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08/05/2012
Relógio cuco

Quem de nós com um pouquinho mais de meio século não se lembra do saudoso relógio cuco? A primeira vez que deparei-me com esta criatura,  fiquei maravilhado e ficava horas aguardando o passarinho cantar botando a cabeça pra fora da janelinha. Como eram muito rápidas as batidas das horas eu achava que o danado estava afim de me “sacanear”, pois eu não conseguia vê-lo em sua plenitude.           Nas noites com insônia - na casa de minha avó - eu ouvia todas as suas batidas e por ser criança não entendia porque umas vezes cantava tanto, outras apenas uma – e me perguntava : este passarinho não dorme? Não come?

            Lembro-me da história contada pela minha nona sobre um tio meio maluco que deu um tiro de garrucha no relógio na tentativa de acertar o passarinho. Ainda bem que errou, mas a marca da bala ficou como testemunha por muito tempo.

            A minha paixão por este relógio era tão grande, ao ponto de pedi-lo de presente para minha avó, em todas as visitas que eu fazia. Foram anos de espera e nada!

            O tempo passou e o progresso calou o bico para sempre desta rústica, bela e preciosa jóia de marcar as horas. Parece que ninguém tem mais tempo a perder dando corda todos os dias para que o mesmo não pare de funcionar.

            Meu saudosismo fez-me procurar uma destas engenhocas, incansavelmente, até encontrá-lo. Vasculhei a internet e casas de antiguidade e finalmente encontrei o que estava procurando - um belo e original cuco, do jeito que eu imaginava. Claro, estava sem funcionar, afinal sua última batida, foi há pelo menos trinta anos atrás. Meu desafio agora era encontrar algum relojoeiro para consertá-lo sem cobrar-me o “olho da cara”. Também encontrei.

            Eu telefonava pela manhã, à tarde e morria de vontade de dar uma ligadinha à noite para saber se teria ou não conserto. Finalmente, a tão esperada ligação carregada de um sotaque portenho, pois, pois..., aconteceu - era o senhor Hermínio me dizendo que o relógio estava pronto e funcionando. Fiquei muito feliz e ansioso para vê-lo instalado no meu escritório.

            O próximo passo foi levar vários amigos e filhos para conhecerem meu presente de Natal que há um ano está marcando religiosamente o tempo. Confesso que ainda hoje me encanto ao ver o pequeno pássaro anunciando as horas.

             Dia desses, dando corda, me ocorreu uma constatação curiosa: a semelhança do meu cuco com o ser humano. Cheguei à conclusão que assim como ele, nós também precisamos receber “corda” todos os dias, mesmo depois de envelhecermos.      Definitivamente não somos automáticos – sem “corda” paramos de funcionar.              Nossa vida está a cada dia mais atribulada e apesar de tantos recursos tecnológicos, não nos permite mais coisas que não sejam práticas e de preferência automatizadas.

            Até hoje, ao ver o passarinho na sua portinhola sinto gratas lembranças da minha infância e vejo num retrato branco e preto uma época mais poética, onde o tempo era lento e nosso encanto pelas coisas eram mais simples e prazerosos.

            “Eu igual a toda meninada, quantas travessuras eu fazia, jogos de botões sobre a calçada... Eu era feliz e não sabia”.

            E VIVA APÁTRIA!

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Osvaldo Piccinin