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24/04/2008
Au, au, miau, miau, miau.

Naquele monótono Bairro da Fábrica da então Cia. Melhoramentos de Papel de Caieiras onde o verde da mata era cinza por causa da poluição do pó de cimento vindo do Bairro de Perus foi onde num sábado à tarde com o sol já além do seu zênite estive no armazém de lá, isso, no início da década de cinqüenta do século passado. Vislumbrei em seus postos por detrás do balcão os caixeiros Nestor Lisa, Lázaro Roque, o Kike, o Perim e o Seo Elpídio. Garoto gago e tímido evitava ser atendido pelo Nestor Lisa e pelo Seo Elpídio porque suas impaciências eram indisfarçáveis, principalmente aos sábados pelo final do expediente. O perfume do sabonete “Lever” pelo ar daquele recinto e o frescor da pele das mocinhas presentes para suas compras revelava que elas já haviam tomado seu banho de bacia, pois, os sábados eram especiais e reservados para isso e mesmo únicos. No bar do armazém, era costume o primeiro gole de pinga ser derramado no balcão e a escorrer até o chão e ele era para o santo. Muitos tinham esse mesmo costume e não soube se o santo sempre era o mesmo ou se aquele cevar era para mais de um.

Um cachorro levantou uma pata traseira e umedeceu um pedaço do balcão de madeira com seu líquido quente. Aquele movimento da pata e a contorção do corpo desviavam a mira daquele esguicho canino, que, sempre fica apontado para o queixo do animal, coitado, foi um descuido da natureza nessa criação. No conluio amoroso entre dois deles, as mocinhas banhadas de sábado, sempre “distraídas” nessas ocasiões, pois, ficar olhando para aquela cena de amor em apelos pelo esfrega esfrega pelos não era nada recomendável. Uma vez, brincalhões como eram, dois cachorros começaram a brincar de trenzinho e um se engatou no outro diante dos fregueses do armazém e não conseguia mais se desengatar, coisa que, as senhoras e as mocinhas “não percebiam” nada. A reação dos caixeiros contra os cães engatados foi violenta: “PASSA! PASSA! FORA! SAI! SAI!” Ás escondido do Sr. Genésio que era o chefe, as batatadas nos cachorros adeptos ao amor livre foram certeiras. Aguardando para ser atendido e fazer as compras que minha mãe queria, ouvi uma conversa entre o caixeiro Perim e a filha do Sr. Faltin que me surpreendeu e foi assim: “Tem bolacha pra gato?” – Não, respondeu o Perim, só temos bolachas Maizena e Maria. A filha do Sr. Faltin de pronto confirmou “é essa mesma, bolacha Maria, bolacha pra gato, quero um quilo”. Eu, depois de pagar minhas compras no caixa onde caixa ficava a Beatriz Silveira responsável pelas cobranças das compras saí do armazém meio alterado assim; Au, au, miau, miau, miau. Gozado, só naquele dia fiquei sabendo que além do Gato (Renato Molinari), saudoso, lá naquele bairro todos nós comíamos bolacha de gato, de maisena e de marca Maria. Depois desse fato, evitei me encontrar com a filha do Sr. Faltin pelo receio que ela pudesse saber da minha aberração por comer alimentos de animais. Também, sempre me olhava no espelho com medo de ser surpreendido com o surgimento de pelos felinos.

Altino Olimpio