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09/05/2012
Atílio barbeiro

Ele veio de longe sem muito explicar. Foi uma grande alegria saber que apesar de tanta vivencia, escolheu nossa pequena cidade para morar e criar sua família. O mais comum acontecer era o contrário, ou seja, muitas pessoas partindo e poucas chegando. Na verdade, naquele tempo tudo era muito longe, porque os meios de transportes e as estradas tinham muitas limitações e era inevitável a demora na viagem. Para se viajar dez quilômetros nossa mãe dizia: Deus lhe abençoe, vai com Deus, se cuide, quando chegar lá mande notícias etc.
Porte elegante, cabelos lisos, grisalhos, penteados para trás tipo “lambido de vaca”, puxados na brilhantina, assim era nosso barbeiro Atílio. Suas calças e camisas de linho impecavelmente bem passadas combinando com seus lustrosos sapatos, expunham sua vaidade de homem que já tinha feito coisas mais interessantes em sua vida pregressa - mas deste assunto não gostava de falar. Não fazia seu feitio desenterrar defunto como costumava dizer - o que passou, passou.
Esta, com certeza, não foi a profissão sonhada por ele. Demonstrava isso claramente em nossas conversas, mas na navalha e na tesoura era um craque. Por isso mesmo seu salão vivia cheio e além de ser um profissional competente tinha um ótimo papo e muitas histórias para contar. Sisudo e sistemático ao extremo - era impossível arrancar-lhe um sorriso.
  Negava-se a cortar os cabelos longos dos jovens da época. Dizia que não cortava cabelo de “veados”. Para convencê-lo, tínhamos que ter paciência e tática além de nos sujeitarmos ir ao salão só quando estivesse vazio - isso para não comprometer a boa imagem do mesmo, perante aos seus tradicionais e conservadores clientes. Fumante inveterado, não dispensava uma branquinha, apesar de nunca tê-lo visto embriagado.  Seu bigodinho e dedos amarelos, mãos um pouco trêmulas, não o deixavam mentir sobre seu prazer por estes vícios.
Sua barbearia era um ponto de encontro de pessoas mais aculturadas. Eu achava interessante ele fazer a barba de alguns senhores que pareciam ir lá para tirar uma soneca, enquanto tinham suas bochechas “pelancudas”, massageadas pelo deslizar de uma afiada navalha Solingen de origem alemã.
Ao longo do tempo nossa amizade foi crescendo e apesar da diferença de idade, passou-me a externar mais seus sentimentos, principalmente no tocante a sua sensibilidade para a música. Quando nos reuníamos no bar do Trinta, numa roda de violão, era marcante sua preferência por Vicente Celestino, Nelson Gonçalves, Noel Rosa e outros. Longe de tocar bem, mas arriscava uns acordes. Sabia de suas limitações e tinha humildade de passar o violão a outro que cantasse ou tocasse melhor que ele. Abominava as músicas sertanejas. Dizia não ser “jacu” para gostar deste gênero musical.
E nessa batida, criou sua família com muita dignidade e respeito. Com a idade mais avançada um dia fez questão de mostrar-me uma de suas paródias (Ébrio), em que dizia: “Eu sou um pau d’água folgazão deste lugar, vou cambaleando em meu estado normal, e o meu destino é beber por atacado, e o meu prazer é viver embriagado. Não me contento com copinhos e garrafas e nem a litros que me levem ao pifão, pra sustentar uma esponja como eu, é necessário ofertar-me um garrafão”.
  Amigo Atílio, se tivesse tido outra oportunidade nesta vida com certeza teria sido um músico refinado e competente, quiçá um grande seresteiro. Dentro de cada um de nós existe uma obra de arte em forma de pedra bruta, é só lapidar que ela aparece.
“Deus não permita que eu perca o romantismo, mesmo sabendo que as rosas não falam...”  Estas foram suas palavras no nosso último encontro.
E VIVA A PÁTRIA!
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Osvaldo Piccinin