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Ficou na saudade

Desprendido corporalmente e inconsciente quanto a tempo e espaço, depois de uma viagem espiralada e infindável, com o corpo psíquico agora num púlpito, perante divindades cultuadas durante minha existência incorporada, conscientizo-me do julgamento final.

Rompendo o silêncio ambiental e mental, uma frase telepática e um aceno de cabeça, dados por uma das autoridades celestes, ordena e então, inicio meu relato:

“Até onde me lembro, num dia do mês de agosto, meu espírito, talvez predestinado, pairou sobre uma modesta casa e no momento propicio, encarou no seio de uma família simples.

Na casa, incrustada na parede externa, havia até uma placa alusiva ao ano de sua construção, o mesmo que nasci, 1942.

A Natureza recebeu-me em seus braços, propiciando-me um enorme panorama e integrou-me nele.

A mata, o rio, os pássaros com seus cantos, o zumbido das abelhas e os beija-flores coloridos confundidos com as flores silvestres.

Dias quentes ensolarados com a sinfonia das cigarras e a coreografia hipnótica das borboletas e opostamente, a frescura, o aroma peculiar e a paz, procedentes das fortes chuvas de verão.

Da infância à puberdade, habitualmente descalço, percorrido por suas paisagens, nadei em suas lagoas, saboreei seus frutos e no resvalar suas vegetações, tantas vazes roubei-lhes o orvalho.

O mundo particular que descrevo, pertenceu a um imenso coração alemão, pulsando ainda a mais de cem anos, sendo seu nome, Industria Melhoramentos.

Meu pequeno mundo chamava-se Bairro da Fábrica e ladeado por outros bairros e vilas, incorporavam o antigo distrito, de Caieiras, cujo nome deu origem ao então Município de Caieiras do Estado de São Paulo.

Seus moradores formaram uma única e grande família e tinham seus clubes para entretenimento.

Seus bailes, os carnavais familiares e suas festas de 1º de maio – feriado do dia do trabalho – permanecem nas lembranças dos seus remanescentes.

A descontração daquele povo era revelada nos incontáveis apelidos que identificavam sua gente. Havia até um local de encontro chamado “Pau de Amarrar Égua”.

No trabalho poucos foram punidos, porque, os laços fraternais também penetravam pelos portões, acompanhando os funcionários da indústria.

Nas missas de domingo, até pelo trajar, fazia-se notar o respeito e reverência daquele povo.

Em muitos, meu olhar percorreu os zigue-zagues de suas ruas, pousou nos seus cabelos brancos e os acompanhou quando seus passos foram tornando-se lentos até que a vida abandonou-os. A morte muitas vezes enlutou todos! Por isso, vi lágrimas nos pais, nos filhos, nos parentes e me condoí dos seus desesperos.

Minhas lágrimas também umedeceram aquele solo querido quando acidentalmente e precocemente alguns desencarnaram.

Desculpem... ... Viajei pelas lembranças e esqueci do porque estou aqui.

Sei que devo discorrer sobre minha vida!

Minhas raízes já explanei... ...

As ambições de jovem inexperiente em busca de novas experiências, aprimoramento profissional e intelectual, causarem minha queda daquele paraíso.

Depois, muitos dos caminhos que percorri, estavam repletos de espinhos... ... mesmo caminhando por eles... ... ...

Por favor,! Se for permitido, prefiro protelar os detalhes sobre a minha vida. Inexpressivo como fui, seria monotonia.

Fui feliz onde nasci e com aquele pessoal. Se havia alguma missão à cumprir... esqueci pois, apaixonei-me por eles.

Portador de emoções humanas como o orgulho e a vaidade, e por relutar em desvencilhar-me delas, devo ter fracassado na existência incorporada.

Ultimamente sentia-me cansado por ouvir tantas conversas inúteis e conviver nas atuais circunstâncias, ouvindo os insensíveis e observando os valores da vida sendo distorcidos.

Meus passos estavam também se tornando lentos e no espelho, meus olhos já brincavam de labirinto, através dos sulcos do meu rosto.

Merecedor ou não, recuso recompensas e dispenso também a música das esferas.

QUERO! Gostaria! Preciso tanto ouvir badalar de sinos.

Desejo muito rever aquele pessoal de Caieiras, aqueles já falecidos. Em vida, eles invadiram-me pelas pupilas... seus sorrisos e fisionomia enriqueceram-me subjetivamente... ... eles... MEU DEUS! Estão surgindo todos! Não consigo mais me controlar! As lágrimas...

Amigos amigos! Quantas saudades! Abracem-me! Abracem-me.

BLEM... BLEM... BLEM… BLEM-BLEM… BLEM… BLEM… BLEM… BLEM-BLEM… BLEM… BLEM… BLEMMMMMMM.FIM

Altino Olimpio