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19/06/2012
Almoço de domingo na Vila Leão .

Outro dia conversando com o Altino Olimpio sobre minha crônica da Semana Santa, ele me fez recordar mais um episódio interessante.No domingo de Páscoa como em qualquer data festiva era comum, grandes preparativos culinários.Mas em tempos diferentes dos de hoje a realização dos pratos requeria das mulheres melhoramentinas um esforço antecipado.Lá na Vila Leão, a maioria das famílias criava em seus quintais,galinhas, patos, coelhos e porcos.A horta era obrigatória.Pães, bolos e massas eram aptidões natas das mulheres simples da época.Criavam-se animais e aves para sobreviver em tempos de pouca industrialização alimentar.Minha madrinha ao domingos pela manhã já saía no quintal e pelo galinheiro corria atrás da melhor ave para o almoço.Em seguida amarrava-lhe as pernas com trapos de pano imobilizando-a por completo.Segurando-a de cabeça para baixo, apoiando o corpo entre as pernas, dava-lhe uns dois puxões no pescoço “destroncando” a gorda e indefesa galinha.Depois de estrangulada, a galinha ainda permanecia em movimento, se debatendo por alguns minutos mais no chão, ao lado do tanque de lavar roupas.Enquanto isso, um enorme caldeirão de água fervia sobre a boca do fogão e esperava ardentemente o momento crucial do ato. A galinha já imóvel era jogada dentro da água fervente e ali permanecia até que suas penas estivessem moles o suficiente para serem “arrancadas”. Saindo do caldeirão, a ave era depenada,por puxões rápidos e fortes,numa agilidade impressionante.O cheiro de penas quentes espalhava-se por toda casa mas era o prenúncio de apetitosa comida. Estas  penas retiradas eram separadas com esmero. A galinha peladinha,pálida e sem vida era colocada sobre uma tábua de madeira.Era aberta com uma enorme faca afiada no muro de cimento e num corte preciso era “repicada” sem dó ou piedade. A cabeça era descartada,o pescoço e pés separados para sopas e caldos. Os órgãos todos expostos eram extraídos pelas mãos habilidosas da minha madrinha e eram colocados ao lado numa outra vasilha.Coração, rins,fígado tudo iria para a mesa.Mas tinha uma parte que recebia um tratamento especial e eu era sempre chamada para acompanhar: A limpeza da moela sempre cheia de areia e pedras  que me divertia e encantava (coisa de criança xereta).Morta,depenada e despedaçada a galinha recebia um bom tempero e um bom tempo no fogão transformando aquela tragédia toda num apetitoso almoço de domingo.E era o que importava de verdade.Esquecia-se da ave estrangulada se estrebuchando no chão.Esquecia-se do cheiro das penas e da moela empedrada.Esquecia-se até o trabalho imenso que minha madrinha tinha ao cozinhar para nós todos.Esquecíamos de tudo e só pensávamos naquela delicia enchendo nossos pratos e nos reunindo à mesa em almoços tão felizes.Não foram somente em datas festivas que estes acontecimentos ocorreram.Por muitos anos presenciei as mesmas cenas, numa dedicação constante de se manter a união familiar.Cansaço foi palavra desconhecida para uma mulher sempre disposta a reunir filhos,parentes e amigos.Não havia queixa ou reclamação.Só alegria.Maior tristeza, talvez, só fosse o destino da pobre galinha.(risos)
Ah! Já ia mês esquecendo! As penas, no dia seguinte, eram lavadas, espremidas e espalhadas numa bacia de alumínio .Ficavam dias ao sol.Secas, e limpas eram revestidas com uma capa branca confeccionada em casa mesmo, pelas mesmas mãos que aos domingos fazia nosso almoço.Enfronhadas viravam travesseiros cheirosos e macios que, por muito tempo acomodaram e aconchegaram nossas cabeças sempre tão cheias de sonhos e vontades.


Fátima Chiati