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02/03/2009
O menino e o velho

O menino era um desses que veio parar em São Paulo lá dos cafundós do nordeste, franzino, vivo e inteligente. O velho havia chegado há muito tempo, coisa de mais 40 anos. Passou quase toda a vida clinicando, era desses médicos em fase de extinção, botava os olhos e saía o diagnóstico, nada de especialista disso ou daquilo.

Um dia o velho virou prefeito de uma cidadezinha e lá se foi despachar em seu gabinete. O encontro era inevitável, o menino também tinha entrado no serviço público local que eles chamavam de “guardinha” ele não entendia direito essa história de trabalhar para não ficar na rua. Como a tal da guardinha era da Prefeitura, ele foi direto para o gabinete do prefeito, assim os dois assumiram praticamente no mesmo dia.


O velho como prefeito tinha algumas manias, meio fora de uso, como autoridade máxima, mantinha todas as portas da prefeitura abertas, inclusive a sua, era um entra e sai danado. Ali entrava e saía gente de toda espécie, pobres, ricos, importantes, sem nenhuma importância, enfim o velho atendia a todos com a mesma paciência e dedicação, mais parecia que cada um que entrava era um paciente merecedor de todas as atenções.


O menino cada vez compreendia menos, em sua terra havia aprendido tudo diferente, lá prefeito era coisa distante, só para ver em palanque e nunca chegar perto, mesmo que tentasse a jagunçada não deixava. Naquele lugar onde o velho sentava de manhã e só saía a tardezinha, vinha gente muito esquisita, pensava ele, uns só iam para pedir e outros sempre levavam uma montanha de papel para o velho assinar, tudo ele tinha que ver, ouvir, nada se fazia sem o velho balançar a cabeça, o menino chegava às vezes a ter pena do velho, tanto serviço pensava e ninguém agradece nada.


Mas o velho tinha lá suas alegrias e uma delas o menino nem desconfiava, era simplesmente vê-lo interromper sala adentro, com a irreverência própria das crianças, interrompendo uma reunião importante e dizer: doutor, telefone para o senhor, b de bola. O velho olhava o garoto e viajava no tempo, o carrossel passava a girar ao contrário e bem perto o anjo da guarda do menino, porque toda criança tem um, dizia: um dia ele vai lembrar do velho e há de dizer orgulhoso: eu fui guardinha do doutor e entrava e saía da sala dele quando bem entendia, ele até parava com aquela gente importante para eu anunciar o telefone, agora eu quero ser igual a ele. E o carrossel do tempo continuava rodando, rodando.


Edson Navarro