de impor suas idéias, em razão de os intelectuais declinarem de suas responsabilidades políticas em favor de uma cultura desvinculada da história. Recebeu diversas premiações em Cannes e foi eleito o melhor diretor de cinema brasileiro em 1970.

Cacá Diegues sustenta outro pilar do cinema brasileiro ao lado de Nelson Pereira dos Santos. De um lado, Xica da Silva, Bye, bye Brazil e Tieta do Agreste revelam o ideário da cultura popular e das raízes do Brasil como função do cinema e combate a patrulhas ideológicas de plantão. Do outro, Vidas Secas, A tenda dos milagres e Memória do Cárcere são um libelo lúdico das inovações possíveis ao cinema, sem deixar de lado o compromisso com o retrato de uma sociedade repressora e injusta.

Eles não usam black tie, São Bernardo e A falecida, de Leon Hirszman; Menino de engenho e Inocência, de Walter Lima Junior; Toda nudez será castigada e O casamento, de Arnaldo Jabor; Dona Flor e seus dois maridos, O beijo no asfalto, Gabriela, cravo e canela, e O que é isso companheiro?, de Bruno Barreto; Baile perfumado, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas; Central do Brasil, de Walter Sales; Pixote, a lei do mais fraco, de Hector Babenco, entre outros, completam o quadro do cinema brasileiro voltado para a realidade, sobretudo, com a cara do Brasil.

O que passou na tela grande, em resumo, foi a pátria de Gabriela, mãe de Pixote, primo do Menino de Engenho, entre outros graus de parentesco de vínculos sanguíneos com a literatura em gosto e admiração ao Pagador de Promessas, como de certo será um dos componentes do roteiro do filme de Lula da Silva.
Televisão


“Eu não vim para explicar, eu vim para confundir... Quem não se comunica, se intrumbica... alo, alo, Terezinha, é um barato a discoteca do Chacrinha... Vai querer um bacalhau, meu filho?” Abelardo Barbosa – o Chacrinha.


Ao lado de Sílvio Santos, Chacrinha estabeleceu um padrão de excelência e de cultura popular na identidade da televisão brasileira. Eles captaram a essência desse novo veículo de comunicação na tarefa de ser bem sucedido: falar para o povo. Felizmente, esses dois grandes comunicadores – geniais -, privilegiaram a criatividade, o senso de oportunidade para os novos e a diversidade artística. Os subtipos deles geralmente caíram no estereótipo, na apelação, no lugar comum ou na estupidez. De toda sorte, não se referem a eles, como protagonistas, as críticas sobre o efeito entorpecente da televisão. A partir deles, ficou claro que a tv funciona como veículo de comunicação de massa.
De igual prisma, a telenovela seguiu esse padrão com um acréscimo de outra excelência: a qualidade global, ou melhor, da Rede Globo de Televisão. Além de levar para os lares dos brasileiros a temática da boa dramaturgia nacional, a Globo especializou-se na produção de altíssimo nível técnico das telenovelas, que se tornaram o melhor produto televisivo cultural brasileiro de todos os tempos. No que concerne ao nosso estudo, a televisão revelou o país para si próprio como nação.
O Bem-Amado, Roque Santeiro, Gabriela, Selva de Pedra, Vale Tudo, entre outras, e produções de minisséries como Anos Dourados e Caramuru, a invenção do Brasil, como grandes espetáculos, ainda deve créditos aos autores e diretores de televisão. Em recente seminário de dramaturgia realizado pela Edusp e Educine, Lauro César Muniz revelou-nos não somente a validade do formato matizado por Janete Clair, que levava em conta a estrutura do romance moderno ou do folhetim, mas, também, a coragem e a intuição do Boni - José Bonifácio de Oliveira Sobrinho -, na escolha da programação e sua vocação para as tendências e gosto da audiência.

Muitas vezes, contudo, a televisão teve de se render àquilo que não patrocinava e à força da vontade popular, seja na cobertura de uma greve de metalúrgicos no ABC paulista, em plena ditadura, seja na cobertura de última hora dos comícios pelas diretas já. Em que pese as grandes audiências dos telejornais, o noticiário brasileiro ainda resta superficial, quase chapa branca e ideológico, salvo raras reportagens investigativas. Não nos parece que a televisão brasileira, nesse campo, tenha aprendido com os mestres da área artística.

Por fim, não se pode falar de telecomunicações sem mencionar o nome do imortal doutor Roberto Marinho, cujo caráter empreendedor e dinamismo incansável construiu uma das maiores organizações dessa área no mundo. Ele foi outro que sinalizou para o planeta que aqui abaixo dos trópicos se constrói uma civilização altamente desenvolvida e original.

Música


“Enquanto os homens exercem seus podres poderes Motos e fuscas avançam os sinais vermelhos E perdem os verdes, somos uns boçais. Queria querer cantar setecentas mil vezes Como são ricos, como são ricos os burgueses E os japoneses, mas tudo é muito mais. Será que nunca faremos senão confirmar a incompetência da América Católica Que sempre precisará de ridículos tiranos? Será, que será, que será, que será, será que esta minha estúpida retórica Terá que soar, terá que se ouvir por mais zil anos?” Caetano Veloso in Podres poderes.


Patativa do Assaré, talvez o maior poeta da música brasileira no século XX, cunhou na letra de A Triste Partida a exata saga do nordestino retirante da seca inclemente para a cidade de São Paulo: a seca arde o estômago vazio, o tempo passa, perde sua crença na pedra de sal, ajoelha-se no natal, no céu só cigarras, apela para São José, sem resposta perde a fé, outro caminho não há, vende tudo de criação e ruma pra São Paulo, para viver ou morrer, em um caminhão joga a família, na estrada a saudade do lugar, chegam no destino, o pobre acanhado procura trabalho, no plano um dia voltar, mas é só sofrer sem parar, e pro nordeste não volta mais não, se tem notícia de lá, nos olhos faz chorar, porque olha para os filhos e diz: que pena que me dá. Ganhou voz com o revolucionário rei do baião.

De fato, Luiz Gonzaga, criador do baião na virada da década de 1940 para 1950, influenciou todos os demais segmentos da MPB, só comparada à influência do Tropicalismo e da Bossa Nova alguns anos depois. Suas músicas Juazeiro (1949), Baião (1946), Paraíba (1952) e Asa Branca, lançada como toada em 1949, são hinos até hoje. Chamado de o Rei do Baião, alcançou a impressionante marca de 48 anos ininterruptos de produção musical, além de ter realizado composições de alta informação lúdica e beleza de imagens, como em: “quando o verde dos teus olhos se espalhar na plantação, eu te asseguro, não chore, não, viu, eu voltarei, viu, pro meu sertão”. Criou outros ritmos, foi autêntico, e proporcionou a várias gerações o entendimento e a solidariedade entre os filhos da terra brasilis, por meio da música.


Geraldo Vandré, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Torquato Neto, Gal Costa, Chico Buarque e Maria Bethânia foram os artistas mais controvertidos ou reformadores da postura musical durante duas décadas seguidas a partir principalmente de 1966. Caminhando ou Pra não dizer que não falei de flores – hino estudantil contra a ditadura: “vem vamos embora que esperar não saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer”; Aquele abraço – hino dos exilados políticos; Apesar de você – hino da abertura política:” A minha gente hoje anda Falando de lado E olhando pro chão, viu Você que inventou esse estado E inventou de inventar Toda a escuridão Você que inventou o pecado Esqueceu-se de inventar O perdão, apesar de você, amanhã há de ser outro dia”; entre outras embalaram os corações apertados da pátria e fizeram marear os olhos como disseram na canção Roberto e Erasmo Carlos ao amigo Caetano no exílio: “Um dia areia branca seus pés irão tocar, e ao se sentir em casa, sorrindo vai chorar”.
Chega de saudade (1959), LP de João Gilberto foi um dos marcos fundadores da Bossa Nova. Ele, Tom Jobim e Vinícius de Moraes encantaram o mundo que os ouviu e tornaram-se emblemáticos. Mas João Gilberto tem sido de longe o mais reconhecido e festejado, principalmente fora do Brasil. Nenhuma figura da música popular brasileira esteve tão perto da perfeição, como disse Sergio Cabral. Ou , Se ele ler um jornal, vai soar música, para Miles Davis. A revista Down Beat escreveu: “Há 40 anos que nada influenciava a música norte-americana como hoje o faz João Gilberto.” Eles fazem acreditar que o Brasil pode ser uma civilização sofisticada - abaixo da linha do equador!
Mas aí vieram os anos 80, Chorando se foi, com o grupo Kaoma e sua lambada internacional em português do Brasil; Olodum, presente até num videoclip de Paul Simon, percussão brasileira puríssima e brilhante nos quatro cantos do mundo. Aqui dentro, Ideologia, Brasil, Exagerado, Codinome Beija-Flor, O Tempo não Pára, Burguesia, Quando o Sol Bater na Janela do seu Quarto, Será, O Teatro dos Vampiros, Blues da Piedade, Eu sei, Meninos e Meninas, Geração Coca-Cola, Ainda é Cedo, O Nosso Amor A Gente Inventa, Todo Amor que Houver nessa Vida, Um Dia Perfeito. Cazuza e Renato Russo foram os rebeldes com causa, reis magos, como os nossos pais, mas preferiram ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo, faziam irreverências mil à noite do Brasil, e ainda tinham tempo pra cantar, pura Malandragem..
Nesse samba do crioulo doido, Lula da Silva talvez ressuscite a originalidade do primeiro ritmo brasileiro ou participe dos novos tribalistas - mas que não deixe o dito morrer e não repita A GENTE SOMOS INUTIL.
Literatura

"a fome coletiva é um fenômeno social... geograficamente universal... Toda a terra dos homens tem sido também até hoje terra da fome." Josué de Castro.


O festejado escritor pernambucano Josué de Castro dedicou sua vida ao estudo das causas e conseqüências da fome. Por um enfoque multidisciplinar atento à realidade local do nordeste brasileiro, entre outros, publicou Geografia da fome (1946), Geopolítica da fome (1951), O livro negro da fome (1960) e o romance Homens e caranguejos (1967). Talvez essa temática tenha influenciado sobremaneira Lula da Silva ou, pelo menos, há indício de que em sua terra e na data de seu nascimento a preocupação era igual à de hoje.

No que se refere à literatura entre 1945 e 2003, pode-se facilmente perceber que Dias Gomes, Graciliano Ramos e Jorge Amado talvez sejam os expoentes máximos desse ramo da arte, porque foram os mais inspiradores de filmes, novelas, músicas, documentários e coreografias, com a certeza de uma produção com manifesta e efetiva comunicação e sentido social. Tiveram em comum o exílio político e a participação no debate dos temas nacionais. Tom Jobim, por sinal, em entrevista a revista Veja, em março de 1988, ao ser indagado sobre a produção cultural “afastado das chamadas raízes brasileiras”, respondeu:
“Eu acho uma coisa formidável você de longe, à distância, poder contemplar sua calçada e seu quintal. O Guimarães Rosa, o Vinícius de Morais, o João Cabral de Melo Neto e tantos outros escreveram muito quando estavam em outros países e não ficaram menos brasileiros. O Jorge Amado, que eu encontrei em Nova York lançando o livro dele – Tocaia Grande -, viajou em seguida para Paris, onde arranjou um apartamento para ficar escrevendo. E não é maravilhoso ele carregar a Bahia para Paris? Em matéria de raiz, o Jorge Amado já comeu toda mandioca que podia.” Antonio Carlos Jobim.


Por óbvio, a temática regionalista de substrato universal de João Guimarães Rosa, Rachel de Queiroz, Ferreira Gullar, Ledo Ivo, Manuel Bandeira, Ariano Suassuna e José Américo de Almeida ou a temática urbana de Carlos Drummond de Andrade, dentre outros, compuseram o discurso literário deste período. Como numa elucubração, típica de quem vê seus inimigos no poder e dispõe apenas da pena, eles poderiam ter escrito As primeiras estórias do Cavaleiro da esperança, de São Bernardo, Terras dos sem fim, Itinerário de passárgada, num Subterrâneo da liberdade, Dentro da noite veloz, com Insônia, Pedra do sono, inspirado no Memorial de Maria Moura e A rosa do povo, pronto para A luta corporal, A invasão, A revolução dos beatos, para armar sua Tocaia grande ou sua Tenda dos milagres ou seu Crepúsculo civil, com A pena e a lei, Mafuá do malungo, e fincar sua Estrela da vida interior. Se não fossem eles, talvez não existisse Lula da Silva, tampouco o Brasil que se conhece hoje.

Comportamento

Feministas

“Que a educação dos jovens nos dias de hoje lhes oculta o papel que a sexualidade desempenharia em suas vidas não constitui a única censura que somos obrigados a fazer contra ela. Seu outro pecado é não prepará-los para a agressividade da qual se acham destinados a se tornarem objetos. Ao encaminhar os jovens para a vida com essa falsa orientação psicológica, a educação se comporta como se devesse equipar pessoas que partem para uma expedição polar com trajes de verão e mapas dos lagos italianos. Torna-se evidente, nesse fato, que se está fazendo um certo mau uso das exigências éticas. A rigidez dessas exigências não causaria tanto prejuízo se a educação dissesse: “É assim que os homens deveriam ser, para serem felizes e tornarem os outros felizes, mas terão de levar em conta que eles não são assim”. Pelo contrário, os jovens são levados a acreditar que todos os outros cumprem essas exigências éticas – isto é, que os outros são virtuosos. É nisso que se baseia a exigência de que também os jovens se tornem virtuosos”. Freud in O Mal-Estar na Civilização.
Quando Lula da Silva saiu da adolescência, as mulheres queimaram os sutiãs em público: simbolismo de reivindicações como a de terem prazer sexual ou liberdade de escolha. O status de eleitora foi, na prática, o que as erigiu a uma estrada em direção a igualdade de direitos com os homens, pois o papel de doméstica – que mais tarde viria a ser a denominação do empregado especializado em tarefas da casa -, restou um fardo para aquelas que se casaram e foram “trabalhar fora” também, ainda que, no começo, a lista de profissões não passasse de uma dezena: balconista, tecelã, manicure, auxiliar de escritório, professora, entre poucas outras.
Betty Friedan, nos anos 60, foi uma das precursoras da revolução feminista e assistiu ao triunfo de suas bandeiras. O foco era não apenas a conquista da realização profissional para a mulher, mas, também, a mudança de papéis no casamento, a fim de distribuir igualmente as tarefas domésticas e a obrigação de criar e educar os filhos. Sem dúvida, a instituição do casamento foi alvo de transformação ou de reestruturação, com conseqüências avassaladoras na civilização humana. O patriarcado foi combatido e combalido já na década de 70. Machismo passou a ser muito “careta”. Nos anos 80, o tabu da virgindade começou a se desmistificar no ocidente e abria-se outro caminho para as produções independentes: as mulheres começariam a ter filho sem se casar.

Marta Suplicy, companheira de partido de Lula da Silva, ganhou notoriedade como sexóloga e apresentadora de televisão. Seu discurso firme e reivindicatório marcou a luta da mulher brasileira, porque reiterou a individualidade de cada mulher na solução de situações, ou seja, Marta não defendia uma receita de libertação geral para todas, mas, sim, a busca da realização de acordo com suas próprias necessidades ou aspirações. Ela não precisava passar a fumar, beber, usar calças, dizer palavrões, ter experiências sexuais antes do casamento, ou atitudes iguais aos homens, para ser independente - a finalidade era tornar-se feliz. Como legisladora, propôs a regulamentação da união civil entre pessoas do mesmo sexo.

Como um homem contemporâneo, Lula da Silva não assistiu a essa revolução impunemente.
Metrossexual

“O sexo constitui um fato biológico que, embora de extraordinária importância na vida mental, é difícil de apreender psicologicamente. Acostumamo-nos a dizer que todo ser humano apresenta impulsos tanto masculinos quanto femininos, e, ainda que a anatomia, é verdade, possa indicar as características de masculinidade e feminilidade, a psicologia não pode. Para esta, o contraste entre os sexos se desvanece...”. Freud in O Mal-Estar na Civilização.

Lula da Silva perdeu sua primeira eleição na corrida presidencial para um metrossexual ou urbanóide típico. Fernando Collor de Melo se apresentou na ocasião com ares de modernidade, bem vestido, bem maquiado, penteado, rosto de galã de novela das oito, senso estético forte, emocional, sensível, pai carinhoso - um Tony Blair latino. Na segunda vez, perdeu para os punhos de renda de Fernando Henrique Cardoso, que também se mostrou adepto a dieta, ao tratamento estético e ao cuidado com aparência, com um fortíssimo apelo à polidez cultural – para compensar talvez o peso da idade. O Lula da Silva eleito presidente já não era mais o lula, lá, era o lula light. Adotou a imagem peace and love, sorridente, elegante, bem penteado, barba aparada, terno da moda et cetera.
O fenômeno dos metrossexuais começou talvez no início da década de 90 e, segundo psicólogos e especialistas na matéria como Alon Gratch, Barney Brawer, Dieten Otten ou Robert Bly, levará cerca de um século para se tornar característica predominante na população masculina mundial, como aconteceu no caso das feministas. A novidade, porém, não se revela tão nova - Fernando Gabeira já era urbanóide desde criancinha. Trata-se, na verdade, de uma acomodação dos papéis necessários à sobrevivência nas grandes metrópoles ou centros urbanos, onde, de um lado, o homem não precisa mais lutar contra ursos e leões, e, do outro, tem de responder a exigência da civilização nos padrões de higiene, limpeza e beleza.
Não se trata, pois, de guerra dos sexos. Ao contrário, indica o encontro de uma igualdade do sexo cultural, uma pacificação econômica de instintos latentes. As reclamações são agora de outra ordem. Se na sociedade rural a diferença de papéis era abissal, na urbana, tende a ser nula. Logo, a mulher poderá suspirar mais fundo quando ver o companheiro cozinhar melhor, costurar melhor, cuidar melhor dos filhos e da casa. O homem, por sua vez, poderá suspirar aliviado quando ver a competência feminina a serviço da tecnologia – ainda que resulte na renúncia dela em gerar dentro de si uma prole eventualmente desejada.
Claro que esse tema nos fez quebrar a estrutura desse primeiro capítulo que trata da fase da formação do Lula da Silva, ao dedicarmos um parágrafo para um exercício de futurologia, ainda que comedido dentro dos padrões que adotamos no Tratado sobre a burrice ao alcance todos. Feita a autopenitência, pedimos para mitigá-la, porque foi exatamente o discurso de transformação em todas as áreas do relacionamento humano que o nosso focalizado foi submetido ao longo dessa fase.
Brasilidade
“A discriminação contra o negro é uma discriminação contra homens que não foram educados para serem cidadãos brasileiros”. Gilberto Freyre.

Gilberto Freyre, autor do mais profundo estudo da brasilidade, sobretudo na trilogia Casa Grande & Senzala; Sobrados e mocambos; e Ordem e progresso (1959), acertou em cheio sobre o caráter nacional. Ao valorizar a miscigenação entre brancos, negros e índios, a importância do escravo na vida afetiva e sexual do país, e considerar o engenho de açúcar a raiz da vida social brasileira, Freyre derrubou a visão de que as diferenças raciais explicariam as desigualdades sociais e as imensas disparidades nos destinos das nações. Para ele, não existe raça melhor ou pior, mas, sim, diferença de oportunidade de educação e de exercício da cidadania, ou, ainda, culturas com focos (material ou espiritual) diferentes tornam-se diferentes.

A idéia de Sérgio Buarque de Holanda de o brasileiro ser um homem cordial foi talvez mais uma visão cética do que propriamente uma convicção acadêmica, no final das contas. Caio Prado Júnior, por seu lado, pode ter carregado demais na tinta ao responsabilizar a elite brasileira, na postura de submissão aos interesses imperialistas, pelo atraso social, político e econômico do Brasil. Já Fernando Henrique Cardoso, que passou a faixa presidencial para Lula da Silva, tinha convicções convergentes dos dois sociólogos. A reticência em relação a Freyre talvez tenha a ver com a patrulha ideológica que baniu até pouco tempo o sociólogo pernambucano - lamentavelmente.
Educação
A educação no Brasil consiste num processo travado que remonta ao método da palmatória e da memorização da tabuada, bem como da alfabetização do b, a, bá, b, é, bé, b, i, bi, b, o, bó, b u, bu – não nos lembramos como as professoras faziam com os ditongos na consoante “c” -, até o método construtivista que permite o aluno passar de ano sem aprender nada. As donas Ritinhas, Lourdinhas, Glorinhas e outras tão queridinhas ensinavam a base da autoridade. Já os professores de hoje driblam as dificuldades de aprendizagem com a esperança de que algum dia “caia a ficha” no cérebro do aluno, antes que ele o acerte com uma lata de refrigerante.
Em contradição, Paulo Freire, talvez o maior teórico da educação no Brasil, foi reconhecido internacionalmente pelo método fundamentado em uma filosofia de educação inspirada no existencialismo cristão, que recorre a uma conscientização política, por meio da utilização de material e textos com temas extraídos da vida cotidiana dos alunos. Ao invés de os livros didáticos consignarem: Augusto degustou um suco de framboesa; deveria: José tomou um suco de laranja, ou, Maria comeu uma banana.
No âmbito do ensino superior, a discussão acalorada sobre o ensino público e gratuito nas universidades foi substituída pela necessidade de exigência de qualidade nas escolas desse nível, em função da proliferação exponencial de cursos em todas as áreas profissionais, ou seja, o comércio da educação suplantou o projeto nacional de obter do Estado a função que lhe cabe prioritariamente: promover o avanço científico e missão brasileira por meio do desenvolvimento educacional de seus cidadãos.

Política

Getúlio Vargas

“A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma… Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.
Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores de trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.

Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte …. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.” Getúlio Vargas na Carta Testamento.

A primeira comoção pública, no período que nos ocupamos, foi causada pela morte de Getúlio Vargas. Popular não apenas pelo seu nacionalismo, trabalhismo de vanguarda e empreendimentos na área industrial, mas, também, por sua personalidade carismática e peculiar. Thomas Skidmore, in De Getúlio a Castelo, identificou o populismo na era Vargas e a herança política que ele legou, a afirmar que uma tradição de assistencialismo do Estado se prolongaria por muito tempo na República brasileira. Tinha completa razão: como modelo de política, a era Vargas chegou ao fim com a falência do Estado nos anos oitenta, e a remodelação do Brasil nos anos noventa, mediante a inversão do autoritarismo para a democracia, da intervenção para o neo liberalismo.
O Presidente despachava verbalmente e seus oficiais de gabinete comumente transmitiam suas ordens aos Ministros, aos dirigentes de estatais ou a qualquer funcionário público com a seguinte sentença inicial: o Dr. Getúlio mandou... E quem tinha juízo, obedecia. Para se ter uma idéia dessa personificação do poder, o Presidente Jânio Quadros, no curto espaço de tempo que ocupou o Palácio do Planalto, mandava bilhetes: se fosse o funcionário encarregado de cumprir a ordem, cumpri-la-ia. Somente mais tarde, os outros Presidentes usariam as Medidas Provisórias, para fazer coisas de igual natureza daqueles.
A valorização da Consolidação das Leis do Trabalho promovida pela era Vargas, contudo, foi talvez a pilastra com que o sindicalismo se sustentou para, de uma manipulação estatal contundente a que se submeteram os “pelegos” até um movimento operário consciente, criar condições no relacionamento capital e trabalho ou o surgimento de lideranças como a de Lula da Silva.
Juscelino Kubitschk

Como pode o peixe vivo
Viver fora d'água fria?
Como pode o peixe vivo
Viver fora d'água fria?
Como poderei viver,
Como poderei viver,
Sem a tua, sem a tua,
Sem a tua companhia?
Canção de roda que virou hino de JK.

Depois de Juscelino Kubitscheck, eleito a partir de um discurso desenvolvimentista, todo presidente brasileiro tem complexo de JK. Ele ficou na história política do país como ícone da realização transformadora – um Midas. Seu lema de cinqüenta anos em cinco foi um sonho que virou realidade: construiu Brasília, a nova capital do Brasil, com vários conceitos arquitetônicos, as hidroelétricas de Furnas e de Três Marias, as rodovias Belém-Brasília e Brasília-Acre, a criou da Superintendência do desenvolvimento do Nordeste (Sudene), promoveu a expansão da indústria naval, entre outras obras de grande porte. Todas essas iniciativas transformaram a prosperidade econômica do país. Em 1961, a nação já não era a mesma. Olhava para o futuro de cabeça erguida.
De fato, a elite do Brasil respirava otimismo, sofisticação, e uma erudição contemplativa. Os brasileiros se tornaram subitamente joviais, confiantes e imaginativos por inspiração do presidente cosmopolita. Foram os anos dourados. JK era uma unanimidade. Contagiou os artistas e intelectuais: João Gilberto, Tom Jobim, na bossa-nova; João Cabral de Melo Neto, na poesia; e Oscar Niemeyer, na arquitetura. Juscelino era suave. Com ele, embalado pelo peixe-vivo, a cultura era descontraída. O decorador Henrique Liberal inventou móveis de bambu. Tinha também os móveis pé palito, o sofá-cama, a mesa de centro retangular de pau marfim ou peroba com tampo de vidro, a luminária em tubo de ferro pintado, os cinzeiros de murano e o espremedor de frutas em ferro cromado. Tudo ficou mais leve como os passos do presidente. Para Nelson Rodrigues, JK estimulou potencialidades criativas e faz surgir um novo brasileiro. Didi, Garrincha, Pelé e Djalma Santos encantavam com a leveza do futebol. A classe média sorria. Glauber Rocha inicia o cinema novo; Zé Celso, o tropicalismo. Foram cinco anos memoriais.
Juscelino morreu em 1976 num acidente de automóvel, na via Dutra, perto da cidade de Resende, no estado do Rio de Janeiro. Foi outra comoção nacional, mas diversa daquela de Vargas. Quanto mais o tempo passava a partir de sua morte, mais inversa e sombria seria a história do Brasil, como se a esperança do futuro fosse interrompida, para dar lugar a rebeldia e ao confronto de forças que JK tinha reunido. Como quem não esquece seu ente querido, a sociedade brasileira rumou para assegurar o que passou a ser chamado de Estado do bem-estar. Entretanto, os acontecimentos não seguem um movimento inevitável e raramente apresentam um padrão previsível. Seu sucessor, Jânio da Silva Quadros, havia renunciado, e seu vice, o Presidente João Goulart, assumiu o cargo, foi compelido a aceitar uma emenda parlamentarista como forma de governo, depois deposto pelo golpe militar de 1964 e morto em 1976.

Vive na memória brasileira o mito JK.
Ditadura Militar
AI-5


"O presidente da República Federativa do Brasil, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e: Considerando que, assim, se torna imperiosa a adoção de medidas que impeçam sejam frustrados os ideais superiores da Revolução, preservando a ordem, a segurança, a tranqüilidade, o desenvolvimento econômico e cultural e a harmonia política e social do País comprometidos por processos subversivos e de guerra revolucionária; Considerando que todos esses fatos perturbadores da ordem são contrários aos ideais e à consolidação do Movimento de março de 1964, obrigando os que por ele se responsabilizaram e juraram defendê-lo a adotarem as providências necessárias, que evitem sua destruição. Resolve editar o seguinte: Ato Institucional
Art. 1º São mantidas a Constituição de 24 de janeiro de 1967 e as Constituições Estaduais, com as modificações constantes deste Ato Institucional.
Art. 2º O presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sítio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo presidente da República.
Art. 3º O presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos estados e municípios, sem as limitações previstas na Constituição.
Art. 4º No interesse de preservar a Revolução, o presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais.
Art. 5º A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa simultaneamente, em:
I. cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;
II. suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;
III. proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de segurança:
a) liberdade vigiada;
b) proibição de freqüentar determinados lugares;
c) domicílio determinado.
§ 1º O ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados.
§ 2º As medidas de segurança de que trata o item IV deste artigo serão aplicadas pelo ministro de estado da Justiça, defesa a apreciação de seu ato pelo Poder Judiciário.
Art. 6º Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por prazo certo.
§ 1º O presidente da República poderá, mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou por em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo, assim como empregados de autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar militares ou membros das polícias militares, assegurados, quando for o caso, os vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço.
§ 2º O disposto neste artigo e seu § 1º aplica-se, também, nos estados, municípios, Distrito Federal e territórios.
Art. 7º O presidente da República, em qualquer dos casos previstos na Constituição, poderá decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, fixando o respectivo prazo.
Art. 8º O presidente da República poderá, após investigação, decretar o confisco de bens de todos quantos tenham enriquecido ilicitamente, no exercício de cargo ou função pública, inclusive de autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.
Parágrafo único. Provada a legitimidade da aquisição dos bens far-se-á a sua restituição.
Art. 9º O presidente da República poderá baixar Atos Complementares para a execução deste Ato institucional, bem como adotar, se necessário à defesa da Revolução, as medidas previstas nas alíneas "d" e "e" do § 2º do artigo 152 da Constituição.
Art. 10º Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.
Art. 11º Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato Institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos.
Art. 12º O presente Ato Institucional entra em vigor nesta data, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 13 de dezembro de 1968; 147º a Independência e 80º da República. A. Costa e Silva; Luís Antônio da Gama e Silva; Augusto Hamann Rademaker Grunewald; Aurélio de Lyra Tavares; José de Magalhães Pinto; Antônio Delfim Netto; Mário David Andreazza; Ivo Arzua Pereira; Tarso Dutra; Jarbas G. Passarinho; Márcio de Souza e Mello; Leonel Miranda; José Costa Cavalcanti; Edmundo de Macedo Soares; Hélio Beltrão; Afonso de A. Lima; Carlos F. de Simas."
A luz da insipiente democracia brasileira apagou-se com a ditadura militar instalada em 31 de março de 1964. Foi um período sombrio na história política de Brasil. O texto do Ato Institucional nº 5 não deixa a menor dúvida sobre a tirania que se abateu sobre a nação. Qualquer observação para mitigar tal violência deve ser desconsiderada, seja aquela alegada boa intenção do general Humberto de Alencar Castelo Branco, seja a alegada necessidade de se afastar o “perigo” do comunismo. Em ambas alegações, assume-se impropriamente a incapacidade do povo brasileiro de decidir sua história, para convencer-se do uso da brutalidade no lugar da democracia.

Castelo Branco cassou por dez anos os direitos políticos de diversos líderes partidários de esquerda como Leonel Brizola, Miguel Arraes, extinguiu os partidos existentes, instalou o bipartidarismo do faz de conta, com a formação da Aliança Renovadora Nacional (Arena) – pro ditadura, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) – pro diálogo, e promulgou nova constituição, que reforçou a autoridade do poder central e do presidente da República. Castelo Branco morreu em acidente aéreo em 1967.

Em 1968, com o recrudescimento da oposição ao governo, inclusive no congresso e contestações estudantis ao regime, sobretudo, no Rio de Janeiro e São Paulo, a ditadura mostrou sua cara com o general Artur da Costa e Silva. Decretou o Ato Institucional nº 5, que suspendeu as garantias constitucionais e as atividades do Congresso Nacional. Realizou novas cassações de direitos políticos e a repressão contra os dissidentes políticos e intelectuais. Morreu em 1969.

Emilio Garrastazu Médici (1969-1974) sufocou movimentos armados de grupos de esquerda e reforçou a centralização, com a indicação de governadores para os estados. Aproveitou o tricampeonato mundial do futebol brasileiro para continuar as prisões arbitrárias, torturas e execução de presos políticos. Morreu em 1985.
Ernesto Geisel (1974 –1985) fechou o Congresso Nacional temporariamente, continuou com a repressão, a censura política, e o uso do Serviço Nacional de Inteligência para perseguir artistas e intelectuais, e governou a economia com igual mão de ferro. Morreu em 1996.

João Baptista de Figueiredo (1979 – 1997), sob pressão internacional que vinha desde o final do governo anterior, promoveu a abertura política com a anistia dos exilados políticos e a atividade dos partidos políticos, mas manteve a eleição indireta para presidente pelo colégio eleitoral. Morreu em 1997.

Muitos brasileiros mereceriam ser lembrados pela resistência a ditadura militar, porque enfrentaram o pior inimigo de uma civilização: a violência da tortura política. Não há crime maior contra a humanidade. E ele, pelo seu espírito irrequieto, figura humana extraordinária, tenaz no combate as arbitrariedades da ditadura, merece aqui nossa lembrança, mais como símbolo de todos aqueles que derramaram sangue no Araguaia ou em qualquer confim da nossa pátria gentil, por quem, no solo do Brasil, choraram Marias e Clarisses: HENFIL - vivo para sempre.


Diretas Já !

“Só sei que este mundo está podre, como um dia minha mãe me disse com a lição de um poeta: Carlos Márcio Ulianov, você nasceu em uma sociedade que, se ainda não está morta, fede. Fede à bosta de regimento, fede a batinas de padres, fede a fábricas que lançam de suas chaminés a alma de seus operários, fede ao péssimo hálito de seus discursos, fede à adulação de seus elogios falsos, fede às mais imundas maquinações políticas, fede à cultura de universidade, fede a genocídio, fede a misérias, fede a torturas, fede a explosões, fede a pactos. Então, seja verdadeiro com você mesmo e perfume sua alma, senão vai acabar fedido. Tá boa! Eu sei que esse mundo é uma luta dos exploradores contra os explorados. Boa noite, Mãe!” De Hermano Leitao in Almas Perfumadas.

A emenda de autoria do deputado Dante de Oliveira, chamada popularmente de emenda das diretas, mobilizou a sociedade brasileira em comícios gigantes nas principais capitais do país, aos gritos de ordem: diretas, já! No dia da votação no Congresso Nacional, a expectativa era imensa, pois o ranço da ditadura estava lá, como quem se posta de guarda para avisar que o dono da casa dá as ordens e ainda não passou as chaves para nenhum inquilino. Não deu outra. A emenda não foi aprovada, e a nação teve de assistir a uma acomodação política para a eleição indireta de um candidato de “consenso”, cujo vice, José Sarney, era do PDS, nova denominação da ARENA.

A frustração foi imensa. Ficou um grito parado na garganta. Muitos choraram – como eu, em plena esplanada dos ministérios em Brasília -, mas nada comparado à comoção que se instalou em seguida. Tancredo Neves, a quem o povo acreditou poder mudar a história, faleceu antes de tomar posse. Foi demais... Choramos copiosamente, como se a morte dele expurgasse nossa tragédia e nos unisse como filhos de uma pátria viúva. Esse sentimento não foi ignorado. As eleições desse período mostravam que o povo não aceitava mais a ditadura militar, em que pese resquícios autoritários e de fraude eleitoral ainda persistissem como práticas de aliciamento do eleitor. Muito havia de ser feito.

Jose Sarney assumiu a presidência da República, na qualidade de vice eleito, num arranjo institucional discutível. Governou o Brasil de 1985 a 1990. Para encaminhar as reivindicações populares, contribuiu para a constituição da Assembléia Geral Constituinte, para o encaminhamento da consolidação das instituições democráticas e a promulgação de nova constituição, em 1988.

A constituição de 1988 consagrou a democracia e a liberdade política no Brasil; aboliu a Lei de Segurança Nacional, empregada para reprimir os dissidentes políticos, proibiu a tortura, previu várias formas de plebiscitos populares, iniciativas e referendos; proibiu praticamente todas as formas de censura; garantiu os direitos individuais e a propriedade privada, além de estender o direito de greve a todos os trabalhadores. Dentre as iniciativas ao alcance do cidadão, a ação popular revelou-se um instrumento eficaz no combate a corrupção, ao nepotismo e outras práticas lesivas ao patrimônio público. Por essa razão, ficou conhecida como a Constituição cidadã.

Impeachment
Grande pátria desimportante
Em nenhum instante eu vou te trair
Não, não, não vou te trair
Brasil, mostra a tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil, qual é o teu negócio? O nome do teu sócio?
Confia em mim! Cazuza.

Fernando Collor de Melo, o “caçador de marajás”, (1990-1992) foi o primeiro presidente eleito pelo voto popular depois de vinte e cinco anos de ditadura. Implantou o plano Collor, que era de fundo monetarista: bloqueou a poupança dos brasileiros, entre outras medidas econômicas e burocráticas com o fim de reduzir a inflação e incentivar o livre mercado. As acusações de corrupção, que incluíam uso de dinheiro público para reforma de imóvel particular, e recebimento de favores, além de uma atividade paralela de informações privilegiadas com fim de obter vantagens financeiras, comandadas por Paulo César Farias, vulgo PC, levaram o Congresso a afastar o presidente. Em 29 de setembro de 1992, a Câmara autorizou a abertura do processo de impeachment, mas Collor de Mello encaminhou sua renúncia, diante da ameaça de condenação.

O vice de Collor, Itamar Franco, nascido a bordo de um navio no litoral da Bahia, assumiu sem maiores traumas, num sinal de que a sociedade brasileira queria a democracia. O novo presidente era meio diferente: gostava de fusquinha e de um topete “pega rapaz” sempre em redemoinho. Seu maior feito foi a implantação do Plano real, que deu início a estabilização política e econômica.

O sucessor de Itamar foi Fernando Henrique Cardoso, que era seu Ministro da Economia e responsável pela implantação do plano de estabilização econômica. Sem dúvida, o sucesso desse plano levou-o a presidência numa disputa com Lula da Silva. Fernando Henrique ainda modificou a constituição para poder se reeleger e derrotar de novo Lula da Silva - aliás, no Brasil, quando se quer tirar ou conceder poderes a um Presidente, inventa-se uma “grande emenda” constitucional ou uma revisão constitucional de ocasião.
Assim, Lula da Silva assistiu desde a mais severa ditadura que o país já experimentou ate a mais ampla democracia que a nação já desfrutou. As fórmulas, os conchavos, a natureza dos políticos brasileiros, a corrupção, a violência, as manobras parlamentares, as pressões lobistas, a fragilidade dos partidos brasileiros, o jogo de vaidade entre os poderes, entre outras mazelas vivenciadas nesse período de 1945 a 2003, são de conhecimento do Sr. Lula da Silva. Trata-se de um histórico de confronto em que o povo nem sempre foi considerado objeto no ideário de lutas, tampouco protagonista.

Uma lição restou clara: Lula da Silva também foi eleito para suceder FHC, porque a classe média não suportou a alta carga tributária em vigor.

Economia

Industralismo


“Da experiência dos anos de 1951-52 ficou sobretudo a lição, infelizmente não bem assimilada, de que o desenvolvimento industrial do país exige medidas muito mais profundas e de natureza muito mais geral que simples providências fundadas em circunstâncias excepcionais, como foi a momentânea e precária valorização, nos mercados internacionais, de nossos produtos de exportação.
Essa segunda presidência do Sr. Getúlio Vargas, resultante de eleições, se caracteriza por forte influência de interesses financeiros e industriais. E o reflexo, na política da ascensão de grupos econômicos tornados poderosos em conseqüência do intenso processo de capitalização e concentração capitalista verificado no Brasil desde a guerra”.
Caio Prado Júnior in História Econômica do Brasil.


A era Vargas caracterizou-se principalmente pela intervenção do Estado na economia. Propiciou a transferência de poder dos estados para o governo central; procurou garantir o poder das classes médias e baixas das cidades, em detrimento dos latifundiários; induziu a entrada do governo no âmbito dos negócios, em concorrência com o capital privado; introduziu um novo código trabalhista; nacionalizou os recursos minerais e incentivou a modernização da indústria brasileira.

Esse nacionalismo econômico e o fortalecimento do investimento estatal, a partir de 1945, propiciou a consolidação da siderurgia, com a Usina de Volta Redonda, a decretação do monopólio estatal do petróleo e a criação da Petrobrás (1954), a instalação da indústria automobilística e uma forte política de substituição de importações. Ao longo deste processo a industrialização concentrou-se na cidade de São Paulo e na região do ABCD (Santo André, São Bernardo, São Caetano e Diadema), embora nos estados do sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), no Rio de Janeiro e em Minas Gerais também tenha havido expansão. Em conseqüência, surgiram o operariado industrial e sindicatos operários e patronais. Esse constitui o berço econômico de Lula da Silva.

Desenvolvimentismo

“A idéia de usar todos os recursos materiais e recursos de organização para conseguir a mais ampla difusão possível do bem-estar foi uma concepção oriunda da Europa ocidental: disseminou-se juntamente com os ideais de democracia. Na metade do século XX, tal concepção veio a dominar as relações mundiais. Pela aplicação da ciência ocidental, tecnologia e disciplinas organizacionais, muitas aflições seculares da humanidade tornaram-se doenças sanáveis, como por exemplo as epidemias e a fome, a penúria e a miséria, a ignorância e a morte prematura”. David Thomson in Pequena História do Mundo Contemporâneo.

Roberto Campos e Lucas Lopes elaboraram o programa do governo Juscelino Kubitschek que tinha como objetivo criar novos investimentos e aumentar a produtividade dos já existentes, a fim de elevar o nível de vida da população, por meio da criação de novos empregos, e consistia no estabelecimento de 31 metas, distribuídas em seis grandes grupos, designados como setores-chaves da economia brasileira: energia, transporte, alimentação, indústrias de base, educação e a meta síntese com a construção de Brasília. A meta 27 do programa foi a criação da indústria automobilística, pensada dentro do planejamento do processo de substituição de importações, talvez a mais importante no campo econômico.
O Brasil estava em sintonia com o mundo no desenvolvimento de um conceito de justiça humana mais amplo. Na verdade, os instrumentos do Estado de Bem-Estar incluíam o auxílio a países subdesenvolvidos, bem como as agências funcionais da Organização das Nações Unidas, dedicadas à melhoria da saúde, dos padrões de trabalho e da educação, trouxeram o ideário dessa realização. De igual forma, o estreitamento do comércio bilateral com os Estados Unidos consolidou uma política de integração do bloco alinhado comercialmente à grande potência ocidental. O saldo de transações com o estrangeiro, pois, nesse período áureo, foi favorável ao Brasil na ordem de US$645 milhões – para colocar essa cifra em termos de nível de desenvolvimento, o saldo a ser considerado como economia desenvolvida seria de pelo menos uma centena de bilhões de dólares.

O milagre brasileiro

Esse é um país que vai pra frente;
Ô Ô Ô Ô Ô;
Um país de gente unida e tão contente.
Ô Ô Ô Ô Ô;
Esse é um país que canta, trabalha e se agiganta.
é o Brasil do nosso amoooor !
Eu te amo, Meu Brasil, Eu te amo;
Meu coração, É verde, Amarelo, Branco, Azul anil;
Eu te amo, meu Brasil, Eu te amo;
Ninguém segura A juventude do Brasil !

De 1968 a 1974, a ditadura militar implantou um projeto econômico que tinha por finalidade promover a ascensão do Brasil como potência econômica mundial. A visão megalomaníaca dos generais incluía a transamazônica, a hidrelétrica de Itaipu e as usinas nucleares de Angra I e II. Talvez esses tenham sido os maiores erros de projetos de infra-estrutura na história do país. A considerar as dimensões continentais do Brasil, seria mais racional e economicamente distributivo regionalmente a construção de pequenas e milhares de unidades produtoras de energia por todo território, para prover o fornecimento sustentado e barato de energia. De igual forma, ao invés de cortar a selva amazônica com imensas estruturas anti-econômicas, mais viável teria sido a construção de interligação de malha viária em toda região norte do país.

Planos Econômicos

“Nas ciências humanas, cada escola consagra o essencial de sua energia a mentir sobre o pensamento da outra para criticá-la: os leninistas fazem dos teóricos socialistas os aliados do capital; os economistas matemáticos tratam os outros como charlatões de citações falaciosas; os psicanalistas não aceitam, sem considerar injuria difamatória, que outros venham refletir no seu terreno.

Na política interna, cada partido proclama que quer governar com o outro, quando toda união eleitoral é, na realidade, uma estratégia para substituir o outro.
Na política estrangeira, as grandes potências fazem acreditar que não se toleram, quando querem somente manter sua hegemonia sobre o mundo pelo medo que um confronto inspira as outras nações.
Na economia, a mentira é mais que nunca a regra necessária no jogo do tempo: mente-se sobre a distribuição da riqueza, para fazer aceitar a desigualdade; mente-se sobre a qualidade das mercadorias, para fazer acreditar que elas podem satisfazer todas as aspirações que a publicidade lhes embalam; mente-se sobre as causas da crise, para fazer aceitar as conseqüências; mente-se sobre o calor da moeda, para fazer suportar a dominação econômica; os governos mentem sobre as ações que conduzem, ao dizerem que lutam contra a inflação, quando esta é a condição necessária do frágil consenso das sociedades ditas liberais”. Jacques Attali in Le Monde 1985.
A partir de 1986, governos diversos implantaram planos de estabilização econômica, cujo objetivo era sempre eliminar a inflação e criar condições para um desenvolvimento auto-sustentado. Os resultados guardaram correspondência com a mentalidade pífia de seus respectivos conteúdos, para não dizer que se tratavam de peças acadêmicas de proficiência duvidosa.

Em 1986, foi implantado o plano Cruzado, com o ideário de mudança da moeda de cruzeiro para cruzado, congelamento de preços e salários, extinção da correção monetária, seguro-desemprego e o gatilho salarial para reajuste automático dos salários toda vez que a inflação atingisse certo nível. No começo, as donas de casa, principalmente, viraram as fiscais do Sarney, na vigilância diária dos preços dos produtos. Muita gente foi pega de calças curtas no mercado e faliram. O plano não deu certo, porque a economia não se rege por Lei, a regência fica no mercado e na atuação honesta e equilibrada das contas do governo.

Em 1987, caiu a bomba do plano Bresser: congelamento de preços e salários – de novo!; aumento de tarifas públicas e extinção do gatilho salarial. Em 1989, nova bomba econômica com plano Verão: privatizou empresas estatais e demitiu funcionários. Em 1989, a grande bomba do plano Collor: confisco temporário dos depósitos bancários e aplicações financeiras, volta do cruzeiro como moeda, congelamento de preços, reformulação do cálculo da correção monetária, demissão de funcionários, fechamento de órgãos públicos, privatização de estatais. 1994 – não era o livro nem o filme -, a última bomba em Brasília: o plano Real: cortar de gastos públicos, acelerar o processo de privatização das estatais, controlar a demanda por meio da elevação dos juros e pressionar diretamente os preços pela facilitação das importações. Nunca se vendeu tanta empresas estatais em leilões.

Escândalos Econômicos

HC 80612 / PR – PARANÁ - HABEAS CORPUS
Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES
Julgamento: 13/02/2001 Órgão Julgador: Primeira Turma - STF
Publicação: DJ DATA -04-05-01 PP-00005 EMENT VOL-02029-04 PP-00691
EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. JURISDIÇÃO. COMPETÊNCIA. PACIENTE (DEPUTADO ESTADUAL) DENUNCIADO POR CRIME PREVISTO NO ART. 19 DA LEI Nº 7.492, DE 16.06.1986: OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO EM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA MEDIANTE FRAUDE. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. CLASSIFICAÇÃO DO DELITO. "HABEAS CORPUS". 1. Compete à Justiça Federal o processo e julgamento de ação penal por crime contra o Sistema Financeiro Nacional, nos casos determinados em lei (art. 109, VI, da C.F. de 1988), como é o caso da obtenção de financiamento em instituição financeira, mediante fraude (artigos 19 e 26 da Lei n 7.492, de 16.06.1986. Precedente: R.T.J. 129/192, de 03.03.1989. 2. Quanto a ser imputável, em tese, ao paciente, no caso, o crime de duplicata simulada (art. 172 do Código Penal); 3. E, em se tratando de Deputado Estadual, que está sendo acusado de prática de crime contra o Sistema Financeiro Nacional, da competência da Justiça Federal, sua prerrogativa de foro submete-o ao Tribunal Regional Federal - e não ao Tribunal de Justiça do Estado, como vem decidindo esta Corte, em inúmeros precedentes (inclusive de Prefeitos Municipais). 4. "Habeas Corpus" indeferido.

HC 81852 / RS - RIO GRANDE DO SUL
HABEAS CORPUS
Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA
Julgamento: 23/04/2002 Órgão Julgador: Segunda Turma
Publicação: DJ DATA -14-06-2002 PP-00158 EMENT VOL-02073-04 PP-00635

EMENTA: - Habeas corpus. Trancamento da ação penal n.º 1999.71.05.004574-0, em trâmite na 1ª Vara Federal de Santo Ângelo (RS). Crime contra o Sistema Financeiro Nacional - art. 20 da Lei n.º 7.492/86 - desvio de finalidade.
2. Liminar indeferida.
3. Não serve o Habeas corpus como instrumento ao exame aprofundado de provas. Trancamento da ação penal por atipicidade, não restou demonstrado. Acórdão que destacou expressamente que o delito do art. 20 da lei 7.492/96 admite o concurso de pessoas, tanto na forma de co-autoria quanto de participação "e que nada impede que os pacientes respondam, como funcionários da instituição financeira responsáveis pela liberação da verba, na qualidade de participes do crime em questão, bastando, para tanto, que se avalie da intenção dos mesmos, já que o dolo é o elemento subjetivo do tipo".
4. Habeas corpus indeferido.


MS 23480 / RJ - RIO DE JANEIRO
MANDADO DE SEGURANÇA
Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE
Julgamento: 04/05/2000 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação: DJ DATA- 15-09-00 PP-00119 EMENT VOL-02004-01 PP-00061

Ementa:
Comissão Parlamentar de Inquérito: MS contra decisão de CPI que decretou a indisponibilidade de bens e a quebra de sigilos do impetrante: procedência, no mérito, dos fundamentos da impetração, que, no entanto, se deixa de proclamar, dado que o encerramento dos trabalhos da CPI prejudicou o pedido de segurança. 1. Incompetência da Comissão Parlamentar de Inquérito para expedir decreto de indisponibilidade de bens de particular, que não é medida de instrução - a cujo âmbito se restringem os poderes de autoridade judicial a elas conferidos no art. 58, § 3º - mas de provimento cautelar de eventual sentença futura, que só pode caber ao Juiz competente para proferi-la. 2. Quebra ou transferência de sigilos bancário, fiscal e de registros telefônicos que, ainda quando se admita, em tese, susceptível de ser objeto de decreto de CPI - porque não coberta pela reserva absoluta de jurisdição que resguarda outras garantias constitucionais -, há de ser adequadamente fundamentada: aplicação no exercício pela CPI dos poderes instrutórios das autoridades judiciárias da exigência de motivação do art. 93, IX, da Constituição da República. 3. Sustados, pela concessão liminar, os efeitos da decisão questionada da CPI, a dissolução desta prejudica o pedido de mandado de segurança.

MI 470 / RJ - RIO DE JANEIRO - MANDADO DE INJUNÇÃO
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO
Julgamento: 15/02/1995 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação: DJ DATA- 29-06-2001 PP-00035 EMENT VOL-02037-01 PP-00090

E M E N T A: MANDADO DE INJUNÇÃO - NATUREZA JURÍDICA - TAXA DE JUROS REAIS (CF, ART. 192, § 3º) - OMISSÃO DO CONGRESSO NACIONAL - FIXAÇÃO DE PRAZO PARA LEGISLAR - DESCABIMENTO, NO CASO - WRIT DEFERIDO EM PARTE. - A regra inscrita no art. 192, § 3º, da Constituição, por não se revestir de suficiente densidade normativa, reclama, para efeito de sua integral aplicabilidade, a necessária intervenção concretizadora do Poder Legislativo da União. Inércia legiferante do Congresso Nacional. - O desprestígio da Constituição - por inércia de órgãos meramente constituídos - representa um dos mais tormentosos aspectos do processo de desvalorização funcional da Lei Fundamental da República, ao mesmo tempo em que, estimulando gravemente a erosão da consciência constitucional, evidencia o inaceitável desprezo dos direitos básicos e das liberdades públicas pelos poderes do Estado. O inadimplemento do dever constitucional de legislar, quando configure causa inviabilizadora do exercício de liberdades, prerrogativas e direitos proclamados pela própria Constituição, justifica a utilização do mandado de injunção. - Não se revela cabível a estipulação de prazo para o Congresso Nacional suprir a omissão em que ele próprio incidiu na regulamentação da norma inscrita no art. 192, § 3º, da Carta Política, eis que essa providência excepcional só se justificaria se o próprio Poder Público, para além do seu dever de editar o provimento normativo faltante, fosse, também, o sujeito passivo da relação de direito material emergente do preceito constitucional em questão. Precedentes. Deferido em parte para que se comunique ao Congresso Nacional a mora da omissão.

HC 70778 / PA - PARA
HABEAS CORPUS
Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES
Julgamento: 08/03/1994 Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
Publicação: DJ DATA- 06-05-1994 PP-10488 EMENT VOL-01743-04 PP-00581
Ementa: Direito Penal e Processual Penal. Crimes contra o sistema financeiro nacional (artigos 4., 5. e 10 da Lei n. 7.492, de 16.06.1986). "Habeas corpus". Alegações de: 1.) arquivamento do inquérito administrativo do Banco Central, no qual, ademais, não se observou o principio constitucional do contraditório; 2.) falta de notificação para resposta escrita (art. 514 do Código de Processo Penal); 3.) falta de justa causa para a ação penal. Alegações repelidas. "H.C." indeferido. 1. Preenchendo a denúncia os requisitos legais, de modo a ensejar ampla defesa, apoiada, ademais, em elementos informativos suficientes, sobre fatos que, em tese, caracterizam condutas típicas, não e de se reconhecer a falta de justa causa para a ação penal. 2. Não reproduzidas, por inteiro, nos autos de "habeas corpus", as pecas em que se apoiou o Ministério Público, para oferecer a denúncia, reunidas em treze volumes, não se pode concluir, com os documentos trazidos com a impetração, se, no inquérito administrativo, foi, ou não, observado o principio do contraditório. 3. Bastava, ademais, ao Ministério Público, para oferecer a denuncia, a existência de "notícia criminis", com os elementos informativos nela contidos, não ficando sua atuação obstada pelo arquivamento do inquérito administrativo. 4. A alegada reparação dos prejuízos não elide eventual responsabilidade penal. 5. Não sendo os pacientes funcionários públicos, não precisavam ser notificados para a resposta escrita, no prazo de 15 dias, como previsto no art. 514 do C.P. Penal. 6. Ordem denegada.

O governo brasileiro tem se especializado em cada coisa que dificulta a criatividade de escritores e ficcionistas da melhor qualidade. Em matéria de cobrir rombos de instituições financeiras resta imbatível na criação de instrumentos e mecanismos para tentar justificar o uso de dinheiro público arrecadado com muita voracidade e progressividade do bolso do contribuinte. Coroa Brastel, Sulbrasileiro, Comind, Auxiliar, Maisonave, Econômico e Nacional, entre outros, têm histórias muito semelhantes: a falência das instituições provocada por rombos de milhares de dólares, nenhum controlador ou membro do conselho de administração punido e o “socorro” financeiro do governo.

A investigação efetivada no Grupo Coroa-Brastel pela Justiça concluiu que houve várias irregularidades, apontadas por inspetores do próprio Banco Central, como a insuficiência de capital de giro para cobrir os seus financiamentos e as suas obrigações perante investidores em letras de câmbio. Os técnicos do “Idi Amim Dadá” – como era chamado aquele prédio de arquitetura peculiar -, verificaram também a existência de um “caixa 2” do grupo e a emissão de títulos de crédito em duplicidade, que seriam vendidos em diferentes regiões do País. Em 1981, o BC, mesmo sabendo dessas irregularidades, suspendeu a fiscalização das atividades do Grupo. Consta de um relatório do Tribunal Regional Federal que os motivos apontados pelo Banco foram a obediência a “ordens de escalões superiores.”

O caso do Banco Nacional é emblemático: a Polícia Federal concluiu as investigações e apontou que o rombo no banco havia chegado a R$ 9,2 bilhões entre 88 e 95, e verificou uma receita fictícia de R$ 16,9 bilhões no mesmo período. O governo, através do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro – PROER -, em 1995, cobriu o rombo. No caso do Econômico, o BC interveio em agosto de 95 e apontou que a dívida do banco era 16% superior ao seu patrimônio líquido (R$ 723,618 milhões). Quando este banco quebrou, o governo socorreu a instituição com os recursos do – ADVINHA! -, Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro, como já havia feito com o Banco Nacional.

Quando foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar “eventuais” irregularidades relacionadas com transações de entidades financeiras, o relatório final da CPI dos Precatórios argumentou que o esquema foi montado por "setores político e financeiro nacionais" com finalidade de "obter recursos através de fraudes, com a sonegação de impostos e legalização disfarçada da propriedade". A "contrapartida" do governo para os banqueiros e seus escândalos foi o PROER, em 1995. Com o Programa foram gastos R$121,9 bi para resolver os problemas criados pelos controladores do Econômico, Nacional, Bamerindus, Mercantil de PE, Banorte, United e Martinelli.

Para fechar esse capitulo com chave de ouro, anota-se a ação do Partido dos Trabalhadores nessa matéria, conforme o seguinte julgado:

ADI 1376 MC / DF - DISTRITO FEDERAL
MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO
Julgamento: 11/12/1995 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação: DJ DATA-31-08-01 PP-00035 EMENT VOL-02041-01 PP-00165

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.179/95, QUE DISPÕE SOBRE MEDIDAS DE FORTALECIMENTO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. PARCIAL REEDIÇÃO PELA DE Nº 1.214/95. ALEGADA INCOMPATIBILIDADE COM O ART. 192, CAPUT, ART. 150, § 6º, E ART. 5º, XX, CF/88 E, AINDA, COM OS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DO ATO JURÍDICO PERFEITO. PEDIDO ACOMPANHADO DE REQUERIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR. Ausência de plausibilidade da tese: - em primeiro lugar, por ter-se limitado a definir, no art. 1º e parágrafos, os contornos de programa criado por ato do Conselho Monetário Nacional, no exercício de atribuição que lhe foi conferida pela Lei nº 4.595/64 (art. 2º, inc. VI), recebida pela Carta de 88 como lei complementar; - em segundo lugar, tendo em vista que o art. 2º e seus incisos e parágrafos, ainda que houvessem instituído tratamento tributário privilegiado às fusões e incorporações, o fizeram sem afronta ao art. 150, § 6º, da CF/88, posto que por meio de lei editada para esse fim, a qual, por isso, não pode deixar de ser considerada específica, como exigido pelo referido texto; - e, por fim, considerando que o art. 3º, ao afastar a incidência, nas incorporações e fusões, do art. 230 da Lei 6.404/76, referiu norma legal cuja vigência se acha envolta em séria controvérsia, circunstância por si só capaz de lançar dúvida sobre a questão de saber se concorre, no caso, o pressuposto da relevância do fundamento do pedido. Registre-se, ainda, que escapa à competência do Poder Judiciário a apreciação do requisito de urgência previsto no art. 62 da CF/88 para a adoção de medida provisória, conforme jurisprudência assente do STF. Medida cautelar indeferida. Observação
VOTAÇÃO: Por maioria, na preliminar de conhecimento do agravo regimental, vencido o Min. Marco Aurélio; por maioria, quanto ao conhecimento, em parte, da ADI e quanto ao indeferimento da liminar, vencidos, em parte, os Mins. Marco Aurélio, Celso de Mello e Néri da Silveira; unânime, quanto ao conhecimento da ação, na parte em que houve alteração do conteúdo da medida provisória em sua reedição.

RESULTADO: Não conhecido o agravo regimental; conhecida, em parte, a ação direta, e nesta parte, indeferida a medida liminar; não conhecida a ação direta, quanto a parte da norma em que houve alteração do conteúdo na reedição da medida provisória.

ACÓRDÃOS CITADOS: ADI 4 (RTJ 147/719)
N.PP.: (32). Análise: (CMM). Revisão: (AAF).
Inclusão: 04/10/01, (MLR).
Alteração: 05/10/01, (MLR).

REQTE. : PARTIDO DOS TRABALHADORES - PT
REQDO. : PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Liberalismo

Nesse período de 1945 a 2003, Lula da Silva assistiu a um Estado assistencialista, corporativista, cartorário, e submetido, com raríssimas exceções, a interesses de grupos financeiros de forte influência sobre as decisões governamentais, a expensas do desenvolvimento sustentado do Brasil. Nenhuma das medidas econômicas se revelou, ao longo do tempo, eficaz no saneamento do alto endividamento do Estado, com o conseqüente aumento da carga tributária sobre o setor produtivo e a classe média. Nenhum governo, outrossim, foi combatido pelo povo em geral contra adoção de seus mirabolantes pacotes. Ao contrário, a população sempre deu voto de confiança ao governante para que ele implementasse a medida dita saneadora, a acreditar que seria um remédio amargo, mas curativo.

Em nome do liberalismo, da modernização, da redução da divida interna, do barateamento dos preços de serviços concessionários e outras soluções espetaculares, houve a privatizações de empresas estatais em larga escala. Em seguida, o que se assistiu foi um encarecimento desses serviços – dá medo usar o telefone hoje. E o pior: as empresas ou grupos econômicos que compraram as concessões estão indo buscar no BNDS os recursos que se comprometeram a investir na tal modernização - tinha um personagem interpretado pelo querido Jô Soares na televisão que desmascarava os engodos políticos e dizia: E EU ACREDITEI !!!

Virar as costas para o consumidor, então, vira questão afeta ao judiciário. O grande plano de estabilização econômica com adoção da paridade cambial frente ao dólar virou atentado contra o pudor. Os bancos ofereceram financiamento de veículos e equipamentos, especialmente na modalidade de leasing, com reajuste de acordo com a variação cambial. No mês da aquisição de um determinado bem, em dezembro de 1998, o Dólar mantinha uma variação compatível com os demais indexadores (INPC, IGPM, IPC, TR, etc) da economia brasileira. Todo brasileiro acreditou que o governo tinha colocado o Brasil num patamar de estabilidade. No entanto, mudanças na política econômica nacional determinaram o fim das Bandas Cambiais, o que elevou o valor do Dólar a patamares muito além das oscilações dos demais indexadores da economia, ou seja, o Dólar subiu de R$1,20 em dezembro, para R$2,07 em 01/02/99.

Tal situação elevou o custo da prestação a ser paga pelos consumidores, de tal forma a tornar o contrato oneroso demais para a parte mais fraca. Por exemplo, um valor a ser pago no dia 21 de fevereiro de 1999, corrigido pelo Dólar a R$2,07, passou de R$519,80 para R$1.076,12. E o que o governo fez? Disse: isso é problema seu, do Roberto Carlos e das baleias. O que o Judiciário fez? Concedeu uma liminar para que os consumidores pagassem as prestações reajustadas pelo INPC e depois julgaria o mérito da questão: será que na conformidade do inciso IV do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, ele terá direito a modificar a cláusula de reajuste do contrato firmado, em razão de fatos supervenientes terem modificado a essência do avençado no que concerne ao ônus excessivamente passado ao consumidor? Se prevalecer a “lógica” do liberalismo implantado no Brasil, a resposta será não.


Mundo

Guerra Fria


"Uns dizem que o mundo terminará devido ao fogo, outros dizem que ao gelo. Do que já saboreei do desejo apóio os que estão a favor do fogo. Porém, se tivesse que perecer duas vezes, creio que conheço o suficiente da ira para dizer que a destruição pelo gelo também é estupenda e bastaria." Robert Frost in Fogo.

Após a segunda guerra mundial, as relações internacionais tomaram um formato de contraste e confronto. De um lado, os pobres e os ricos; do outro, rivalidades entre ricos e fortes. Há também quem fale em relação norte-sul e leste-oeste. De qualquer forma, o mundo passou a viver sob a tensão que o confronto entre as duas grandes potências, Estados Unidos e União Soviética, pudesse causar a humanidade, pois o horror das armas nucleares a disposição delas e a corrida armamentista representavam uma ameaça concreta.

O mundo dividiu-se também em capitalistas e comunistas, com conseqüente alinhamento dos paises a um bloco de afinidades ideológicas ou de dependência econômica. Os chamados países não-alinhados mais se pareceram com noivas que fingiam ainda serem virgens. Nesse entrechoque, estava em questão a prevalência de qual doutrina serviria para o futuro da humanidade.

A corrida espacial e a pesquisa de novas tecnologias foram armas que as superpotências utilizaram na propaganda de sua prevalência sobre a outra. No entanto, a África foi palco do verdadeiro sentido dessa dicotomia, em virtude de o movimento revolucionário de independência dos paises africanos em relação aos antigos impérios da Inglaterra, Holanda e França, mostrar que o alinhamento a uma ou outra superpotência, para conquista do progresso material ou a segurança social, desprestigiava a prevenção do poder arbitrário, ou a tolerância política.

1961


“ O ano de 1961 foi um verdadeiro marco na história mundial. A 12 de abril, o cosmonauta soviético, Major Yuri Gagarin orbitou em torno da terra em uma nave espacial, retornando em segurança... Com o homem no espaço, começou uma nova era... O mundo em 1961 estava se dirigindo para a cisão ou para a integração?... O efeito cumulativo da guerra fria, a revolução colonial, os triunfos da democracia e do Estado de bem-estar, o progresso da ciência, tudo isso deveria conduzir os povos cada vez mais ao padrão de vida estabelecido pela civilização ocidental... Nenhum deles pode controlar os acontecimentos conforme gostaria...” David Thomson in Pequena História do Mundo Contemporâneo..

A antiga República Democrática da Alemanha (RDA) construiu, em 1961, um muro fortificado de 47 km de comprimento que cercava Berlim Ocidental, para evitar a fuga dos seus cidadãos para o ocidente. A alegada intenção do governo era uma medida antifascista para evitar a invasão por parte da República Federal da Alemanha, mas na verdade foi erguido para manter separada a população da RDA. Qualquer semelhança, em 2003, com a construção do muro de Israel será mera coincidência? Naquela época, a RDA tinha o apoio da URSS...

Em 1961, Salazar, de Portugal, esmagou com violência e crueldade os protestos coloniais; a França reagiu violentamente a ameaça da Tunísia a base naval de Bizerta; O Reino Unido lutava para evitar a divisão econômica da Europa (CEE – AELC) ao mesmo tempo que tornavam-se independentes Africa do Sul, Serra Leoa, Tanganica (1961), Em que pese a generalização de conflitos no tier monde, a paz em 61 era menos precária que na década anterior. Brasil, Egito, Índia, Gana, Tunísia, em setembro de 1961, proclamavam-se independentes e não alinhados e discutiam os problemas mundiais e a tensão leste-oeste por causa de Berlim. As agencias de desenvolvimento, FMI, FAO, BID, entre outros constaram da pauta de discussões, para reivindicações comuns.
Digno de nota ainda, a criação da Anistia Internacional, organização humanitária de caráter privado, com atuação internacional, que luta de forma imparcial pela libertação de prisioneiros, ou seja, de todas as pessoas encarceradas ou submetidas a maus-tratos devido a suas crenças políticas ou religiosas. O movimento foi fundado em 1961 pelo advogado inglês Peter Benenson. Se pretendermos hoje responder a questão de David Thonsom sobre o encaminhamento de cisão ou integração dos movimentos de 1961, somos tentados a optar pela segunda opção, porque o mal ordenado sistema de organizações que se superpunham desde então valeu no fundo como uma cultura de atitudes globais com a tendência de cooperação mundial.

1968

“A idéia é de que a violência é a única coisa que fica. Qualquer que seja o regime. Para os estudantes que são jovens e que acham que ainda não entraram no sistema preparado para eles por seus pais, e que não querem entrar. Em outras palavras, eles não aceitam concessões, não querem que as coisas sejam arranjadas e que suas pequenas reivindicações sejam atendidas apenas para encurralá-los e enquadrá-los, fazendo com que em 30 anos se transformem neste indivíduo gasto que é o seu pai". Jean-Paul Sartre sobre 1968.

Em 1968, uma forte mobilização entre os estudantes franceses, a partir de críticas a incapacidade do sistema universitário para introduzir no mercado de trabalho um número cada vez maior de estudantes formados, e aliados a diversos grupos, inspirados pelas ideologias anarquista, trotskista e maoísta, manifestaram sua oposição à sociedade capitalista e ao consumismo. Estudantes de sociologia da Universidade de Nanterre, próxima a Paris, foram os mais ativos na reivindicação de a universidade dever converter-se no centro da revolução contra o capitalismo; a ocupação do campus provocou o fechamento da universidade no final de abril, razão pela qual eles resolveram se reunir na Sorbonne. A universidade solicitou a intervenção da polícia que os reprimiu duramente, e foi acusada de violar a autonomia da instituição e sua condição de meio onde se pode expor com total liberdade qualquer expressão. A reação dos estudantes e professores foi convocar uma greve geral atendida pelos sindicatos operários. Nove milhões de trabalhadores atenderem à convocação liderados pela CGT.

O movimento de maio de 1968 na França foi de início uma manifestação contra o regime gaullista. Foi o auge da Liga Comunista Revolucionária francesa durante o chamado Maio de 1968, quando a IV Internacional teve um novo impulso, de orientação trotskista. O movimento repercutiu em várias cidades de todo o mundo. Na América Latina também surgiram destacadas formações afins ao trotskismo, como o Partido Operário Revolucionário Boliviano e o grupo guerrilheiro argentino Exército Revolucionário do Povo. Entre as várias manifestações ocorridas no Brasil, destaca-se a Passeata dos cem mil, que reuniu estudantes, intelectuais, trabalhadores e artistas em contestação ao governo instalado e a ditadura a partir do golpe militar de 1964. Outrossim, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e a Aliança Libertadora Nacional, liderada por Carlos Marighela, propunham a orientação trotskista nos moldes estabelecidos na França.

“1968 é um redemoinho de imagens — atravessando a neblina do tempo. Um mundo em movimento, conflitos, projetos e sonhos de mudanças, gestos de revolta, lutas apaixonadas: revolução nos costumes, na música, nas artes plásticas, no comportamento e nas relações pessoais, no estilo de vida, e nas tentativas novas não apenas de derrubar o poder vigente mas de propor uma relação diferente entre a política e a sociedade. O que se questiona — de modo confuso e vago — é a articulação da sociedade e suas grandes orientações, seus propósitos, seu modo de ser: trata-se de mudar de sociedade e de vida”.
Reis Filho, Daniel Aarão; Moraes, Pedro in 68 paixão de uma utopia.

Anos 70

“Louise Joy Brown, o primeiro bebê de proveta, veio ao mundo por cesariana, em 25 de julho de 1978, às 23:47 horas, no Oldham and District General Hospital, de Manchester (Inglaterra). Dois cientistas britânicos reuniram óvulos e espermatozóides num tubo de ensaio. Os pais da criança, Lesley Brown, de 30 anos, e seu marido, Gilbert John Brown, de 38, haviam tentado ter um filho, sem sucesso, pois a trompa de falópio da mãe estavam obstruídas. Por isso, o casal decidiu consultar dois especialistas que pesquisavam a fecundação in vitro. O ginecologista Patrick C. Steptoe e o fisiologista Robert G. Edwards extraíram, recorrendo a técnicas especializadas, um óvulo de Lesley Brown e o fecundaram com o sêmen de seu marido. Ao fim de dois dias e meio, introduziram no útero da mãe um embrião de oito células”. Revista Manchete 12/01/80.

Os anos 70 tiveram dois impactos econômicos causados pelos aumentos do preço internacional do petróleo em 1973 e 1979, manipulados pela OPEP (Organização dos Produtores e Exportadores de Petróleo), como forma de pressão contra os que apoiavam Israel, a partir da guerra de Yon Kippur, em 73.

Esses movimentos promoveram a ampla discussão não só no campo político, mas, também, sobre as alternativas energéticas a serviço das estratégias de desenvolvimento e riqueza dos povos, com favorecimento para a tecnologia de enriquecimento de urânio na produção civil.

No entanto, foi a revolução islâmica de 1979, patrocinada pelo aiatola Khomeini, que alterou o panorama da história, porque se impunha contra os fundamentos da civilização ocidental: a democracia e o Estado secular. Em 1973, 36 paises eram de maioria mulçumana; em 2003, são 1,3 bilhões de fiéis no mundo.

Mas nada chamou tanta atenção da mídia quanto o Watergate. Em novembro de 1972, o candidato republicano Richard Nixon ganhou pela segunda vez as eleições presidenciais nos Estados Unidos. Alguns meses antes, cinco homens tinham sido detidos no quartel-general eleitoral do Partido Democrata, no edifício Watergate, em Washington. Quando descobertos, foram flagrados com câmaras e microfones, e tidos como suspeitos por serem antigos membros do FBI e da CIA, e naquele momento eram colaboradores de Nixon na campanha eleitoral. A partir daí, multiplicaram-se as suspeitas de que o próprio presidente estivesse implicado no caso. Em particular, as investigações posteriores dos repórteres Robert Woodward e Carl Bernstein, do jornal Washington Post, revelaram informações decisivas. Dessa forma se iniciou o maior escândalo de política interna na história dos Estados Unidos. Depois de um trabalho investigativo de dois anos, o Senado declararia a culpa do presidente, mas Nixon renunciou e evitou de ser processado.
Queda do Muro de Berlim


"Hoje, os trabalhadores que foram leais à causa, livrando-se do jugo do capital, podem chamar-se comunistas. Em todo o mundo cresce a união dos comunistas. O poder soviético já triunfou em vários países. Logo presenciaremos a vitória do comunismo em todo o mundo; presenciaremos a fundação da República Federada Mundial dos Soviets". Lenin, Vladimir Ilitch Ulianov. 1917.

O fato mais simbólico a que talvez Lula da Silva tenha assistido, no período em tela, foi a queda do muro de Berlim, em 1989, por se tornar um símbolo da queda dos regimes comunistas do leste europeu – nem o ataque terrorista a Nova York em 11 de setembro de 2001 causou tanto impacto para o que vinha a ser o mundo a partir da reunificação das duas Alemanhas, como forma de sinalizar mudança de uma era e mudança de comportamentos políticos e econômicos. Esses dois fatos históricos revelam naturezas distintas, o primeiro representou um movimento em favor de uma unificação entre semelhantes para a construção de uma sociedade livre, civilizada e democrática. O segundo recorreu a sinistra força terrorista para combater o inimigo que o considera do eixo do mal, sem que essa atitude de terror possa encaminhar qualquer discussão sobre o respeito a individualidades.

Globalização


“A guerra e a luta de classes jamais nos abandonaram desde que as primeiras civilizações primitivas, há cinco ou seis mil anos, e sempre foram graves doenças. Das quase vinte civilizações conhecidas pelos ocidentais modernos, todas elas, salvo a nossa, aparecem como mortas ou moribundas; e quando diagnosticamos cada caso, in extremis ou post mortem, constatamos, invariavelmente, que a causa da morte ou foi a guerra ou a luta de classes ou ambas, combinadamente... Que teremos de fazer para salvar-nos? Em política, estabelecer um sistema constitucional corporativo de governo mundial. Em economia, encontrar um modus vivendi entre a livre empresa e o socialismo; na vida do espírito, restabelecer a superestrutura secular sobre fundações religiosas”. Arnold Joseph Toynbee in Estudos de Historia Contemporânea.

Ainda que sejamos extremamente céticos com relação às filosofias da história derivadas de um suposto padrão do passado, bem como evitamos basear análises sobre o futuro nas teorias cíclicas e repetitivas da história, parece-nos que os desacertos dos movimentos ideológicos e os choques de crenças entre civilizações encaminham ou favorecem a globalização desde, por exemplo, da aventura dos navegadores portugueses e espanhóis, que redundaram na conquista colonial das Américas. Atitudes globais, pois, já estavam em voga como processo de pacificação mundial também em 1948 por meio da Nações Unidas, ou seja, não há muita novidade nessa história.

Na economia, todavia, um dos efeitos da globalização, em contraste com as décadas passadas, quando se julgava necessário introduzir controles e restrições para disciplinar, nos mercados internos, as atividades das multinacionais, na década de noventa, principalmente, consiste em os países em desenvolvimento reformularem políticas comerciais e econômicas para oferecer um ambiente doméstico atraente para os investimentos externos, os quais se fazem necessários para complementar as suas taxas internas de poupança, geralmente insuficientes. Em outros termos, o livre trânsito dos capitais sem pátria são filhos globais importantes na dinâmica das relações comerciais internacionais ou globalizadas. Esse fenômeno, no entanto, não reside apenas num palco econômico ao redor do mundo, mas, sim, justifica-se pela abrangência em diversos seguimentos da atuação humana.

Globalização também lembra Bill Gates. Como viabilizar comunicação, transações econômicas, relações internacionais ágeis sem a tecnologia de processamento digital? Telefone? Televisão? Tudo muda com a era digital. A cultura, por exemplo, muda pelo processo de globalização de diferentes maneiras, pois há uma tendência à diversidade cultural e ao triunfo de um cosmopolitismo que rompem fronteiras, seja para afirmar o metrossexual ou a carreira da mulher contemporânea. A informação não tem uma origem local única e se difunde de um modo muito rápido por todo o mundo. O turismo do desejo e o lazer sem fronteiras aumentam a níveis jamais concebidos. Os instrumentos de universalização e conexão cultural, como a Internet, se multiplicam e proporcionam a concepção de novas formas de aprendizagem, como evidenciamos no Tratado sobre a Burrice ao alcance de todos.

Mudanças

“Até bem pouco tempo, a genética se apresentava essencialmente como portadora de esperanças: as novas linhagens de sementes de alta produtividade prometiam, num futuro não muito distante, resgatar a humanidade das agruras da fome. Tal imagem estava perfeitamente de acordo com a visão glorificadora do desenvolvimento econômico, científico e tecnológico que caracterizou o nosso passado recente – para alguns o ápice do modernismo”. Francisco Correia in História, Ciências, Saúde: Manguinhos.

Da revolução cubana inspirada e co-dirigida por Ernesto Che Guevara a Cuba de hoje, muita coisa mudou na terra de Fidel e no mundo. A ilha de Castro já não inspira mais a luta armada para combater os imperialistas. Resta o saudosismo do revolucionário romântico: hay que endurecer, pero perder la ternura, jamas! Os charutos são ainda um símbolo de excelência como a medicina popular. O resto parece parado no tempo, por causa suplementar do embargo americano sobre a economia da ilha. O mundo, por se turno, ficou mais agitado, competitivo, globalizado, violento. Os americanos no Vietnã, os holandeses na Indonésia, os franceses na Indochina, os ingleses na Malásia e no Quênia, e assim por diante, tornaram-se conflitos sem fronteiras e sem cara de inimigo, caráter aperfeiçoado com requinte de crueldade nas décadas seguintes pelos grupos terroristas: ETA, Al Qaeda, Al Fatar, Hezbollah, Sendero luminoso, Hamas, Jihad.

O que será do mundo sem João Paulo II, Yasser Arafat, Ariel Sharon e Fidel Castro? Talvez nada mude, mas pode amenizar. O radicalismo que cada um deles representa impede o diálogo mais ameno entre os povos. O Papa prega a posição católica contra o homossexualismo, o aborto, os métodos artificiais de reprodução humana e controle da natalidade e declara-se a favor do celibato sacerdotal. É contrário à secularização da Igreja, à ordenação das mulheres e à nomeação de sacerdotes para cargos oficiais. O Representante da OLP não tem mais controle sobre os grupos radicais Hamas e Jihad, além de incentivar a participação dos grupos islâmicos contra Israel, como tática de persuasão. O primeiro-ministro israelense personifica a vingança pessoal e a segregação racial em nome de uma perseguição histórica contra o povo judeu, quando constrói um muro que, no fundo, separa irmãos, os filhos de Abraão. O comandante cubano, há 44 anos no poder, não deixa o povo respirar democracia. Estamos falando de homens que restringem a diversidade e as diferenças como forma de convivência livre.

Na experiência humana, todavia, as idéias prevalecem sobre o autoritarismo e sobre as imposições recalcitrantes. A televisão, o cinema, o teatro, o livro, a pesquisa científica, todas as atividades mentais voltadas para a criação de novas realidades ou de novas perspectivas revigoram as mudanças condutoras para uma civilização que somos levados a acreditar mais tolerante e tecnologicamente mais eficaz: se substituímos os dinossauros, temos a conquista do universo a nossa frente. Em que lugar poderemos colocar os conflitos irracionais e sectários? Na poeira do avanço da poderosa civilização tecnológica. Não há nada de errado em mudar. Felizmente podemos mudar, como o fazemos hoje no fenômeno mundial da revitalização, seja no centro histórico de Beirute, seja na região da Luz em São Paulo, há de se melhorar.

Conclusão

Lula da Silva assistiu a seleção brasileira ser cinco vezes campeã mundial de futebol; Emerson Fittipaldi ser duas vezes campeão mundial de Formula 1, Nelson Piquet e Airton Senna, três vezes; Pelé ser eleito o maior atleta do século; Gustavo Kuerten chegar ao topo do ranking da ATP; as seleções brasileiras de basquete, futebol de salão e vôlei ganharem campeonatos mundiais; e uma infinidade de conquistas individuais da natação ao vôlei de praia, que, no conjunto, demonstra a evolução do esporte brasileiro, em que pese o pouco apoio do governo para um resultado ainda mais brilhante.

A impressionante evolução técnica e artística da tv brasileira; da agroindústria no centro-oeste; da medicina cirúrgica e diagnóstica; da aviação industrial; da tecnologia de prospecção e pesquisa de fontes alternativas de energia; entre outros desenvolvimentos promovidos pela comunidade científica, artística e intelectual do Brasil demonstram a capacidade de inovação e de criatividade a que Lula da Silva deve ter sido sensível no seu caminho de acumulação de informação sobre a produção desses setores, bem como sobre a existência de espíritos extremamente tenazes para a realização de pesquisas e de sonhos, em labor solitário, porque o incentivo tem sido minguado.

Lula da Silva assistiu à independência das colônias européias na África e na Ásia; à queda do comunismo; à derrota das ditaduras latino-americanas; ao atentado de 11 de setembro; dentre outras viradas como a sua própria.

Capítulo II

Líder Sindical


“ Aqui no Brasil, as pessoas mencionam para mim o exemplo de Abraão Lincoln como um exemplo de um homem que tentou a presidência várias vezes e perdeu, que era de origem humilde, mas se tornou um dos mais importantes presidentes dos Estados Unidos. Esse mito tem sido usado para inspirar-me a continuar minha candidatura a presidente. Muitas coisas aconteceram em minha vida sem eu nunca esperar. Eu nunca imaginei tornar-me líder sindical. Em 1970, eu comecei no movimento sindical. Por volta de 1978, eu tinha me tornado o mais importante líder sindical no país. Eu nunca tinha imaginado participar de política e em 1978 eu estava apoiando Fernando Henrique Cardoso para a eleição de Senador. Eu nunca imaginei me filiar a um partido político, mas em 10 de fevereiro de 1980, eu criei o Partido dos Trabalhadores. Eu nunca imaginei ser candidato sequer a vereador, e hoje sou Presidente da República”. Lula da Silva em entrevista.


O primeiro envolvimento de Lula da Silva, aos 21 anos, com o sindicalismo foi provocado por seu irmão José Ferreira da Silva, o Frei Chico. Em 1969, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema elegeu Lula da Silva para substituir um diretor demitido. Na eleição seguinte, em 1972, foi eleito primeiro secretário e responsável pela área de seguridade. Em 1975, foi eleito presidente do sindicato com 92% dos votos, ele representava cerca de 100.000 trabalhadores. Promoveu várias greves e chegou a ser preso por um mês, em razão repressão da ditadura militar, mas foi solto porque desencadeou uma onda de protestos ameaçadora.

Lula da Silva liderava as reivindicações por aumento salarial, participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, benefícios salariais indiretos como assistência à saúde, plano de cargos e salários, aumento de percentual remunerativo para sobrejornada, abonos de gratificação, e outras medidas que melhorassem a relação capital e trabalho.
Lula da Silva se tornava agente da história e posicionava-se diante dela:
10/10/1973: O líder estudantil brasiliense Honestino Guimarães, 26 anos, presidente da UNE, é preso no Rio e desaparece.
3/12/1973: A polícia do PR prende posseiros em luta pela terra em Palmital; 5 mortos durante o ano.
25/12/1973: Ataque do Exército à Guerrilha do Araguaia. Morrem Maurício. Ângelo Arroio escapa guiado pelo mateiro Zezinho.
15/1/1974: A anticandidatura da oposição, Ulisses-Barbosa Lima Sobrinho conta 76 votos no Colégio Eleitoral. O general Geisel tem 400.
23/1/1974: Início da censura prévia de comerciais de rádio e TV.
15/3/1974: O general Figueiredo assume a chefia do SNI.
18/3/1974: Preso Davi Capistrado, morto sob tortura.
20/6/1974: 5 estudantes da USP presos por distribuir panfletos.
6/7/1974: O Brasil fica em 4º na Copa do Mundo da Alemanha.
10/8/1974: Frei Tito de Alencar, cearense, 28 anos, suicida-se em Arbresele, França.
19/8/1974: Entrevista do dep. Chico Pinto sobre o gen. Pinochet leva à suspensão (até 85) da Rádio Cultura de Feira de Santana, BA.
6/9/1974: 1º Congresso dos Metalúrgicos de S. Bernardo, SP.
20/10/1974: Policiais de S. Paulo largam 91 menores infratores, nus, numa estrada de MG.
29/12/1974: Os Waimiri-Atroari de RR-AM matam 4 funcionários da Funai.
6/2/1975: O min. da Justiça de Geisel, Armando Falcão, dá sua versão sobre 27 desaparecidos. Exime o regime de toda culpa.
15/5/1975: Os teatros de S. Paulo fecham em repúdio à censura de Abajur Lilás, de Plínio Marcos.
7/7/1975: debate de temas como a dívida externa e a Constituinte no semanário Movimento.
25/10/1975: Torturado até a morte por asfixia, no Doi-Codi-SP, o jornalista da TV Cultura Wladimir Herzog, 38 anos. O Legista Harry Shibata atesta suicídio, sem ver o corpo.
6/11/1975: 8 mil homenageiam Wladimir Herzog, morto sob tortura. O ato ecumênico na Sé, S. Paulo, é o 1º protesto de massas desde o AI-5.
17/1/1976: O DOI-Codi-SP mata sob tortura o metalúrgico Manuel Fiel Filho. Os protestos que se seguem derrubam do comando do 2º Exército o gen. Ednardo Dávila Melo, tido como pró-torturas, no bojo da crise aberta pelas mortes de Herzog e Fiel Filho.
29/3/1976: Geisel cassa os deps. Nadyr Rosseti e Amaury Müller, ambos do MDB-RS.
1/4/1976: Geisel cassa o dep. Lisâneas Maciel (MDB-RJ) por "ofensas ao regime".
14/4/1976: Morre Zuzu Algel, mãe de Suart Algel, assassinado na tortura.
15/7/1976: Assassinado o pe Rudolf Lukebein, defensor das terras dos índios Bororo.
19/8/1976: Bombas da Aliança Anticomunista Brasileira (AAB) na OAB e ABI, Rio, e Cebrap, S. Paulo.
22/8/1976: Juscelino Kubitschek morre em acidente de carro na via Dutra, em circunstâncias nunca esclarecidas. Tem 74 anos, 12 da cassação de 1964. Seu sepultamento conta com 30 mil presentes.
10/9/1976: Geisel decreta estado "de segurança nacional" em 9 municípios do MT e AC.
17/9/1976: A censura apreende o semanário O Pasquim.
22/9/1976: A AAB (Aliança Anticomunista Brasileira) seqüestra e espanca d. Adriano Hipólito, bispo de Nova Iguaçu, RJ.
11/10/1976: PM mata a tiro o pe Burnier, da missão de S. Félix, MT.
15/10/1976: CNBB pede justiça para o assassínio de padres.
26/10/1976: O gen. Geisel admite ao arcebispo de Juiz de Fora, d. Penido, a existência de torturas.
6/12/1976: Bomba da AAB (Aliança Anticomunista Brasileira) na Editora Civilização Brasileira.
6/12/1976: Morre do coração (na Argentina) o ex-pres. João Goulart, 58 anos. Termina um longo e torturado exílio. O enterro em S. Borja, RS, tem 30 mil presentes.
8/12/1976: A CNBB denuncia a tortura do pe Florentino Maboni, preso por 27 dias em Belém, PA.
16/12/1976: Chacina da Lapa (S. Paulo): o 2º Exército fuzila dentro de casa Pedro Pomar e Ângelo Arroio, e mata na prisão Batista Drumond, dirigentes do PC do B.
25/1/1977: O min. Armando Falcão contesta manifesto de 1.046 intelectuais pelo fim da censura.
2/2/1977: Geisel cassa o ver. Glênio Perez (MDB-Porto Alegre) por seu discurso de posse.
8/2/1977: A 15ª assembléia da CNBB, em Itaici, SP, aprova texto de crítica à ditadura.
15/2/1977: Geisel cassa o ver. Marcos Klassman (MDB-Porto Alegre) por seu discurso de posse.
15/2/1977: O min. do Trabalho intervém no Sindicato dos Estivadores de Santos, SP.
16/2/1977: A Comissão Internacional de Juristas Católicos denuncia torturas no Brasil.
16/2/1977: Marcos Cardoso, do MDB Jovem-RS, relata torturas que sofreu da polícia.
24/3/1977: Sem obter de Geisel garantias para os juízes e habeas corpus para crimes políticos, o MDB decide se opor à reforma do Judiciário.
30/3/1977: Passeata estudantil da USP no largo de Pinheiros, S. Paulo dribla a repressão.
1/4/1977: Geisel fecha o Congresso. Alega na TV necessidade da Reforma do Judiciário.
1/4/1977: O cel. Erasmo Dias veta manifestações em SP.
6/4/1977: A OAB declara-se em sessão permanente frente à crise e ao fechamento do Legislativo.
7/4/1977: A censura apreende o semanário Opinião, que, sufocado, deixa de circular em 23/4.
15/4/1977: Geisel baixa o Pacote de Abril: eleição indireta dos governadores, nomeação de senadores biônicos.
28/4/1977: Assembléia geral da ABI pede anistia geral.
28/4/1977: O Dops-SP prende 6 por soltarem panfleto de 1º de Maio no ABC.

29/4/1977: Arquivado o inquérito sobre as bombas da Ação Anticomunista Brasileira.
19/5/1977: Dia nacional de luta estudantil pela Anistia. Na UNB, Brasília, 17 punições deflagram uma greve.
2/6/1977: A PM cerca o DCE da Universidade de Londrina, PR, para impedir palestra.
4/6/1977: Repressão ao 3º Encontro Nacional dos Estudantes em Belo Horizonte, MG; 800 presos.
7/6/1977: 2.557 jornalistas assinam manifesto da ABI por liberdade de informação, crítica e opinião.
21/6/1977: O reitor da UnB, cap. José Carlos de Azevedo, suspende as aulas para deter protesto estudantil.
27/6/1977: Num raro horário em cadeia de TV, os líderes do MDB fazem dura crítica à ditadura, que reage com cassações.
30/6/1977: Geisel cassa o dep. Alencar Furtado, líder do MDB na Câmara e do Grupo Autêntico, por sua fala de 27/6 na TV.
25/7/1977: Geisel suprime com base no AI-5 os programas partidários em cadeia de TV.
25/7/1977: A PM prende 200 estudantes na UnB, Brasília.
27/7/1977: O Deops-SP prende Renato Tapajós devido ao romance Em câmara lenta, sobre a repressão e a resistência sob a ditadura.
3/8/1977: Greve dos estudantes da USP contra repressão na UnB.
3/8/1977: O MDB elege Freitas Nobre líder na Câmara, no lugar de Alencar Furtado, cassado.
4/8/1977: O gen. Rabelo promete a d. Eugênio Sales apurar torturas no 1º Exército.
8/8/1977: Goffredo da Silva Teles, em nome dos profs. de Direito da USP, lê a Carta aos Brasileiros, pelo estado de direito e a Constituinte.
18/8/1977: PM dispersa passeata pró-direitos humanos na Penha, S. Paulo; 60 detidos.
23/8/1977: Dia Nacional de Luta dos estudantes contra a ditadura.
14/9/1977: Convenção extraordinária do MDB defende a Constituinte e ampla anistia.
15/9/1977: A PM dispersa passeata estudantil no Recife.
16/9/1977: Início da campanha sindical por reajuste de 34,1%, para repor os salários manipulados pelo índice inflacionário de 1973. Reanimação sindical inédita desde 64.
20/9/1977: O MDB inicia campanha pró-Constituinte.
20/9/1977: A PM-SP bloqueia o campus da USP para impedir o 3º Encontro Nacional dos Estudantes.
22/9/1977: A PM do cel. Erasmo Dias invade a PUC-SP. Prende 800 e queima gravemente 2 universitárias. O cardeal d. Evaristo Arns protesta contra a invasão (25/9).
12/10/1977: O gen. Sílvio Frota, presidenciável da linha dura, cai do Ministério.
22/10/1977: Assassinado Eugênio Lira da Silva, advogado dos trabalhadores rurais de PE.
25/10/1977: 9 presos políticos de SP e RJ denunciam mais torturas; o 1º Exército desmente.
30/10/1977: O poeta Thiago de Melo, no exílio desde 1969, ao voltar é preso no Galeão, Rio.
23/11/1977: O grupo linha dura do gen. Sílvio Frota divulga lista do Exército com 97 supostos comunistas no governo.
29/11/1977: O Congresso aprova a lei Nélson Carneiro, do divórcio (sancionada a 26/12).
4/1/1978: O general dissidente Hugo Abreu passa à oposição aberta.
21/1/1978: 1º congresso da mulher metalúrgica de S. Bernardo, SP.
27/2/1978: O torturador Sérgio Fleury, preso por pertencer ao Esquadrão da Morte, é libertado e retoma sua função na polícia de SP.
12/3/1978: Assembléia popular de 7 mil cria em S. Paulo o Movimento do Custo de Vida. A inflação do ano chega à casa dos 40%.
18/3/1978: 11 educadores presos em Curitiba, acusados de doutrinação marxista em escola primária.
28/3/1978: Protestos estudantis em várias cidades, no 10º aniversário da morte de Edson Luís.
29/3/1978: Terezinha Zerbini, do Mov. Feminino de Anistia, entrega denúncia de torturas ao pres. dos EUA, Jimmy Carter, que visita o Brasil.
5/4/1978: O sen. Teotônio Vilela apresenta seu Projeto Brasil, radical-democrático e nacionalista.
19/4/1978: Bombas no DCE-UFMG e no Mov. Feminino de Anistia iniciam onda de atentados da direita em Belo Horizonte.
25/4/1978: A 16ª assembléia da CNBB, em Itaici, SP, defende o estado de direito e a anistia.
7/5/1978: O jurista Raymundo Faoro defende no Conselho da OAB a volta do habeas corpus como 1º passo para a democratização.
10/5/1978: Ato pela anistia reúne 3 mil na faculdade de Filosofia da USP, S. Paulo.
12/5/1978: Greve de 1.600 operários da Saab-Scania, S. Bernardo, SP, por aumento de 20%, marca o renascimento das lutas operárias pós 64.
13/5/1978: A PM reprime com cães ato do MDB em Salvador.
16/5/1978: Políticos e militares (gen. Hugo Abreu) lançam o gen. Euler Bentes candidato da oposição à Presidência, pela FNR (Frente Nacional de Redemocratização).
16/5/1978: A onda grevista chega à Volkswagen do ABC, SP, maior unidade fabril do país (46 mil operários).
18/5/1978: O TRT-SP declara ilegais as greves do ABC, mas elas se alastram até S. Paulo.
31/5/1978: 18 grandes empresas do ABC-SP, sob o impacto de 20 dias de onda grevista, dão a seus empregados aumentos de 5 a 15%.
31/5/1978: O MDB apóia a candidatura presidencial de Euler Bentes.
31/5/1978: Preso em S. Paulo Ricardo Zarattini (banido em 69).
8/6/1978: Acaba a censura prévia à imprensa.
23/6/1978: Brasil vence Itália e é o 3º na Copa da Argentina.
30/6/1978: O candidato presidencial da oposição, gen. Euler Bentes, reúne 3 mil em S. Paulo.
11/7/1978: Greve de 7 mil no Hospital das Clínicas de S. Paulo.
28/7/1978: Depredadas as sucursais do jornal Em Tempo em MG e PR.
4/8/1978: Geisel proíbe greves em setores básicos.
1/9/1978: 1ª greve geral dos bancários de S. Paulo pós-1964.
1/9/1978: Escolha dos governadores (só o do RJ é da oposição, adesista) e dos senadores "biônicos".
13/9/1978: Os professores estaduais de SP voltam às aulas após 23 dias de greve, a 1ª pós-1964.
3/10/1978: Passa no Congresso, por decurso de prazo, a nova lei antigreve.
11/10/1978: O industrial Cássio Scatena assassina o operário Nélson de Jesus, na Alfa, S. Paulo, por reclamar do salário. A fábrica faz greve em protesto.
27/10/1978: A Justiça Federal de SP responsabilida a União pela morte do jornalista Wladimir Herzog numa cela do DOI-Codi.
27/11/1978: O Congresso engole por decurso de prazo a Lei de Segurança Nacional.
7/12/1978: O min. da Justiça suprime a censura prévia dos comerciais de rádio e TV.
31/12/1978: Fim do Ato Institucional nº 5, após 10 anos de arbítrio, dentro da "distensão lenta, gradual e segura" do gen. Geisel. Extintas também as penas de morte, prisão perpétua
2/1/1979: Preso o pe Francisco Jentel, francês, defensor dos índios e camponeses da prelazia de S. Félix do Araguaia. Será condenado a 10 anos de cárcere, depois expulso do Brasil.
24/1/1979: Congresso metalúrgico em Lins, SP, aprova criação de um partido do trabalhador.

3/3/1979: 1º Congresso da Mulher Paulista (teatro Ruth Escobar).
5/3/1979: Greve dos fumageiros na Sousa Cruz: RJ, MG, PE e RS.
12/3/1979: Greve dos professores da rede pública do Rio.
13/3/1979: Greve geral dos 160 mil metalúrgicos do ABC, SP.
16/3/1979: A freira Maurina da Silveira relata no JB que foi torturada por Fleury.
21/3/1979: O jornalista Antonio Carlos Fon é denunciado por reportagem sobre torturas.
23/3/1979: Intervenção (dura 2 meses) nos sindicatos metalúrgicos do ABC, SP. Mas a greve continua.
27/3/1979: Assembléia de metalúrgicos de S. Bernardo, no estádio de Vila Euclides, vota o fim da greve, a pedido de Lula da Silva.
22/4/1979: Greve dos professores do DF. A ditadura intervém no Sindicato (2/5).
23/4/1979: 17ª assembléia da CNBB (. Ivo Lorscheider pres.) aprova apelo dos Bispos pró-Anistia.
25/4/1979: Fim da fidelidade partidária imposta por lei, vigente desde 1978. No mesmo dia o sen. Teotonio Vilela troca a Arena pelo MDB.
1/5/1979: Morre em acidente no mar o mais célebre torturador da ditadura, Sérgio Fleury. 2/5/1979: Greve nos ônibus de S. Paulo.
6/5/1979: O gen. dissidente Hugo Abreu é preso devido ao seu livro O outro lado do poder.
17/5/1979: Greve dos professores da rede pública de MG.
18/5/1979: O Congresso rejeita emenda das eleições diretas para governador, do sen. Montoro (MDB-SP).
21/5/1979: Fim do Decreto 477 e outros atos de repressão a estudantes.
22/5/1979: Greve nacional (14 estados) dos médicos residentes por direitos trabalhistas.
23/5/1979: Greve (parcial) dos jornalistas de S. Paulo.
29/5/1979: 31º Congresso da UNE, em Salvador. É o 1º desde a prisão de Ibiúna (1968): 10 mil presentes. Uma cadeira fica vazia: é a de Honestino Guimarães, último pres. da entidade, preso pela ditadura em 10/10/1973 e desaparecido.
17/6/1979: Os mins. Petrônio Portella e Golberi levam a Figueiredo o projeto da anistia limitada, enviado ao Congresso.
22/7/1979: Greve de fome de presos políticos contra a Anistia limitada. Dura 23 dias e passa do Rio a S. Paulo, Recife e Fortaleza (84 participantes),
24/7/1979: A OAB condena o caráter restrito do projeto de anistia do gen. Figueiredo.
30/7/1979: Greve de 80 mil na construção civil de Belo Horizonte, MG; 1 morto, 50 feridos.
6/8/1979: Greve dos professores estaduais da BA.
8/8/1979: O MR-8 lança o jornal Hora do Povo.
14/8/1979: 20 mil vão às ruas no Rio pela anistia ampla, geral e irrestrita, e não a do gen. Figueiredo, mutilada e "recíproca"
14/8/1979: Greve bancária em Belo Horizonte, MG.
19/8/1979: O preso político Theodomiro dos Santos, não incluído na Anistia, foge da prisão em Salvador e se asila na Nunciatura Apostólica.
22/8/1979: O Congresso vota a Lei de Anistia. A esquerda do MDB rejeita seu caráter recíproco, parcial e restrito.
28/8/1979: Figueiredo sanciona a Anistia, parcial, limitada e recíproca. Parte dos presos políticos é libertada, os exilados retornam à pátria, os clandestinos voltam à superfície.
30/8/1979: O STM declara anistiados 316 réus em processos pela LSN; 16 deles estão presos.
2/9/1979: Começa mobilização da 1ª greve nos canaviais de PE em 11 anos.
5/9/1979: Greve nos bancos de Porto Alegre. Intervenção no sindicato, 5 prisões, inclusive do seu presidente, Olívio Dutra
6/9/1979: Brizola retorna de 15 anos no exílio, recebido por 3 mil em S. Borja, RS.
11/9/1979: Greve metalúrgica em 9 cidades do RJ.
13/9/1979: Greve nos bancos do Rio e S. Paulo. Intervenção nos sindicatos.
15/9/1979: O ex-gov. Miguel Arraes retorna ao Recife após 14 anos de exílio. Tem a maior recepção de todos os exilados: 20 mil pessoas.
26/9/1979: Greve dos metalúrgicos de Betim, Contagem e Belo Horizonte.
27/9/1979: A PM mata o operário Guido León dos Santos, durante greve metalúrgica em MG.
29/9/1979: Retorno de Gregório Bezerra, Hércules Correia e outros exilados do PC Brasileiro.
3/10/1979: Bomba atribuída à ultradireita destrói o carro do jornalista Hélio Fernandes, da Tribuna da Imprensa, no Rio.
3/10/1979: 1ª eleição direta na UNE, 343 mil votantes. Vence a chapa Mutirão, Rui César Silva presidente.
9/10/1979: Encenada a peça Rasga Coração, de Oduvaldo Viana Filho, proibida pela censura desde 1974.
12/10/1979: Greve metalúrgica na Belgo-Mineira, João Monlevade, MG.
16/10/1979: Greve de 12 mil nas obras de expansão da CSN em Volta Redonda, RJ.
19/10/1979: Figueiredo envia ao Congresso projeto da reforma partidária. A ditadura passa a estimular o pluripartidarismo para fragmentar a oposição.
26/10/1979: Greve dos metalúrgicos de Belo Horizonte, Contagem e Betim, MG.
29/10/1979: Greve geral dos metalúrgicos de S. Paulo e Guarulhos, declarada ilegal.
30/10/1979: Num piquete na metalúrgica Sylvania, S. Paulo, a PM mata a tiros o líder operário católico Santo Dias da Silva, 37 anos. Mais de 10 mil protestam no enterro.
21/11/1979: O Congresso aprova a reforma partidária. Fim (compulsório) da Arena e do MDB.
25/11/1979: 2 mil recebem João Amazonas que volta do exílio em Paris. Diógenes Arruda morre de enfarto.
29/11/1979: Tomada simbólica da sede da UNE no Rio por estudantes.
30/11/1979: O gen. Figueiredo responde com banana a protesto estudantil em Florianópolis. Segue-se batalha de 6 h. com a PM, a Novembrada. Presos e processados 5 estudantes.
21/12/1979: Lançado o programa do PTB-Brizola (futuro PDT). em meio a disputa da sigla com o grupo de Ivete Vargas.
26/12/1979: Pistoleiro mata o cacique Ângelo Pankararé, em Brejo do Burgo, BA.
31/12/1979: 2 homens seqüestram, ferem e abandonam nu, em Porto Alegre, o cardeal Vicente Scherer.
24/1/1980: A censura libera Calabar, peça de Rui Guerra e Chico Buarque, que discute a questão da traição durante a ocupação holandesa.
27/1/1980: Bomba na quadra do Salgueiro, Rio, onde haveria reunião do PMDB.
10/2/1980: Mil pessoas, sindicalistas, intelectuais, líderes rurais e religiosas, aprovam no colégio Sion, S. Paulo, manifesto de fundação do PT.
13/2/1980: Libertados R. Cavalcanti e L. Almeida; resta um só preso político no país, J. Oliveira.
14/2/1980: O Conselho de Censura libera o Encouraçado Potenkin, filme do soviético Sergei Eisenstein. Tido como obra-prima do cinema mundial, ele estava proibido no Brasil há 12 anos (desde 1968).
14/3/1980: Apreendida edição do semanário O Pasquim.
16/3/1980: Greve dos portuários de Santos, SP.
21/3/1980: Derrotada pelos governistas a emenda Edson Lobão, que restaura as eleições diretas para governador.
21/3/1980: Protesto estudantil no Rio contra a decisão do governo de demolir a sede histórica da UNE.
22/3/1980: Bomba na sede da Contag, DF, impede palestra do líder comunista Gregório Bezerra.
1/4/1980: Começa a grande greve de 330 mil metalúrgicos no ABC e mais 15 cidades em SP. Em S. Bernardo, dura 41 dias.
17/4/1980: O Min. do Trabalho intervém nos Sinds. dos Metalúrgicos do ABC, SP. A greve continua (17º dia).
19/4/1980: Presos e enquadrados na Lei de Segurança 13 líderes grevistas do ABC, entre eles Lula da Silva.
26/4/1980: Novas prisões de líderes grevistas do ABC.
1/5/1980: 120 mil vão a S. Bernardo em greve, ocupada pela PM. Após horas de tensão em frente à Matriz, o governo cede. Uma passeata precede a manifestação no estádio da Vila Euclides.
45/5/1980: Termina após 35 dias a greve dos metalúrgicos em Sto André. Choques entre piqueteiros e PM em S. Bernardo.
11/5/1980: Os metalúrgicos de S. Bernardo decidem voltar ao trabalho após 41 dias de uma greve que assumiu contornos de desafio ao regime militar.
20/5/1980: Greve estudantil contra o capitão-reitor da UnB José Carlos Azevedo (Brasília).
22/5/1980: A OAB, na Carta de Manaus, prega a Constituinte e rejeita "remendos" constitucionais.
29/5/1980: Assassinado por grileiros Raimundo Ferreira, o Gringo, líder dos posseiros de Conceição do Araguaia, sul do PA. Multidão de 4 mil faz ato de protesto no enterro.
6/6/1980: Assassinado José Ribeiro, líder dos indígenas Apuriña.
14/7/1980: A Justiça Militar enquadra Lula da Silva e mais 12 sindicalistas na LSN.
21/7/1980: Assasinado em Brasiléia Wilson Souza Pinheiro, sindicalista do AC, lutador em defesa dos camponeses.
1/8/1980: Greve na Fiat de Betim, MG.
27/8/1980: Bomba mata Lyda Monteiro da Silva na sede da OAB-RJ. Outras visam a Câmara do Rio e o jornal Tribuna Operária.
28/8/1980: 10 mil comparecem ao sepultamento de Lida Monteiro,.
4/9/1980: O Congresso adia eleição municipal de 1980 para 82.
8/10/1980: Libertado José Sales de Oliveira, último preso político (desde 1971).
10/10/1980: Preso por 6 meses o dep. Chico Pinto (PMDB), por discurso "ofensivo" ao gen. Pinochet.
13/10/1980: 32º congresso da UNE (Piracicaba, SP). Mantém a eleição direta da diretoria.
15/10/1980: Decreto de Figueiredo expulsa o pe italiano Victor Miracapillo.
6/11/1980: A PF-PE indicia o pe Reginaldo Veloso na LSN por ter composto música em defesa do pe italiano Vito Miracapillo, ameaçado de expulsão.
13/11/1980: O Congresso aprova a volta do voto direto para governador e o fim dos senadores biônicos.

Presidente do PT

“Eu comi pão pela primeira vez na minha vida quando tinha sete anos. Até essa idade, eu bebia café misturado com farinha. Nessa época, muitas crianças morriam de fome antes de chegar a um ano de idade. Eu consegui sobreviver”. Lula da Silva em entrevista.

Em 10 de março de 1980, Lula da Silva fundou juntamente com outros líderes sindicais, intelectuais, trotskistas, ativistas religiosos de comunidades eclesiais de base, políticos de esquerda, líderes dos sem terra, entre outros, o Partido dos Trabalhadores, o primeiro grande partido socialista da história do Brasil. Já em 1982, o PT estava representado em quase todo território nacional e registrava 400.000 filiados. Lula da Silva concorreu ao governo do Estado de São Paulo, e, embora não tenha sido eleito, propiciou a eleição de oito deputados federais, doze estaduais e setenta e oito vereadores. Nesse período, também foi um dos fundadores da CUT – Central Única dos Trabalhadores.
Em 1986, Lula da Silva foi eleito deputado federal pelo Estado de São Paulo com a maior votação em todo país. Em 1988, o PT teve um resultado extraordinário nas eleições ao eleger 1.000 vereadores e 36 prefeitos pelo Brasil. Ele se tornou o líder inconteste do partido e figura influente da esquerda brasileira. A origem na classe dos trabalhadores sustentada por intelectuais e trotskistas não impediu, no entanto, de ser estigmatizado de xiita ou de radical pela associação com a CUT e MST.
A ação de Lula da Silva no Congresso Nacional pode ser medida pelas conquistas dos trabalhadores nas disposições da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, em particular no art. 7º, que define as garantias constitucionais do trabalho:
Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III - fundo de garantia do tempo de serviço;
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;
VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
IX - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
XI - participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;
XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;
XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;
XXIV - aposentadoria;
XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até seis anos de idade em creches e pré-escolas;
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
XXVII proteção em face da automação, na forma da lei;
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
XXIX - ação, quanto a créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;
a) cinco anos para o trabalhador urbano, até o limite de dois anos após a extinção do contrato;
b) até dois anos após a extinção do contrato, para o trabalhador rural;
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;
XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;
XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.

Parágrafo único - São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social.

Candidato a Presidente


O que Lula da Silva prometeu:

“Há trinta anos, percorro o Brasil, como tenho feito nas últimas semanas. Dos pampas gaúchos ao agreste nordestino. Da árida periferia paulistana aos caminhos úmidos do Pantanal e da Amazônia. Sinto que os sofrimentos do dia-a-dia não quebraram as energias populares, como se pode verificar nas comemorações por nossa vitória na Copa do Mundo.
O otimismo do povo persiste, apesar de todo o ambiente de crise que se vê na televisão, no rádio e na imprensa escrita. Os brasileiros que vivem com os pés bem plantados no chão da pátria acreditam que o Brasil tem todas as condições de superar as suas dificuldades e dar uma arrancada em direção a um futuro de crescimento e justiça. Mais do que isso. Quando se viaja pelo Brasil real, percebe-se que a cidadania está disposta a ir à luta para conquistar o destino que merecemos. Trata-se de um povo que não abaixa a cabeça face aos desafios do presente.

O otimismo popular, além de ser uma das melhores características da cultura nacional, tem razão objetiva de ser. A agricultura e a agroindústria brasileiras, espalhadas por 8,5 milhões de quilômetros quadrados, encontram-se entre as mais avançadas e competitivas do mundo. A nossa riquíssima biodiversidade, se for tratada com o respeito que a natureza merece, é uma fonte inesgotável de recursos. Ainda somos uma nação industrial, mesmo depois da abertura indiscriminada dos anos 90, que destruiu setores importantes da nossa economia.
Produzimos aviões, automóveis e bicicletas. Centrais telefônicas, máquinas agrícolas, aço e calçados. Vacinas, remédios, alumínio e tecidos. Eletrodomésticos, derivados de petróleo, cimento, vidro e papel. Ou seja, o parque industrial brasileiro cobre desde setores tradicionais até áreas de ponta.

Temos, além disso, uma rede comercial moderna e de grande porte.
Contamos com uma classe trabalhadora experiente e qualificada que, ao longo da história, tem dado provas de capacidade produtiva e virtude republicana. Enfim, possuímos as condições necessárias para o desenvolvimento de um robusto mercado interno de massas, com a inclusão de milhões de brasileiros hoje excluídos do consumo.
O que surpreende e provoca indignação, na verdade, é a atitude do governo, que virou as costas ao potencial do país e renunciou a qualquer estratégia nacional de desenvolvimento.
Sabemos que não é possível nem desejável fechar o Brasil ao mundo. Tanto no plano econômico quanto político e cultural o Brasil está fortemente entrelaçado com outras nações e queremos que os laços se aprofundem cada vez mais.
Mas esses vínculos não serão nada positivos se continuarmos, como nos últimos anos, a reboque de projetos alheios aos interesses nacionais. Isto é, se nos limitarmos a aplicar de modo servil receitas dogmáticas de terceiros, que aliás não são aplicadas em seus países de origem.

A inserção do Brasil no mundo só será benéfica se o país tiver um projeto claro. Se souber aonde quer chegar, identificando com realismo o que serve e o que não serve aos seus objetivos estratégicos. Somos a favor do livre-comércio, desde que os países possam competir em igualdade de condições. Nesse sentido, é preciso resgatar o Mercosul e, a partir dele, negociar a integração mais ampla das Américas. A liderança ativa do Brasil na América do Sul é vital para que o continente supere a crise e não se desagregue. Nossa ajuda aos países vizinhos deve ser concreta e imediata.

A proposta da ALCA, tal como formulada hoje, representa menos uma verdadeira integração e mais uma forma de anexação. Todos os países desenvolvidos tiveram e têm o seu projeto nacional. Integram-se ao mundo a partir dele, seja em âmbito regional seja em escala planetária. Claro que devemos aproveitar, e com toda ousadia, os espaços abertos pela mundialização. Mas temos ao mesmo tempo o direito - e o dever - de proteger o país dos riscos globais.

O povo brasileiro não aceita mais a dependência atual e a atitude subalterna do governo. Por todo lugar que vou, sinto que o orgulho nacional renasce. E não há nisso nada de xenofobia nem de nacionalismo estreito, sectário. A população exige é que recuperemos a soberania para decidir de modo autônomo a política econômica e os destinos do país.

O governo cedeu a absurdas exigências externas e deixou o país estagnado. Não fez o que era necessário e possível para proteger a população, sobretudo os segmentos de baixa renda, dos efeitos perversos da globalização.
A evolução do PIB nos anos Fernando Henrique foi medíocre. No século XX, somente os governos de Wenceslau Brás, na Primeira Guerra Mundial, de Washington Luiz, na crise de 1929, e o de Collor fizeram o país crescer menos do que no período de FHC, o qual apresenta uma taxa média de apenas 2,3% de expansão do PIB ao ano. O Brasil precisa de pelo menos o dobro de crescimento para gerar os empregos e a renda necessários tanto à classe média quanto às camadas populares.

O governo deixou de fazer as reformas, como a tributária, que o país precisava para sair da paralisia. Não realizou negociações soberanas para ampliar o nosso mercado externo nem priorizou as exportações. Não combateu a pobreza que atinge 53 milhões de brasileiros. Não enfrentou o desemprego, que em 2000 já atingia 11,4 milhões de trabalhadores. Não foi capaz de diminuir a corrupção nem o crime organizado.

Agora, outra vez movido por interesses eleitorais, o governo acaba de agravar a situação. Cometeu um erro crasso ao dizer que o resultado das urnas poderia nos levar a uma situação parecida com a da vizinha Argentina. A economia, já vulnerável pela própria política do governo, entrou novamente em retração. Há uma percepção popular de que os preços da cesta básica começam a subir, mesmo não estando vinculados ao dólar. Os pátios das montadoras de automóveis estão superlotados. As vendas de eletrodomésticos estão caindo. A CSN, símbolo da industrialização brasileira, acaba de ser incorporada por um grupo estrangeiro. O crescimento do desemprego já atinge quase dois milhões de trabalhadores só na grande São Paulo.

Há um recrudescimento do crime organizado, muitas vezes favorecido pela omissão governamental, como se pode observar no Espírito Santo.

O PT nunca se omitiu e não se omitirá agora diante da crise. Governamos com reconhecido sucesso e responsabilidade 50 milhões de brasileiros. Nossa coligação estará sempre disposta a defender o Brasil e a evitar o pior.
Mas não podemos nos contentar apenas em evitar o pior. Não podemos ter uma postura defensiva, recuada, agachada diante da crise. O Brasil não pode acovardar-se. Até porque a atitude recuada não resolve nada, ela na verdade só alimenta a crise. O único modo consistente e duradouro de evitar a crise é vencê-la. E isso se faz combatendo as suas causas. Enquanto a economia brasileira estiver estagnada e os juros continuarem nas alturas, enquanto a especulação for mais atrativa do que a produção, os papéis valerem mais do que os empregos, seremos sempre vulneráveis. A maneira de superar a crise é fazer o Brasil voltar a crescer. Sim, eu sei que os obstáculos existem e são poderosos, mas isso não significa que o Brasil deve render-se à crise.

Basta de passividade e de fatalismo. O país tem margem de manobra. Temos que ser ao mesmo tempo responsáveis e criativos. Não estamos condenados à vulnerabilidade, à insegurança e à miséria. Podemos nos defender com eficácia sem deixar de avançar. A seleção brasileira demonstrou nos gramados da Ásia que é possível ser defensivo e ofensivo ao mesmo tempo. Ou alguém acha que teríamos sido campeões do mundo se ficássemos apenas evitando os gols dos adversários? Os partidos e as amplas forças sociais e políticas que apoiam a minha candidatura e a do senador José Alencar querem mudar o rumo do Brasil.
Sabemos que no mundo de hoje não é possível um desenvolvimento isolado, mas é necessário levantar a cabeça e confiar em nós mesmos.
Muitos nos perguntam como é possível crescer com as enormes restrições geradas pela vulnerabilidade da economia nacional e pela instabilidade internacional. Aqui é preciso deixar claro que a única verdadeira garantia para a superação da nossa fragilidade está exatamente na mudança do modelo econômico.

Precisamos superar a perigosa combinação de dependência do capital externo, juros altos e baixo crescimento, que fazem aumentar continuamente a proporção da dívida pública com relação ao PIB. O Brasil só vencerá suas fragilidades se crescer, gerar empregos, exportar e disputar um espaço no mundo como nação soberana. É nessa dimensão que o governo fracassou.

A premissa para crescer é diminuir a dependência de capitais externos voltados para a especulação e baixar juros. O caminho é combinar três linhas de ação: um esforço exportador muito mais vigoroso do que o atual, o alargamento do mercado interno e o investimento em infraestrutura e nos setores de ponta.

Entre outras medidas, vamos direcionar as fontes de financiamento públicas, como o BNDES, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil para o apoio a iniciativas científicas e tecnológicas adequadas às necessidades brasileiras.
Quando falamos em preservar os atuais instrumentos de controle macroeconômico, queremos reafirmar que, na transição para o novo modelo, não nos faltará responsabilidade.

Não se pode resolver em oito dias o que não foi resolvido em oito anos. Mas as mudanças começarão desde o primeiro dia do novo governo.
Nosso compromisso número um será com a geração de empregos, sem descuidar do controle da inflação. Por isso, ao lançar o nosso programa de governo, resolvemos destacar o projeto temático “Mais e Melhores Empregos”. O país precisa criar 10 milhões de empregos. Pode parecer um número exagerado, mas não é. Além da legião de desempregados que já existem, entram no mercado de trabalho a cada ano, 1,4 milhão de jovens.
Precisamos crescer a uma taxa média de 5% ao ano para gerar, por meio de políticas ativas de emprego e renda, os postos de trabalho necessários. O desafio é enorme, mas assumo o compromisso de perseguir essa meta com todas as minhas forças. Criar empregos será a minha obsessão.

A economia não deve ser um fim em si mesmo. Ela deve ser um instrumento a serviço da vida. Vamos investir na construção de moradias, setor intensivo em mão de obra. A construção civil, responsável por 13,5 milhões de empregos, tem a vantagem de não exercer pressões significativas sobre a balança comercial, uma vez que consome insumos, matérias primas e produtos elaborados no Brasil. Vamos investir em obras de infraestrutura, que também absorvem mão de obra, e estimular o capital privado a fazer o mesmo.
No campo, vamos realizar uma reforma agrária pacífica e negociada, que seja capaz de assentar centenas de milhares de famílias, com isso garantindo-lhes trabalho e sobrevivência digna.
Vamos apoiar a agricultura familiar e a empresarial, com assistência técnica e financiamento para o transporte, a armazenagem e a comercialização. Nas pequenas cidades, vamos estimular o empreendedorismo das populações locais, de modo a que abram os seus próprios negócios. Valorizar as raízes do homem do campo em sua própria terra e reverter o esvaziamento do interior será também uma de nossas metas.
Quero apoiar de modo vigoroso a pequena e a média empresa, pois elas empregam grande quantidade de trabalhadores. É também compromisso de nosso governo estimular e amparar as iniciativas de economia solidária, como as cooperativas de crédito, consumo e produção, pois elas representam uma alternativa importante para que o desempregado saia, por sua própria iniciativa, da situação angustiante em que se encontra.

Outro compromisso fundamental será o combate à fome e à pobreza, que atingem 53 milhões de brasileiros.

É possível, desde que haja vontade política, fazer crescer em 30% ou até 40% a produção de alimentos apenas pelo uso de capacidade ociosa já instalada na indústria alimentícia. Por isso, lancei o projeto Fome Zero, a proposta mais consistente de combate à fome já elaborada no país. Além de medidas estruturais, o Fome Zero prevê a distribuição de cupons para obtenção de comida subsidiada pelos mais necessitados. O aumento da produção que daí decorrerá, vai trazer de volta, na forma de impostos, uma boa parte do investimento social realizado, além de gerar empregos.

Muitos se perguntam de onde virá o dinheiro para a implantação de um programa como esse. Mas os cálculos que realizamos mostram que basta reduzir em alguns pontos percentuais a taxa de juros para obtermos os recursos necessários. Além disso, a transparência e o controle social evitarão o enorme desvio de verba que existe hoje. Para combater a pobreza, assumo também o compromisso de promover uma elevação gradual e sustentada do salário mínimo, com o objetivo de dobrar em quatro anos o seu valor real.

Não menos importante é o nosso compromisso de combater o crime organizado e a corrupção. Já apresentei ao país e ao próprio Presidente da República um Programa Nacional de Segurança.

A educação e a saúde continuam a ser desafios enormes para o Brasil. O meu governo compromete-se a investir fortemente nessas áreas. Sem desconsiderar o papel complementar da iniciativa privada, faço questão de reafirmar aqui o meu compromisso fundamental com a saúde pública e a escola pública, da pré-escola à universidade.
Faço questão de me comprometer, igualmente, com o combate às discriminações. Adotaremos políticas afirmativas para garantir direitos iguais a todos, sem distinção de gênero, etnia, raça, condição física, crença religiosa ou opção sexual. Queremos eliminar as desigualdades, valorizando as diferenças.

Além dos compromissos que acabo de assumir, queremos, por meio de uma ampla negociação social, realizar cinco grandes reformas. A reforma agrária, de que já falei, a tributária, a previdenciária, a trabalhista e a política.

Sei que a viabilidade das propostas que constam do programa que tenho a honrar de entregar hoje ao país dependem não só de que os eleitores escolham meu nome e o de José Alencar em outubro próximo. É preciso um novo contrato social, que envolva todos os setores do país. Por isso, ofereço este programa para o debate e a reflexão dos brasileiros e brasileiras. Ele foi elaborado ao longo de muitos meses, com a ajuda de centenas de técnicos e em diálogo intenso com a sociedade. Continuamos abertos a sugestões e dispostos a aperfeiçoá-lo.

Nosso povo já enfrentou grandes desafios e os superou. Nas décadas de 1930 e 40, aproveitamos a crise mundial para industrializar o país. Nos anos 50, construímos uma bela capital no meio do cerrado, símbolo da integração nacional. Nos 80, recuperamos a liberdade e a democracia depois dos terríveis anos de chumbo. Se a maior riqueza de um país é o seu povo, tenho a certeza de que o Brasil saberá superar as atuais dificuldades e construir, em clima de paz, um destino de progresso e justiça social”.

Conclusão

Dentro da perspectiva desse capítulo, ou seja, no enfoque das atitudes que seriam basicamente reflexos da formação, na ansiedade de fazer uso das informações recebidas, por meio das quais já teria consciência de seu poder de articulação, Lula da Silva em ação apresenta três fases distintas: luta corporal, articulação estratégica e pressão política, cada uma função de movimentos ideológicos.

A militância sindical nos portões das fábricas, na fundação da CUT, no apoio ao MST, no corpo a corpo político eleitoral, Lula da Silva enfrentou de peito aberto o poder econômico, a ditadura militar, os preconceitos e os reveses. Gritou palavras de ordem nas ruas: não a dívida externa; fora FMI; o povo unido jamais será vencido; greve já; diretas já! Sua obstinação foi comovente.

A fundação do PT revelou o poder de articulação de Lula da Silva, em virtude de ter conseguido aglutinar desde segmentos da igreja católica até ideólogos e militantes trotskistas. Figuras de renome internacional, como de Sérgio Buarque de Holanda, agregaram-se em torno de seu ideário. Os resultados eleitorais ao longo do tempo, mostrou sua capacidade de articulação incansável.
Os trabalhos na Assembléia constituinte renderam a melhor resposta para a força da pressão política que a sociedade pode estabelecer nas conquistas de seus direitos junto aos legisladores. O PT se agigantou no congresso, porque tinha a experiência das greves, da militância participativa, aliada ao desejo represado do povo de exorcizar a escravidão imperialista e a ditadura.
Capítulo III

Revolução ou Reforma


O que ele pode fazer agora?


“Acredito que eu mudei, e acredito que o Brasil também mudou. Eu teria sido estúpido se não tivesse mudado, um homem que chega ao cinqüenta e sete anos de idade, que sofreu todo tipo de preconceitos, que se candidatou quatro vezes a presidente da república... Eu posso garantir que o Brasil mudou. Nunca tantos empresários, do pequeno, médio às grandes companhias, tem estado do nosso lado. Tenho falado com quase todo mundo do mercado financeiro. Eu tenho tentado mostrar-lhes que eu sou capaz de levar o Brasil a uma situação melhor da que o país se encontra agora”. Lula da Silva em entrevista.
Escrevemos esta crônica de história quando Lula da Silva já completou nove meses, e encaminhou duas reformas, da previdência e tributária, as quais ele reputa de maior importância – ou seriam necessárias ao compromisso com o FMI? Outras tantas, reforma política, do judiciário, agrária, trabalhista, foram anunciadas para compor a nova pintura da aquarela do Brasil. De toda sorte, não se está assistindo a uma revolução, tampouco a um espetáculo de crescimento ou geração de empregos em massa. Diriam que ainda é cedo para fazer o retrato do governo de Lula da Silva, mas não é disso que falamos.
Trata-se de saber se ele tem a oportunidade de dar rumo à história de sua vida, em virtude de poder ter os instrumentos necessários a sua disposição para assumir o papel de seu próprio mediador. Em outros termos, poderia Lula da Silva prescindir de mediação fora do conteúdo programático que estabeleceu na sua vida, adaptado pelas mudanças a que o Brasil e o mundo experimentaram, ou das pressões de centro-direita, para implantar uma nova estrutura para o país? Esperamos que ele supere os obstáculos para tanto.
A reforma previdenciária esbarrou no lobby do servidor público, em especial do Poder Judiciário; taxa os inativos, e serve apenas para ajustar a dificuldade de financiamento para auto-sustento, como preconiza o FMI. O orçamento da União, pois, fala mais alto que os interesses da seguridade social.

A reforma tributária atende somente ao equilíbrio das finanças públicas e interesses do executivo em manipular as verbas orçamentárias. A esperada mudança na estrutura fiscal do país, sobretudo no alívio da carga de impostos, não se anuncia, tampouco questões como a estrutura de cobrança do ICMS serão resolvidas.

A reforma do Judiciário, a se presumir pela ação que tiveram – em tom de ameaça -, na reforma da previdência, ou será adiada ou simplificada para afastar o controle externo que a sociedade reclama.

A reforma política poderá avançar talvez na matéria sobre a fidelidade partidária, mas não enfrentará o sistema de representação dos Estados na composição do Senado e da Câmara dos Deputados.
O monstro da máquina

Criei-te original, Iago, num mundo de ilusão, de inventividade, de jogo, de simulacro. A mentira corre as veias do cotidiano, pulsante, de todos os atos, do tom de teus discursos, para todas as ordens. Tua descendência gerou uma variedade de espíritos por toda a terra. Nem o oráculo de Delfos poderia predizer tamanha variedade de mártires do engano, do embuste, do golpe. Somente ai pode a nossa existência encontrar um sentido para transformar-se em desespero autêntico, revelador, pois se há mentira, haveria verdade. Menti na disposição lúdica amarga em ti, para fazer-te diferente.
De Hermano Leitão in Cavalheiros de Shakespeare

A máquina administrativa federal, de maneira geral, dá a impressão de ser ineficiente, corrupta, alheia, corporativa e incomunicável. Parece um aparelho orgânico pronto para sugar o bolso dos cidadãos e locupletar-se sem parcimônia. O esforço da produção empresarial e trabalhadora parece escoar para a mão de privilegiados. Esquemas na Receita Federal e na Previdência para desvio de dinheiro público parecem não sensibilizar. Culpa de Lula da Silva? Não. Esse parece ser o seu maior desafio - já que não poderá promover uma revolução. Resta-lhe promover o brasileiro a classe de cidadão digno de respeito. Há coisas acontecendo nesse governo que desafiam a idéia de pesadelo kafkiano, quando era de sonho que se falava antes. Medo? Não. Ainda não está dando medo e esperamos essa superação, para que se mude o perfil do Estado e a forma de se governar o Brasil.
Quem já tentou obter uma certidão no INSS? Quem já tentou um tratamento de saúde em hospital público? Quem já ingressou na Justiça para corrigir sua aposentadoria? Com raríssimas exceções, a sensação que se tem é que, nós, o povo, somos um estorvo para a máquina do governo. O alto escalão deve estar ocupado demais para verificar o mau atendimento e a indiferença do funcionário público com o povo.
Um amigo nosso, cujo nome deixaremos oculto por razões óbvias, tinha uma dívida na Receita Federal de aproximadamente R$3.500,00, referente ao IR de 2000. Quando ouviu falar que a Fazenda estava fazendo remissão de multa e outros consectários, bem como parcelamento da dívida, resolveu aproveitar a oportunidade para ficar em dia com suas obrigações fiscais. Como tem um escritório na cidade de Franco da Rocha, na grande São Paulo, foi ao posto fiscal para solicitar o parcelamento. Porém, ao chegar lá, as 13:10h, depois que tinha almoçado, foi informado que não podia ser atendido, porque o atendimento ao público era das 10:00 as 13:00h. Então, o nosso amigo retornou na semana seguinte, antes do almoço, e foi atendido rapidamente por um funcionário que o encaminhou a outro, por se tratar de parcelamento. Esse outro o atendeu e verificou no computador que o nosso amigo estava devendo mesmo aquela quantia e que ele também tinha uma restituição de IR de R$1.770,00, referente ao exercício de 2002. Então, nosso amigo pediu para compensar o crédito com o débito, e parcelar o resto. Ai, o tal funcionário disse que não podia fazer, porque o endereço do contribuinte era de São Paulo, e o nosso amigo teria de procurar a Receita lá. A insistir com o atendente, tentou ainda alterar o endereço no cadastro da receita, mas o funcionário disse que não era possível. Então, na semana seguinte, nosso amigo se dirigiu ao Ministério da Fazenda, perto da Estação da Luz, em São Paulo, precavidamente antes do almoço, todavia não foi atendido, porque as senhas do dia tinham acabado, e foi orientado a voltar mais cedo. O nosso amigo respirou fundo e decidiu voltar no outro dia, advertindo a funcionária de guarda na porta da seção que marcasse bem sua fisionomia. No outro dia, o nosso amigo chegou as 9:00h e quase perdeu de novo a viagem, porque só tinha mais uma senha. Então, conseguiu entrar. Um funcionário bastante jovem o atendeu com muita arrogância. Quando nosso amigo disse que queria parcelar uma dívida de IR, o rapazinho perguntou onde estavam os papéis. Surpreso, o nosso amigo perguntou de que papéis ele estava falando. O moço disse que eram os papéis que a Receita tinha mandado para ele. Então, o nosso amigo explicou que a Receita ainda não tinha mandado os papéis de cobrança do imposto devido, e que já tinha passado em Franco da Rocha e verificado o valor a pagar. Todavia, o funcionário disse que não podia entregar a senha para o atendimento naquela seção sem os papéis, e solicitou que o nosso amigo fosse até a seção ao lado para pegar uma senha para ser atendido em outra seção. Para não perder a viagem e a calma, nosso amigo combinou com o rapazinho que depois de conseguir os tais papéis, ele voltaria para ser atendido com aquela última senha. Então, o funcionário disse que se desse tempo, ele encaminharia. O nosso amigo dirigiu-se a seção ao lado, enfrentou uma filinha básica, e pediu uma senha para verificar dívida e parcelamento. A funcionária entregou-lhe a senha e informou que a seção ficava do lado oposto no mesmo andar. Quando o nosso amigo estava caminhando até lá, verificou que na senha estava escrito: regularização de CPF. Então ele retornou ao guichê da funcionária e perguntou se era aquela senha mesmo. A senhora respondeu que se ela tinha dado aquela senha era porque era a senha correta. Para não criar um barraco, o nosso amigo foi até a outra seção e ficou aguardando por aproximadamente 45 minutos. Quando foi atendido, o funcionário listou as parcelas do IR em aberto, e ao confirmar os dados do nosso amigo, verificou que o endereço estava desatualizado, e fez a alteração. Felizmente, o nosso amigo pode voltar para pegar aquela última senha e ser atendido, após mais uma espera de 40 minutos. Nesse intervalo, o nosso amigo, que estava com os comprovantes de pagamento dos últimos cinco anos e as respectivas declarações em uma pasta, observou que uma parcela paga não constava como quitada. Então quando foi atendido, explicou seu propósito de parcelar e conferir aquela parcela paga. Então, o funcionário disse que ele tinha de ir a outra seção para fazer a conferência, porque ali não podia ser dada baixa em parcela, porque tinha de abrir um processo administrativo por meio de requerimento. Então, o nosso amigo disse que não queria abrir processo nenhum e era preferível pagar de novo a ter de voltar na Receita. Entretanto, o funcionário disse que ele tinha de ir a outra seção, porque ali ele somente verificava o status do devedor, mas o nosso amigo teria o benefício de ser agendado para o mesmo dia as 12:45h. Por incrível que pareça, nosso amigo voltou para aquela seção em que seu endereço foi alterado e esperou estressado e com fome. Na hora marcada, foi chamado. O funcionário, todavia, explicou-lhe que era melhor o nosso amigo voltar dali a um mês, porque a Lei que remia a multa e concedia parcelamento ainda não tinha sido operacionalizada no sistema da Receita, e quanto a parcela paga e não baixada, o que aconteceu foi o sistema assumi-la como pagamento da ultima prestação de 1999, a recomendar que deixasse como estava, porque não ia alterar muita coisa. Depois de um mês, nosso amigo voltou, pegou fila, esperou e foi atendido por outro funcionário, que lhe disse não poder processar o pedido de parcelamento, porque somente estava sendo feito pela internet. O nosso amigo tentou sensibilizar o funcionário sobre sua saga, e já que estava ali... Não teve jeito. O nosso amigo fez o pedido pela internet. Dois meses depois, recebeu a cobrança do imposto devido, a constitui-lo em mora, ao invés de receber as parcelas para pagar...

Conclusão

A superação de Lula da Silva é superar esse modelo de desenvolvimento que está aí. Não adianta mais insistir nos iguais mecanismos de se sustentar pela via das exportações, pela criação de empregos, pela indução investimento setorizado. Se o Brasil quiser superar suas dificuldades, terá de modificar as bases de seu desenvolvimento, terá de superar o mito trabalhista de Getúlio Vargas, o mito desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, o mito de potência brasileira e o mito da terceira via. O ideário da sociedade justa, sem desigualdades abissais, fraterna e livre há de conceber um caminho, principalmente com base na cultura, para estabelecer essa superação.

Esperamos que Lula da Silva, como seu próprio mediador, agente de seu destino, possa empreender uma nova estrutura de produção econômica e social para o Brasil, mediante um novo paradigma. Das etapas que visitamos, a primeira da intensa preparação de quem experimentou fome, sede, suor, lágrimas; a segunda da vigorosa ação sob pressão arbitrária, preconceituosa e de patrulha ideológica; só resta aguardar a terceira da superação do desafio maior de sua jornada, sob pena de o assistirmos a não ultrapassar o script condicionado pela acomodação das forças que se confortam com o status quo ante.

Pragmático ou desnudo? Lula da Silva está desnudo.

Sobre o autor

Hermano Leitão, ator, diretor, dramaturgo e advogado. Paraibano, é autor das comédias O Acidente da Perua, encenada no Teatro Ruth Escobar em 2000; As Mulheres de Cássia, apresentada no Teatro Bibi Ferreira em 2001, Almas Perfumadas; O Homem que fala com a ..., encenada no Teatro Ruth Escobar em 2003, e Transketeiros (com co-autoria de Thiago Gomes); da peça infantil Jean que ri & Jean que chora; do drama Os Cavalheiros de Shakespeare, e das adaptações Candide e Yerma de vidas secas. Como músico, compôs a trilha sonora do filme Lágrimas Secas, cujo roteiro escreveu em parceria com Rodrigo Arrigoni. Para cinema também, escreveu o roteiro do curta Saga da Mulher, em 2004. Depois de formado em Direito na Universidade Federal do Ceará, nutriu o sonho de ser diplomata e mudou-se para Brasília para freqüentar o curso preparatório para o Instituto Rio Branco. O desencanto por esta carreira o levou a aspirar novos caminhos em São Paulo, onde, primeiramente, estabeleceu sua banca de advogado. O encontro com o teatro foi acidental, pois foi assistir uma palestra do Valdir Simino no Viva e Deixe Viver, em 1999, e encontrou Emílio Fontana, em cujo curso pisou no palco paulista pela primeira vez. Em paralelo, fez curso de canto. A profissionalização formal foi obtida por meio de exame de banca para ator e diretor no SATED-SP, onde teve a honra de ser avaliado pelo fabuloso diretor José Renato. É também fundador da Cia de Teatro Criando Condições, instituição que, além de ser a realizadora de produções, busca uma linguagem própria para revelar o teatro contemporâneo. Participa do Núcleo de Teatro HWA, onde faz intercâmbio técnico com os talentosos diretores Walter Sthein e Alexandre Ferreira. Em 2002, produziu a peça Insanos e verdadeiros, apresentada na sala Arte do TBC, na qual, além de atuar, dividiu a direção com o amigo Rodrigo Arrigoni, cujo encontro se deu no curso de direção em cinema ministrado pelo cineasta Walter Lima Jr. Coordenou, em 2003, Oficina preparatória para Mostra Criando Condições de Comédias, com quatro de seus textos, que foram encenados no Teatro do Centro da Terra, no mês de janeiro de 2004. Tratado sobre a Burrice ao alcance de todos e LULA DA SILVA: pragmático ou desnudo? inauguram sua fase de autor de ficção.

Bibliografia Selecionada

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Hermano Leitão

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