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26/04/2010
O fim do baile

O baile do Clube Recreativo Melhoramentos do Bairro da Fábrica de Papel de Caieiras terminava lá pelas quatro horas da madrugada. Na volta pra casa a preferência era de caminhar sozinho desfrutando ainda dos bons momentos de romantismo. Mas eram um intercalar desses pensamentos com o ouvir as vozes de alguns amigos que comentavam sobre o baile. Mesmo com a instropecção dificultada, visões anteriores, sons de música e o rosto de alguém passeavam pela mente no escuro e frescor da noite antecedendo o dia. Já no silêncio do leito, em pensamento o baile se repetia. O tirá-la pra dançar, o caminhar dela ao meu encontro, o se abraçar e juntos deslizar pelo salão ao compasso da melodia lenta. Aos poucos uma aura sublime foi nos envolvendo. O coração em ritmo mais rápido e mais forte pareceu estar querendo falar o que a boca, por timidez, calava. Aquela mão feminina colocada na minha, quente eu a sentia, eu a apertava para me certificar que com ela estava e não sonhava. Com rostos tão próximos, num “sem querer” eles se esfregavam. Outros tantos “sem querer” se repetiram, nossos rostos se roçavam, se colavam impulsionando o fluir de um tão profundo sentimento proveniente do âmago e sem palavras para defini-lo. O odor do perfume dela, seu corpo, a música e o baile eram como uma rica moldura ornamentando tanta emoção. A juventude parecia significar um estar incompleto. Em momentos solitários, como se olhando para dentro os olhos liam os pensamentos. Eles clamavam que o se completar só estaria no encontrar aquela que tanto se iria gostar como tanto ela também iria. Era a época do tanto um gostar do outro que não mais se existia para os outros. Na juventude de futuro indefinido era impensável seguir até ele sozinho. Uma mulher teria que ser destinada como parceira. Quem e como seria ela? Latente no íntimo isso era a compulsão para a busca por alguém sem saber quem. Mas, no baile, aquele idílio continuou em outras seleções musicais. Às vezes um errar dos passos provocava uma parada da dança e sorrisos mútuos eram trocados dando oportunidade para olhares mais demorados. Era quando muito se queria o que não se podia: envolver aquele rosto com ambas as mãos e beijar aqueles lábios tão desejados. O mútuo encantamento prosseguiu num nada parecer existir além de nós como num sonho de um ter o outro para sempre. Entretanto, impiedoso o tempo passou e o baile terminou. No escuro do quarto com as cenas do baile recente se reproduzindo na mente antes do sono chegar e tudo apagar, a imagem dela aparecia como para ser o completar que meu íntimo estava a buscar. Noutras vezes e noutros bailes, outras também foram paixões não sabidas serem elas apenas momentâneas. Foram um “doce” iludir e não iriam estar no meu porvir. Em Caieiras muitos bons bailes com boas orquestras, aqueles realizados mais ou menos a cada três meses e pensados como inesquecíveis, no entanto, por outros esquecidos foram como se não tivessem existido. Muitos namoros que terminaram em casamento tiveram início naqueles bailes familiares. Neste agora tão diferente de outrora parece que a saudade chora querendo reaver aquela efusão de emoções entre músicas românticas, gente bem vestida e as namoradas que muito encantaram a nossa presença naqueles bailes. Namoradas! Que pesar. Quase todas morreram. Aquela deste “O fim do baile” já morreu também. Assim é a vida. Uma dança triste provocando ferida ao nos lembrar da partida de pessoas que nos foram tão queridas.

Altino Olympio