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Baile na Ponte Seca

Lá naquele canto escuro e escondido da memória tem lembranças que parece mesmo que elas se escondem e são difíceis de aparecerem no pensamento. Principalmente “casos” que eram esperados para acontecer e não aconteceram. Um desses casos de nada acontecer aconteceu numa noite que teve início lá no Clube Recreativo Melhoramentos do Bairro da Fábrica de Papel de Caieiras. Estava havendo um baile que parecia não estar agradando. Coisa rara, mas, naquele dia o baile estava “fraco” e outros rapazes também se queixaram. E na conversa sobre isso só se falava que as moças que estavam no baile naquele dia eram escamosas (risos).

Um dos rapazes disse que estava havendo um baile numa casa de família lá na Vila da Ponte Seca, vila esta afastada do centro do Bairro da Fábrica. E deu a idéia para abandonarmos o baile do clube e irmos para o baile da casa de família da Ponte Seca. Naquele momento meus olhos devem ter brilhado de contentamento. Lá talvez eu fosse encontrar a Cacilda. Tinha uns anos de vida a mais do que eu tinha. Eu tinha uma “queda” por ela, ela nunca soube e ninguém soube. Isso, acredito, era comum, gostar de alguém sem o alguém saber. Já não me lembro em quanto estávamos quando saímos do clube, eu e mais uns três, talvez. Do clube até a Vila da Ponte Seca era uma longa caminhada a pé entre os “pés de pinhão” e a escuridão da noite.

Lá chegando à casa de quem não me lembro, havia música sim, mas, baile não (risos). Se me lembro dois dos músicos eram o Julio Faceo e o Antonio Olimpio (Cambuquira) meu tio. O Julio era muito conhecido porque sempre gritava pelas ruas do bairro “linguiceiro, salsicheiro”. Sim carregava duas sacolas pelas mãos para vender essas iguarias. Mas aquela noite de que nada esperado aconteceu, mesmo assim a memória a registrou e até agora a tinha ocultado.

Eu não vi a Cacilda naquele dia e parece que nunca mais a vi. Ela se casou e foi embora daquele lugar tão marcante para quem como eu que nasceu e viveu lá. Nestes dias quando às vezes vou ao supermercado daqui donde moro passo pela casa donde mora a irmã dela. Por ela fiquei sabendo que a Cacilda está no Rio de Janeiro e internada numa “casa de saúde”. Está muita afetada pela falta da memória. Às vezes nem se lembra quem é essa irmã que lhe telefona. O tempo passa, mas o que nos existiu outrora “vive” na nossa memória como se fosse um filme que se desenrola projetando imagens de pessoas que estão distantes destes nossos agoras.

Altino Olimpio