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15/05/1992
Ed. 473 - Veja porque o Prefeito Milton anda nervoso-as denúncias do Estadão

Concurso público na cidade deixa dúvidas
Perguntas estranhas e candidatos que não se identificam à entrada marcam provas.

CAIEIRAS – Uma série de dúvidas e a falta de fiscalização marcam o concurso público que a Prefeitura de Caieiras vem realizando para o preenchimento de cargos na administração municipal. A confusão começou na hora em que os candidatos chegaram às salas em que se realizaram as provas. Segundo editais publicados na imprensa local, cada candidato deveria apresentar a cédula de identidade e a ficha de inscrição. “Ninguém está solicitando a identidade, o que abre margem para qualquer um entrar e fazer a prova”, disse Antonio de Oliveira Camargo, que acompanhava uma das candidatas.

Na porta dos locais das provas, os fiscais só tinham uma folha com o número de inscrição de cada candidato. “Cheguei à entrada, tive de procurar o meu número no papel, colocar o meu nome, RG e fazer minha assinatura e a fiscal nem pediu minha identidade”, afirmou uma das candidatas, que preferiu não se identificar, temendo perder a vaga.

Surpresa

Mas os problemas não ocorreram só na entrada. Quando receberam as provas, muitos candidatos ficaram surpresos com algumas das perguntas. Depois das provas de Língua Portuguesa e Matemática, os candidatos receberam uma folha com perguntas que pediam o nome de quatro vereadores da cidade ou menção a algumas das atividades a serem desenvolvidas no Centro Cultural que está sendo construído em Caieiras, uma pergunta a quem nem mesmo o prefeito Milton Ferreira Neves (PMDB) sabia responder.

Há duas semanas, em entrevista à Agência Estado, o próprio Neves afirmou não ter certeza sobre quais atividades iria pôr em prática no Centro Cultural. Na hora da saída, muitos dos fiscais perguntaram aos candidatos em quem iriam votar nas próximas eleições, anotando as respostas em uma folha separada. "Estou aqui para prestar um concurso e não para responder a uma pesquisa eleitoral", afirmou outro candidato.

Problema antigo

A ocorrência de problemas na realização de concursos públicos em Caieiras não é novidade. Em 1990, a prefeitura local realizou provas cujo resultado foi publicado pela Agência Estado nos classificados do Estado 2 meses e 15 dias antes da divulgação do resultado oficial. Entre os contratados apareciam os filhos do prefeito de Caieiras, Hamilton e Izaura Ferreira Neves, além de seu genro Edílson Pereira.

Foi em 27 de junho de 1990 que o prefeito Milton Ferreira Neves baixou portaria para a realização do concurso, que teve as provas escritas realizadas nos dias 4,5 e 6 de julho. No dia 4, um anúncio publicado na sessão de classificados do Estado já informava o resultado final. Uma prova oral foi realizada no dia 8 de setembro. O entrevistador era o advogado Pedro Luis Pereira da Silva, amigo íntimo da família do prefeito. No dia 19 de setembro, a prefeitura divulgou o resultado oficial.

Parentes e amigos

Dos 18 cargos disponíveis, 9 foram preenchidos por parentes e amigos do prefeito, como havia previsto o anúncio. Além disso, de acordo com o artigo 13 da Lei 6.091/74, não é permitido a realização de concurso em período eleitoral. À época estava em andamento a campanha para governador.

Com base nas denúncias da Agência Estado, Rui Florêncio da Silva, morador na cidade, apresentou ao juiz da comarca de Franco da Rocha. O processo está em andamento. Procurado pela AE para falar sobre o assunto, o prefeito de Caieiras não foi encontrado.

Concurso é dirigido, diz genro do prefeito.
Funcionários da prefeitura ameaçam de morte correspondente e editor do “Estado”.

CAIEIRAS - Os concursos públicos realizados em Caieiras são dirigidos. Antes de cada prova os amigos e parentes do prefeito da cidade, Milton Ferreira Neves (PMDB) tem acesso a ela. As afirmações são de Gilberto Divino Teixeira, casado com a médica Mirian Ferreira Neves, diretora de Saúde de Caieiras e uma das filhas do próprio prefeito.

Teixeira revelou ainda que, caso mais de uma pessoa, além da escolhida pelo prefeito, consiga passar pelas provas, ela é eliminada na entrevista, "feita sempre por um amigo íntimo de Neves ou por um funcionário de sua confiança".

Segundo Teixeira, ele mesmo já foi convidado a participar desses concursos, mas nunca aceitou. "Atualmente na prefeitura de Caieiras tudo é dirigido, só não vê quem não quer", disse.
As afirmações de Gilberto confirmam as denúncias de irregularidades nos concursos públicos de Caieiras feitas pela Agência Estado e que se transformaram em processo judicial movido por Rui Florêncio da Silva, morador da cidade.

Em 27 de junho de 1990, Neves baixou a portaria para realização de um concurso em Caieiras. As provas escritas foram marcadas para os dias 4, 5 e 6 de julho. Uma prova oral foi realizada no dia 8 de setembro. O entrevistador era o advogado Pedro Luis Pereira da Silva. No dia 19 de setembro, a prefeitura divulgou o resultado oficial. Dos 18 cargos disponíveis, 9 foram preenchidos por parentes e amigos do prefeito, entre eles os filhos do prefeito, Hamilton e Izaura, além de seu genro Edílson Pereira, exatamente com previa o anúncio. Além disso, o concurso foi realizado durante a campanha eleitoral para governador do Estado, o que era proibido por lei na época.

Mal-estar

"Não se pode dar crédito às palavras de meu genro, que é um desqualificado", disse nervoso, na sexta-feira, o prefeito Neves, para quem o fato de a Agência Estado ter adiantado o resultado do concurso com 2 meses e 15 dias de antecedência é normal. "Qualquer um pode fazer isso, basta pegar as pessoas mais qualificadas que prestarão o concurso e publicar o nome delas no jornal", afirmou.

No meio da entrevista, o advogado do prefeito, Carlos Augusto de Castro, solicitou o seu encerramento, afirmando que o prefeito passava mal: "Vamos continuar esta entrevista em outro dia, porque o prefeito não está bem".

Ameaças

Quando o correspondente da AE em Franco da Rocha e região, Sandro Barboza, saiu do gabinete do prefeito, foi abordado pelo presidente da Comissão Municipal de Concursos, Vicente Menezes, e por mais dois funcionários da prefeitura, que passaram a ameaçá-lo. "Na minha terra quem se mete a besta amanhece morto, por isso pare de se meter com o prefeito e comigo, porque senão eu lhe dou um tiro na cara", ameaçou Menezes, que disse estar ali por ordem do prefeito.

Barboza foi mantido no corredor da prefeitura mais de uma hora. "Não adianta nada fazer estas reportagens que você vem fazendo, porque o juiz do caso sabe muito bem que, se fizer besteira, nós acabamos com ele também", afirmou. "Eu não quero ver nem mais uma linha sobre mim ou do prefeito nos jornais, senão você e seu editor morrem".

Assim que conseguiu sair da prefeitura, Barboza se dirigiu à delegacia de Polícia, onde registrou queixa por ameaça.

Obra favorece parente e viola a Lei Orgânica
Sobrinho da primeira-dama e vereadora é dono da firma que constrói Centro Cultural.

CAIEIRAS – Apesar do artigo 110 da Lei Orgânica Municipal de Caieiras proibir os parentes do prefeito, vice, vereadores e servidores municipais de contratar com a prefeitura, a Construtora Pérgula Ltda., de propriedade do empresário Cláudio Lobo Chaib, sobrinho da Primeira Dama e vereadora Afdóquia Chaib Ferreira Neves (PMDB), está conseguindo concluir uma das maiores e mais caras obras do atual prefeito da cidade, Milton Ferreira Neves (PMDB): o Centro Cultural. Durante toda a sua campanha visando a prefeitura de Caieiras, Neves prometeu reformar o prédio do antigo Canecão, construído na década de 70 pelo então prefeito Gino Dártora, e transformá-lo em um Centro Cultural. Assim que assumiu a prefeitura em 1989, Neves começou a estudar junto ao Departamento de Obras as possibilidades de iniciar a reforma do prédio. Em fevereiro do mesmo ano, Lobo criou a Construtora Pérgula Ltda., possivelmente por orientação de Neves e de sua tia Afdóquia, que teriam lhe garantido obras a serem realizadas em Caieiras. O capital inicial da empresa era de NCZ$10 mil.

Reforma

Em novembro de 1990, a prefeitura de Caieiras abriu uma concorrência pública para a reforma do prédio do antigo Canecão. Apesar de seu parentesco com a primeira dama e vereadora Afdóquia e com quatro funcionários municipais, filhos do atual prefeito, ter um capital extremamente modesto para os padrões da época e nenhuma obra de grande porte, a construtora de Lobo conseguiu vencer a concorrência de quase CR$500 milhões, em valores da época.

Acabamento

Atualmente a reforma do prédio do antigo Canecão está orçada em cerca de 1 bilhão, e se encontra em fase de acabamento.

A prefeitura local já está contratando os funcionários que irão trabalhar no Centro Cultural, que o prefeito Milton Ferreira Neves promete inaugurar no próximo mês de setembro.

Segunda-feira e ontem, a Agência Estado procurou conversar com Cláudio Lobo Chaib, mas sua secretária informava que ele não falaria a respeito do assunto. A AE também procurou contato com o prefeito de Caieiras, mas o seu chefe de gabinete, Valdir Martins, disse que ele estava em uma reunião com um grupo de vereadores e que não poderia atender o repórter.


Jornal A Semana