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06/02/2009
O antigo Cruzeiro da igreja

O viver era muito descontraído principalmente o das crianças. Elas eram envoltas pela natureza e pareciam irmanadas com tudo o que viam e com tudo o que tocavam. Crianças muito se relacionavam com crianças, pois, se misturavam em seus folguedos e também eram conhecedoras de suas imediações, como as matas, os morros, o rio, os lagos, outras vilas onde sabiam quem eram seus moradores. Mutuamente sabiam quem eram seus familiares. Nessa época existiu um menino igual aos outros nos entretenimentos pueris. Gostava de rodar arco, um aro de aço empurrado por um grosso arame adaptado para isso. Quando a mãe lhe pedia ir ao armazém, lá ia ele rodando arco e acompanhado pelo seu cachorrinho. Certa vez, a conversa dos seus amiguinhos era sobre o “Cruzeiro” que iriam inaugurar. O menino se perguntava “Cruzeiro, que será isso?” Além de ter um espírito zombeteiro, ele, também tinha um malabarismo mental. “Não vou perguntar o que é, porque, podem zombar por eu não saber, então, é só dar um tempo para ficar sabendo”. Tal não aconteceu e finalmente chegou o “grande dia” do esperado evento. Foi lá no alto onde ficava a bonita igrejinha. Antes dela, a subida bem íngreme era conhecida como a subidona da igreja, onde tinham moradias mais para os “chefes” da fábrica de papel. Seus filhos mesmo sem querer exibiam superioridade por causa de serem filhos de chefe. Isso nada importava para o menino, pois, sempre rodando arco e acompanhado por seu cachorrinho, ele, se sentia melhor que eles. O menino nunca soube ao certo como se chamava aquela vila, embora tendo moradias melhores, aquele local era bem mais deserto que os outros. Mas, na inauguração o menino ficou sabendo o que era o famoso Cruzeiro. Uma grande cruz fincada no chão e incrustada com lâmpadas para serem acesas durante a noite. Para alguns adultos, talvez, aquilo representasse alguma proteção. Para o menino, não! Nas suas divagações inspiradas pelo seu rodar arco pelas ruas, ele era um diálogo interno quando às vezes até sorria por não entender os adultos e nem queria. O tempo foi passando, algumas lâmpadas foram se queimando e o Cruzeiro foi se desfazendo por relaxo na sua manutenção (coisa impossível devido à importância dele naquela época). No alto só restou à igrejinha solitária entre eucaliptos e abaixo a fábrica de papel. Todas as moradias, todo o povo residente daquele local “virou cinzas”. A vida é uma continuidade ininterrupta a se modificar e a tudo modificar e mesmo destruir edificações humanas, inclusive suas edificações de conceitos mentais, sempre comprovando que eles não se sustentam a não ser para os que com isso ainda se sustentam. O menino desta história ainda hoje “roda arco” pelas ruas do seu cérebro, talvez porque, iluminado pelo Cruzeiro ainda só vê o que enxerga e só ouve o que escuta. O que não vê e o que não escuta, limitado como é deixa para os outros mais especiais verem e escutarem.



Altino Olympio