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30/05/2012
Um navio de saudade

Um navio de saudade

Este ano está fazendo cento e dez anos que meu avô paterno chegou ao Brasil vindo da Itália. Minha tia Ana, hoje, com noventa e dois anos, por ter uma memória privilegiada nos conta um pouco desta história.

O vapor - navio San Gottardo - partiu de Génova em 1897 com destino ao Porto de Santos trazendo meu bisavô Pietro e dois filhos um com quinze anos - Luigi meu avô - outro com oito anos seu irmão Giuseppe. Vieram fazer a América, como se dizia lá na Europa para aqueles que se aventuravam morar no Brasil. Não tinham, ao menos, noção do que poderiam encontrar pela frente. No caso de meu bisavô tinha um agravante - ele veio fugindo da miséria causada pela guerra, e pela morte de dois filhos pequenos e de sua própria esposa, minha bisa – Regina Roncadin.

Em Údine, na comuna de Pordenone, onde nasceu, foi comprador de gado, mas no Brasil na cidade de Limeira-SP foi trabalhar na lavoura de café - não por muito tempo - pois assim que meu avô Luigi - primogênito - e minha avó Santa Pivetta se casaram e ganharam dinheiro suficiente à custa de muita economia, carpindo, rastelando ou apanhando café, compraram um sítio levando para lá toda sua família - onze no total - uma verdadeira ninhada, coisa comum naquela época.

Sinto saudade de ver mais de trinta descendentes do nono Luigi sentados numa grande mesa aos domingos - filhos, noras e netos - em volta de uma grande bacia de macarrão, outra de salada, meia dúzia de frangos assados numa bandeja, um garrafão de vinho e uma polenta do tamanho de uma roda de bicicleta numa tábua, no centro. Detalhe: as mulheres e as crianças não podiam tomar vinho puro, somente misturado com açúcar e água.

A Italianada parecia um bando de maritacas, todos falavam ao mesmo tempo - e pior - se entendiam. Na mesa tinha apenas colheres e garfos.  Facas? Nem pensar, pois o infeliz do frango era destrinchado na mão com ajuda dos dentes. O guardanapo era a própria toalha de mesa ou a manga da camisa que após as refeições ficava vermelha devido ao molho de tomate presente. O nono e a nona tinham lugares garantidos na cabeceira da mesa, eram os primeiros a se servirem, e as crianças sem dúvida, as últimas.

Não raro um tio soltava um arroto daqueles de estremecer a parede, e todos diziam em coro – Salute! Mas se alguém se atrevesse a soltar um “gás” meu avô com seu sotaque italiano bem carregado, franzindo a testa e demonstrando indignação, logo dizia: Eco! Cuidado hein, vai borrar a ceroula! Ou ainda: Madona mia, isso é uma poca vergonha!

Na verdade estou dividindo com vocês a  nostalgia de uma época onde se vivia com muita simplicidade, e também com muito respeito pelos mais velhos, coisa que está em desuso atualmente.  Não me lembro de ver ninguém reclamando da vida dura na roça, onde se trabalhava de sol a sol, praticamente para garantir a comida e umas poucas peças de roupas.

Era muito comum trabalhar descalço na roça - a sola do pé era mais grossa que uma chapa de zinco -, não tinha estrepe que a furasse. Graças a Deus meu pai enxergou um pouco mais longe e às duras penas, nos deu educação e uma bela faculdade e com os parcos recursos advindos do cabo de uma enxada, colocou um diploma em nossas mãos.

E o navio da saudade ficará para sempre em nossas recordações, foi ele o percussor da vida digna que temos hoje e de lambuja, nos proporcionou o prazer de morar num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza.

E VIVA O NAVIO DA SAUDADE!

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Osvaldo Piccinin