Versão para impressão

14/12/1982
Ed. 92 - Às vésperas do aniversário da cidade, o prefeito resolveu presentear Caieiras com o fim do que ficou conhecido como "Dartolândia"

Para quem estava habituado a freqüentar a prefeitura de Caieiras, entrar hoje naquele prédio será uma experiência no mínimo nova.

Dos muitos políticos que costumavam freqüentar aquela casa (um funcionário diz que, antes das eleições, você entrava na prefeitura e tropeçava em dois vereadores. Se caísse, seria na roda de pelo menos mais uma dúzia de vereadores e candidatos) apenas dois vereadores podem ali ser encontrados freqüentemente: o não reeleito Mário Dela Torre e o recém diplomado Nelson Urtado.

No entanto, não é só por isso que a prefeitura parece estar "vazia".

Na verdade, a razão maior é outra: o prefeito Luis Lopes Lansac sancionou terça-feira passada, um projeto de Lei da Câmara, extinguindo 14 cargos de chefia. Assim, 14 funcionários (ex) não são mais encontráveis ali na prefeitura.

Lansac sancionou o fim da Dartolândia

Os cargos que foram extintos foram preenchidos pelo concurso público realizado em maio do corrente ano, e serviu para efetivar nos cargos ora extintos 5 membros da família Dártora, ou, se preferirem, 7 membros do diretório do PDS.

Quando da realização do concurso, acusações de que imoralidades surgiram. Segundo os acusadores, a prefeitura não necessitava de mais funcionários, e, além disso, estavam sendo efetivadas pessoas em cargos que, tradicionalmente, são de confiança da administração.

Esse concurso foi realizado algumas semanas antes de o então prefeito Gino Dártora ser obrigado a desincompatibilizar-se do cargo, para concorrer ao mandato de deputado estadual.
Estaria o prefeito formando uma “panelinha” sua para continuar governando de fora?

Muitas respostas podem-se aferir a partir de declarações do atual prefeito Luis Lansac, que acaba de extinguir os tais cargos.

Segundo Lansac, a prefeitura pode perfeitamente dispor dos funcionários ora demitidos: “Ficamos sem 20 funcionários durante a campanha eleitoral e nem sentimos a falta”.

Além disso, segundo o próprio Luis Lansac, a prefeitura tinha funcionários que eram encarregados de si mesmos: “Uma porção”, garante o prefeito.

Quanto ao concurso, em si, Lansac prefere não entrar no mérito, porém reconhece que, segundo suas próprias palavras: “É voz corrente no município que o concurso foi feito ao apagarem-se as luzes, para favorecer a um grupo de parentes e amigos do ex-prefeito Gino Dártora”.

Lansac não era o sucessor de Gino? Então, o que mudou?

Quando o ex-prefeito Gino Dártora fez e refez seus cálculos, tudo parecia certo: faria um concurso dias antes de se desincompatibilizar, efetivaria seus auxiliares mais diretos, em seguida seria contratado pela URCASA (quando se fala esse nome perto de Luis Lansac, ele se esconde: “Por favor!!”) para onde transferira um bom número de funcionários e continuaria mantendo o poder sobre a máquina da prefeitura. Seu sucessor Lansac não teria coragem de em pouco tempo de mandato, tentar desenrolar o que por ventura lhe parecesse de certa forma estranho. Se o tivesse, contaria ainda Gino com 14 “encarregados”, homens de sua confiança, que ainda mantinham em cargos de chefia na prefeitura.

Para os que acreditam mais nos sortilégios que nas habilidades de um político-administrador, talvez Gino nem o tivesse planejado, mas foi o que de fato acabou acontecendo, tal, então, a conjuminação dos astros em favor de Dártora.

No entanto, alguma coisa fugiu aos perfeitos raciocínios do habilidoso político, ou algum Deus menor concorreu para modificar os desígnios do Olimpo. O que seria?

Certamente não teria sido a pressão da Câmara – aliás, sempre constante – o fator determinante. O que seria, então?

A derrota do PDS em Caieiras, nas últimas eleições, reforçada pela derrota do próprio Gino Dártora (Rei morto, rei posto) certamente concorreu para isso.

As palavras de Mário Dela Torre, antigo fiel companheiro de Gino Dártora, vereador não reeleito, e que votou favoravelmente o projeto que propunha a extinção dos cargos (Projeto de Lei nº 1624/82), são provas inequívocas disso: “Gino não utilizou como deveria a máquina administrativa da prefeitura. Ele é um dos grandes culpados pela derrota do PDS. Votei favoravelmente ao Projeto e com muita satisfação”.

Porém, outro fator parece ter sido determinante: os brios de um velho espanhol de 79 anos, fundador e historiador de Caieiras, repentinamente alçado ao cargo de prefeito: Luis Lopes Lansac.

Muita coisa errada Lansac viu ao entrar na prefeitura. “Um ninho de cobra – chega a arriscar, conversando entre amigos – e daquelas jararacas do rabo branco”.

Não tencionava, porém, mexer em coisas polêmicas como esses cargos. Segundo Lansac, sua intenção era de manter um mínimo de dignidade em sua administração: tentar sanear as finanças, pagar as desapropriações – não poucas – da antiga gestão, que agora estavam começando a estourar (um aviso ao futuro prefeito?) e conservar a casa, na medida do possível, em ordem para o prefeito que assumiria depois.

“Não queria que o povo pensasse que estou protegendo a família Dártora”

Quando, porém, veio às suas mãos um Projeto de Lei de nº 1624/82, de autoria do vereador Nelson Manzanares, e aprovado por quase unanimidade da Câmara de vereadores, propondo a extinção daqueles cargos de encarregatura e chefia, 5 deles ocupados por Dártoras, e 7 por membros do diretório do PDS, o vereador espanhol de 79 anos não titubeou, sancionou a lei, “Como queria o povo Caieirense”.

“Eu tinha três alternativas: vetava, sancionava ou ficava omisso, e o projeto em 10 dias passava”, explica Lansac. “Fiz o que a minha consciência mandou”.

Na verdade, o velho espanhol escolheu o caminho da honra:
- “O povo poderia pensar que eu estava protegendo a família Dártora. Não é um questão de estar ou não de acordo. O que eu não queria é que o povo ficasse contra mim. Os funcionários não eram necessários. Funcionários de confiança do prefeito, efetivados, não existe em lugar nenhum. Do jeito que estava, a prefeitura não tinha mais “índios”, apenas “caciques””.

Solidariedade ao espanhol

Ao que parece, Lansac não seguiu apenas a sua consciência. Ou então, Lansac já faz parte de Caieiras e de sua história, e sua consciência passa a ser termômetro de uma consciência coletiva de todo o povo Caieirense.

Manifestações de solidariedade partem de todos os lados. O vereador Mário Dela Torre, como já se viu, votou favoravelmente ao projeto. Outro vereador do PDS, Aparecido Campos, embora tenha votado contra o projeto, já havia apresentado outro quase no mesmo sentido, que acabou retirando.

O ex-candidato a prefeito pelo PTB e ex-presidente da ACISC, Edson Navarro, diz concordar em “gênero, número e grau” com Lansac. “Inclusive – diz – essa era uma das metas básicas do PTB”.

Do PMDB, além dos que apresentaram e aprovaram o projeto, muitas outras vozes se levantaram para aplaudir a atitude do “espanhol”.

Isso talvez acabe pesando quando for julgado o recurso que certamente será impetrado pelos “concursados”, alegando vício de forma do projeto de Lei. Segundo eles, a iniciativa deveria caber ao prefeito, e não à Câmara.

Quem ganha na justiça? O “espanhol” não quer opinar. Prefere deixar o que é da justiça para a justiça:
- “A justiça é soberana para decidir e conforme decidir, será feito”.

Não se furta de, no entanto, dar um conselho ao futuro prefeito, ainda que dissimuladamente:
- “É necessária uma profunda reforma administrativa na prefeitura , para que se possa administrá-la da maneira que se achar mais correta”.
Será que Lansac, o velho espanhol de 79 anos estaria novamente se referindo ao “ninho de jararacas do rabo branco?”


Jornal A Semana