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23/04/2008
Saudades do bairro da fábrica

Minha Terra

No “Big Bang” do alastrar de tanta informação, no diminuir das distâncias, no encurtar do tempo, ninguém mais sendo gente e só sendo população, tudo agora é redundância. Nesse vazio existencial a vida emperra e às vezes ele descerra a cortina da lembrança de minha terra. Tudo era como sempre se fosse primavera naquela era quando felicidade não era quimera. Fogão à lenha antes do fogão a gás, horta, galinheiro, pés de frutas, a rua de poeira, o rio a passar sombrio levando redemoinhos em sua correnteza como sendo um caminho de nossas incertezas. Pássaros em profusão e coloridos voando se interpunham entre o céu e o chão, gente das vilas era extensão de todas as famílias naquele rincão de contentamentos amparados pela Fábrica de Papel Melhoramentos. Alguns horários naquele lugar circunscrito eram sonorizados com apitos. Hoje vivendo restrito só volto àquele lugar em espírito. Revejo o Largo da Portaria Um e lá no jardim me refresco no pequeno lago onde ele se faz de espelho e me vejo entre seus peixes vermelhos. Como a saudade manda desci a Rua da Pensão e no fim dela, estou defronte à antiga sede da banda. Ao lado a longa escada termina abaixo num espaço cimentado que se emenda com a entrada da antiga venda. Acima daqui, em terreno mais plano está a rua com a barbearia do Caetano. De volta ao largo da portaria ou também largo do escritório da indústria, a quadrada torre entre ele e a garagem dos automóveis, ela ostenta incrustado nela o grande relógio com seus marcadores de madeira marcando o tempo de preciosos presentes numa maneira que me ficarão para sempre.

Agora, aqui na rua que é conhecida como Bairro Chique, o passado muito mora neste encanto que outrora foi uma escola. Tantos meninos e meninas no aprender a ler e a escrever continuam presentes no meu mental entrever. Estudo e silêncio nas salas de aulas, professores como pais a educar, depois hora do recreio no entremeio de meninos e meninas a lanchar, sorrir, conversar, brincar e se gostar. Neste outro lugar, sob a sombra do velho e frondoso abacateiro vejo por inteiro o galpão que abrigava o armazém, a quitanda do Sato e invisível daqui, atrás dela ficava o açougue dos Molinares, são de tempos idos e jazem no já quase indizível. Em leve descida depois do armazém, a rua de terra batida antes de ser invertida para a esquerda ou à direita, ela se detinha numa fileira de toras de madeira, que, fincadas no chão antes do rio e de sua ribanceira, eqüidistantes como medidas com régua, este local se chamava pau-de-amarrá-égua. Descendo à direita, também nela e depois do barranco que por cima tinha uma mata ficava a sorveteria do Sr. Alfredo Satrapa. Depois, no lugar dela e tendo outro trato, ficou sendo a oficina do Máximo Pastro.

Moradias com água e energia elétrica de graça, rodeadas pelas matas nunca sentimos a falta de uma praça. Lugar de gente honesta, onde a amizade foi contagiante vivemos nós sempre esfuziantes. Agora no tempo que decorreu, muita daquela gente morreu, aquele lugar findou e nos remanescentes daquele povo que se dispersou, só na lembrança ficou. Hoje, contagia lembrar daquela simplicidade e descontração que havia e causa melancolia. Nesta época de tantas tribulações e com as pessoas cada vez mais isoladas em separações quando os valores são distorções, parece mesmo que aquele lugar só existiu como abstrações. Teria ele sido um conto de fadas? Teria existido só na imaginação? Claro que não! Espalhadas entre remanescentes e descendentes deles, muitas fotografias daquele lugar e daquele outrora romântico são como magias se comparado com este nosso agora. Estivemos lembrando de um pedacinho de Caieiras original onde toda gente vivia de maneira decente e era como parente num viver igual. Como parte da trajetória daquele local até o seu final, ele me ficará na memória, mas, aqui se encerra este escrito, um pequeno capítulo sobre a minha terra.

Altino Olympio