Versão para impressão

Lembrando os velhos anos novos

Lembrando os velhos anos novos

Neste país, Brasil, no Estado de São Paulo existiu um lugar pacato chamado Caieiras onde uma fábrica de papel tinha ao seu redor as moradias para seus funcionários. As moradias eram boas, embora, não luxuosas. Eram simples como o povo de lá. Tinham suas cercas e portões mesmo nas suas desnecessidades. Pelas janelas escancaradas, os moradores e os transeuntes, conhecidos, amigos e parentes, se viam e se cumprimentavam. Automóveis ainda eram raros, então, não havia tanto distanciamento das pessoas. O sempre se locomover a pé propiciava a alegria do encontro entre as pessoas, suas paradas para uma conversa agradável e assim, os laços de amizade eram fortalecidos. Daquele lugar onde todas as pessoas se viam e se conversavam ficou também uma das lembranças mais saudosas. Sim, os bailes de fim de ano, os “Bailes de Réveillon”. Era uma obrigatoriedade promovida pelos três clubes locais, o Clube Recreativo Melhoramentos, o União Recreativo Melhoramentos de São Paulo e o Brasil Futebol Clube. O caminhar até um dos clubes já era uma sensação ao ver outros no mesmo trajeto para participarem da mesma confraternização. Com início as vinte e uma ou vinte e duas horas, o baile se iniciava romântico, enfeitado que era pelo teto do salão colorido com tiras de papel crepom. Todos pareciam estar num estado paradisíaco como a pensar que a vida, que o mundo era aquilo, uma dança das mais significativas emoções humanas no amistoso entrelaçamento entre todos. Suas fisionomias alegres transmitiam isso. À meia-noite era o apagar das luzes anunciando a morte de um ano e o nascimento de outro. Reascendiam as luzes e a orquestra sonorizava “Adeus ano velho, feliz ano novo, que tudo se realiza no ano que vai nascer, muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender...” enquanto os pares a dançar paravam, se abraçavam, trocavam desejos para um próspero ano novo e depois essa afabilidade era repetida entre todos os presentes no salão e também entre os das imediações que estavam a assistir o baile. Boleros, valsas, rumbas, sambas e mambos eram muito apreciáveis outrora. Nas músicas lentas o dançar de rosto colado era motivo de comentários e dava pra desconfiar de quem gostava de quem. Por causa disso, algumas moças até sofreram beliscões de suas mães “envergonhadas” com essa prevaricação das filhas (risos). Quando o baile terminava lá pelas quatro horas da madrugada, na volta para suas casas parecia que todos ficavam andando pelas nuvens, sentindo-se felizes com a vida. Por um trecho do trajeto de volta, todos caminhavam próximos até o desencontro onde cada qual seguia pelo rumo de suas vilas. Às vezes a neblina que parecia materializar o silêncio noturno se revolvia como a achar graça pelos comentários sobre o baile. Alguns preferiam permanecer calados, inclusive, porque a fisionomia daquela moça, seu perfume, seus olhos, sua voz, suas mãos delicadas, seu sorriso, seu rosto de pele macia e lisa a “sem querer” esbarrar e escorregar pelo meu no dançar, não, nada disso poderia se desvanecer, tudo teria que permanecer, pelo menos, até ao adormecer. Os bailes pareciam ser mesmo um marco da despedida de um ano que se passou e as boas vindas para o ano sequente. Mas, ininterrupta, a dança do tempo com suas transformações, infelizes às vezes, ocasionou o desaparecimento daquele lugar e o mesmo fez com a maioria de sua boa gente daquele viver tranquilo, amigável e solidário. Nesta época os anos parecem ser apenas de “hojes” simultâneos não mais nos tendo o mesmo sentimento pelos seus fins e começos. Agora o “réveillon” é um bailado no ritmo da solidão a nos lembrar como mudamos e às vezes até nos tornamos indispostos perante outros nessas “passagens de ano”. Entende-se porque muitos preferem se isolar.
                                                                                                         
                                                                                                         Altino Olympio